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EDUCAÇÃO

- Publicada em 25 de Setembro de 2009 às 00:00

Escolas precisam ensinar alunos a negociar


Mauro Schaefer/JC
Jornal do Comércio
Alunos batendo em professores. Professores batendo em alunos. Pais de alunos discutindo com professores. Colegas discutindo entre si (e depois colocando os vídeos do confronto na internet). Indisciplina. Punições exageradas. Ameaças. Intimidações. Consumo e venda de drogas no interior ou nos arredores da escola.

Alunos batendo em professores. Professores batendo em alunos. Pais de alunos discutindo com professores. Colegas discutindo entre si (e depois colocando os vídeos do confronto na internet). Indisciplina. Punições exageradas. Ameaças. Intimidações. Consumo e venda de drogas no interior ou nos arredores da escola.

Situações como essas ocorrem diariamente. A violência no âmbito escolar tornou-se algo comum e, até certo ponto, já assimilado pela sociedade. Boa parte das ações violentas dentro das salas de aula tem como ponto de partida situações simples que não foram bem resolvidas. Mas, afinal de contas, a responsabilidade é de quem? Para a doutora e mestre em educação e professora da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), em São Paulo, Ana Maria Sadalla, a resposta é uma só: de todos. A pesquisadora falou com o Jornal do Comércio sobre os conflitos que ocorrem nas escolas.

Jornal do Comércio - Como os educadores podem transformar conflitos em possibilidades de desenvolvimento?

Ana Maria Sadalla - A primeira coisa que devemos pensar é que, quando existem relações interpessoais em um determinado espaço, o conflito sempre aparece. Se há mais de uma pessoa, isso já gera a possibilidade de discordarmos. O grande problema é que a escola acha que o conflito tem de ser evitado. Quando ela percebe que os alunos estão discutindo ou discordando, ao invés de ensinar a negociar, ela simplesmente suspende aquela atividade. Os educadores, de um modo geral, entendem o conflito como algo antinatural. Algo que precisa ser evitado, impedido. O que os professores geralmente fazem é promover situações em que o aluno tem de trabalhar sozinho para que não exista a possibilidade do conflito. A resolução dos problemas tem de fazer parte do processo de ensino como qualquer outra disciplina. O que nós esperamos? Que os alunos saiam da escola, entrem no mercado de trabalho e saibam trabalhar em equipe, sendo que eles nunca aprenderam a fazer isso?

JC - Quando se fala em violência nas escolas, às vezes parece que o conflito é algo externo que invade o âmbito escolar. É assim mesmo?

Ana - Precisamos pensar que a violência que está na sociedade sem dúvida também está dentro da escola. Mas, isso não apareceu do nada. Não é a partir do momento que uma criança faz seis anos e vai para escola que ela se torna agressiva ou violenta. Ela teve um processo de aprendizagem de achar que tem de resolver os problemas desse jeito. Aquilo que minha mãe dizia quando eu era pequena e ia reclamar: “mãe, fulana me bateu, puxou meu cabelo”, e ela respondia “puxa o cabelo dela para ela ver como é bom, bate nela para ela ver como dói”. Isso é você ensinar para a criança a ideia do bateu-levou. Tem pais que inclusive dizem “tu podes até não começar uma briga, mas tu tens de terminar”. Essa violência não está acontecendo do nada. Temos de olhar para o que está levando os alunos a agirem assim.

JC - Existem algumas causas recorrentes dessa violência?

Ana - Isto pode acontecer em algumas situações. Quando cai uma borracha no chão e o dono quer que o amigo pegue, o amigo não pega, daí ele pressiona, intimida e quando o colega pega, ele diz “obrigado, escravo”. Pode acontecer também em razão de uma determinada estratégia de ensino do professor que não o agrada. O fato determinante é o aluno não ter aprendido a resolver. Os valores morais estão invertidos. Quando pensamos em alguns princípios que devem reger a educação, como o respeito, a solidariedade, a cooperação, a justiça etc, vemos que isso não é discutido na escola. Não temos na escola a possibilidade de debatermos os princípios. Eu não posso bater em você, não porque você é maior do que eu e irá me virar do avesso e sim porque desse jeito eu não vou resolver problemas.

JC - O fato de atualmente as relações entre os jovens ocorrerem muito através de meios virtuais pode influir no modo como o desenvolvimento intelectual desse jovem ou criança ocorre, fazendo com que, inclusive, ele passe a ter dificuldades no relacionamento pessoal?

Ana - Sem dúvida. Falta a prática do contato. Quando você me diz algo pela internet e eu não gosto, posso mandar uma carinha braba para você ou simplesmente sair e acabar com a conversa. Essa relação está construindo um limiar baixíssimo de tolerância. A relação física presencial é fundamental. Ela nos faz aprender as estratégias de negociação. É preciso aprender a negociar e isso tem de ser ensinado. Não podemos partir do princípio de que é natural.

JC - O caminho da punição e das regras é o que deve ser seguido?

Ana - A regra tem que existir, mas ela tem que ser a consequência de algum problema. Um equívoco que as escolas cometem é, por exemplo, listar 30 regras, por princípio, e elas serem seguidas porque funcionaram em outra ocasião, ou em outro lugar. Daí, quando você olha para a determinação, em si, você nem sabe mais porque ela existe. A regra é fundamental, mas tem de ser o resultado de um problema.

JC - Existe diferença no modo como as escolas públicas e as escolas privadas tratam essa questão?

Ana - O tratamento é parecido porque todos estão desesperados. O que os professores fazem é resolver o conflito, impedir que o conflito apareça ou antecipar a resolução do conflito, com decisões do tipo “eu não vou fazer determinada tarefa porque acho que vocês não irão se comportar”. A diferença é que, na escola pública, os alunos ameaçam de um modo geralmente relacionado a uma ação violenta, e na escola privada a ameaça ocorre quando ele diz “sou eu que pago o teu salário”, ou coisas do tipo. De qualquer maneira, o professor fica sem ação. Temos de instrumentalizar o professor para que ele tenha a possibilidade de resolver o problema e encarar aquele conflito como algo importante no processo de aprendizagem.

JC - A presença de profissionais da psicologia se faz necessária no âmbito escolar para auxiliar nessa discussão?

Ana - Eu acho fundamental. A presença do psicólogo é importante porque um profissional bem fundamentado nessa discussão irá ajudar o professor a buscar soluções. Em uma situação de violência, uma atitude tem de ser tomada para resolver, mas também é preciso buscar as causas. A atitude não precisa ser imediata. É um grande equívoco do professor pensar que deve ser. Ele fica na frente da turma vendo aquela situação conflituosa e se vê impelido a fazer algo para manter sua autoridade. O professor precisa de suporte, ele está muito solitário. Não existe na escola um trabalho organizado de forma coletiva. Não podemos exigir do professor algo que ele não foi preparado para fazer. Não se pode achar que o professor é o responsável porque não tomou a atitude adequada. Ele não tomou porque ele não sabia o que fazer.

JC - Até que ponto jogos de videogame, filmes ou desenhos animados violentos podem influenciar na assimilação de práticas agressivas?

Ana - Há uma psicóloga chamada Maria Sílvia Rocha que fez uma pesquisa sobre isso. Ela mostrou que a criança separa muito bem as coisas, ela sabe determinar a atitude do vilão, a atitude de alguém que está fazendo algo errado e, portanto, sabe que isso não é modelo para ela. Comete-se um equívoco muito grande ao se achar que um programa de televisão pode influenciar tanto. É importante frisar, porém, que ele influencia menos do que se pensa, mas também não é inócuo.

JC - Como a sala de aula pode contribuir para a criação de uma cultura de paz?

Ana - A violência vem da incapacidade que o indivíduo tem de resolver um problema de um modo mais ajustado. Precisamos pensar em como essa violência está acontecendo. A discussão sobre conflitos necessariamente tem de acontecer na escola e em todos os espaços. Todos os professores têm de estar muito atentos ao que está ocorrendo nas relações interpessoais na sala de aula. O grande problema é que o professor não teve a oportunidade de fazer essa discussão.

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