Bruno Felin
FOX/DIVULGAÇÃO/JC
Série 24 Horas foi uma das primeiras a serem dubladas
A tendência começou há quatro anos quando Jack Bauer, da série 24 Horas, passou a xingar e torturar seu inimigos - da noite para o dia - em língua portuguesa, na Fox. Agora, em 2012, o mesmo pode acontecer no Seattle Grace Hospital e a Dra. Meredith Grey passará a receitar em português, durante exibições da série Grey’s Anatomy, na Sony, canal em que o mesmo vai acontecer com CSI. Apesar dos protestos na internet, com os fãs dizendo preferir legendas, por enquanto o público não terá muitas opções de escolha. Os canais da tevê por assinatura estão mudando para acompanhar um novo espectador que talvez não tenha um blog sobre o seu conteúdo, mas possui grande potencial para consumi-lo.
Entre os principais motivos para a escolha está o aumento considerável de assinantes, que passaram de 4,7 milhões para 12,7 milhões em cinco anos. O perfil destes consumidores também vem se modificando. De acordo com relatório do Ibope Media, divulgado em 2011, 18% deles são da classe C. Essa porcentagem dobrou nos últimos dois anos - em 2009 eram cerca de 9%. “Na medida em que a TV por assinatura, recentemente, começou a receber uma marcha significativa de assinantes de classe C, nós percebemos que isso passou a ser uma exigência dessa classe que se sente, digamos assim, mais confortável com programação dublada. A partir daí, para atender a esse contingente expressivo, nós passamos a investir também na dublagem de filmes e séries”, afirma Alexandre Annenberg, presidente-executivo da ABTA (Associação Brasileira de TV por Assinatura).
Para Leonardo José, dono dos estúdios Wan Macher, responsável pela dublagem de séries como Two and a Half Man, The Mentalist, Vampire Diaries e Fringe, a emergência da classe C à tevê paga não é o único motivo. “Infelizmente, vivemos em um país onde 52% da população é semianalfabeta. Ou seja, as pessoas não conseguem ler com velocidade. O cidadão alfabetizado trabalha o dia inteiro, está cansado, senta para jantar e ver um filme, se ele ouvir a voz em português não vai precisar prestar muita atenção na tela. O pessoal da minha faixa etária, com mais de 60 anos de idade, tem dificuldade de visão, então preferimos o filme dublado, pois queremos assistir descansadamente”, defende José. “Com o filme dublado você vê todas as nuances, não perde nada, e lendo, no momento que baixa os olhos para a legenda, perde-se a ação do filme”, completa.
Para os fãs incondicionais de seriados, a notícia não agrada. Muitos acompanham as produções desde seu início, quando eram exclusivamente legendadas e com áudio original. Para a equipe do site Ligado em série, especializado neste tipo de conteúdo, as versões dubladas “não podem ser empurradas à força a todos os assinantes de forma indiscriminada, sem que seja disponibilizado também o áudio original e legendas para os demais que preferem e já estavam acostumados a assistir seus programas desta forma na tevê que pagam”.Editado pelo comentarista de televisão Bruno Carvalho, eles citam o exemplo da personagem Gloria, de Modern Family, como “um exemplo do malefício que a dublagem pode representar, visto que o trabalho da competente atriz Sofia Vergara em reforçar o sotaque inglês e suas confusões linguísticas se perde totalmente na dublagem”.
Dublagem x legendagem
A tendência de disponibilizar um único padrão para todos os tipos de público é o grande foco do embate entre os que preferem ou um ou outro. Se por um lado a programação da tevê paga está cheia de canais com 100% da programação em português - caso de TNT, TCM, Space, Sony Spin, TBS, LIV, Space, FX, A & E, Viva - por outro, alguns procuram dar ambas as opções aos telespectadores. No último mês, os canais Telecine e grande parte de o HBO passaram a dar a disponibilidade do assinante selecionar sua preferência, seja apenas áudio original, com legendas, ou dublado - assim como a Fox, que dá opções de troca em alguns casos.
Deixar essa escolha para o consumidor, em termos de tecnologia, é possível. “Tecnicamente disponibilizamos isso para todos, basta o programador mandar. Se os canais nos mandam a legenda e dois áudios, estamos prontos para oferecer as opções em 100% dos canais”, explica o gerente de marketing da Net, Alessando Maluf. Por outro lado, como explica Alexandre Annenberg, da ABTA, “isso envolve custos adicionais que não são triviais, pois passa a ocupar faixas diferentes da capacidade de transmissão. Se você simultaneamente estiver transmitindo dois filmes, um dublado e um legendado, ocupa um espaço que tem um custo, obviamente, então essas coisas precisam ser avaliadas de uma forma profunda”. Ele afirma que não deve haver pressa para isso, “por ser uma questão de identificar as exigências do público”.
Como as mudanças parecem ter refletido positivamente na audiência, o exemplo da Fox foi seguido por outros programadores. Canais como o Viva, por exemplo, foram criados justamente para atender à demanda de um público novo que está surgindo. “A opção de ter apenas conteúdos com dublagem ou narração em português faz parte do posicionamento do canal, que foi definido a partir de pesquisas junto ao público-alvo, antes mesmo de sua estreia”, revela Fernando Schiavo, gerente de marketing do Viva, que tem como foco mulheres acima de 35 anos das classes A e B. “Acreditamos que a forma de se trabalhar na tevê por assinatura, especificamente, precisa ser variada de canal a canal segundo o seu target específico”, opina Schiavo.
Preocupado com isso, o Universal Channel mantém a cautela para realizar mudanças, apesar de indicar que está seguindo o rumo das dublagens. Conhecido por séries como The Good Wife, House e Law & Order, por enquanto o canal mantém a programação em áudio original com legendas. “A mudança só ocorrerá, no caso das séries, quando pudermos oferecer esta opção adicionalmente à versão com áudio original e legendas. Entendemos que a dublagem deverá beneficiar o assinante, permitindo a escolha”, afirma Paulo Barata, diretor do canal.
A qualidade é o foco
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Léo Rabello é um dos dubladores do estúdio Gemini Media |
O processo de realização de uma dublagem é complexo, envolvendo um grupo grande de profissionais. O interesse dos canais nesse serviço tem aumentado significativamente a demanda tanto por dublagens quanto legendagens, o que impõe disputas por clientes, além de exigir maior qualificação a fim de agradar o público ou, ao menos, diminuir a rejeição a esse serviço. Após receber o material bruto, os estúdios o encaminham para um tradutor especializado, que passa o texto para português em formato específico para dublagem. Depois de pronto, ele segue para o diretor, responsável pela escolha das vozes, feitas por atores com registro profissional. Terminadas as gravações, o áudio é mixado e em seguida são adicionados músicas e efeitos.
Estúdios e atores mantêm uma busca incessante para agradar tanto a demanda das classes emergentes quanto do público de maior poder aquisitivo. Para o sócio da Gemini Media Moacyr Lopes, as empresas estão buscando uma melhor qualidade no produto final. Segundo ele, os estúdios da velha guarda estavam muito preocupados em “bater boca”, que é fazer o sincronismo labial, e o conteúdo ficava em segundo plano. “Quem fazia as traduções muitas vezes era o próprio dublador, que não tinha domínio da língua. Em termos de sincronismo labial, a dublagem brasileira sempre foi a melhor do mundo, mas em termos de conteúdo, o texto é muito fraco, com expressões absurdas. As classes mais altas rejeitavam com razão”, afirma.
Com experiência na profissão, Leonardo José, dono dos estúdios Wan Macher, defende os dubladores, enfatizando a dificuldade de realizar o trabalho. “Das artes cênicas, a mais difícil de todas é a dublagem. O ator, quando vai fazer um papel num filme ou num seriado, tem um tempo para ensaiar, tem o texto antes, um diretor para indicar o que fazer, realizar a marcação de cena. No caso do dublador, ele entra no estúdio e dizem: “Teu boneco é aquele ali”, tem um texto na frente dele, e ele tem que imediatamente entrar no personagem”, conta. No caso de famosos, sem muita experiência no serviço, como foi o caso da cantora Claudia Leitte, em Carros 2, por exemplo, o tempo de gravação pode até triplicar, pela falta de experiência.
A remuneração dos dubladores para uma série ou filme direcionado à televisão, tabelada pelo sindicato responsável, é de R$ 70,00 a R$ 80,00 por hora. No caso do cinema, o valor triplica. O mesmo vale para o preço final cobrado pelos estúdios. De acordo com Moacyr Lopes, o custo para realizar o trabalho não chega a 1% dos gastos dos canais para produzir o conteúdo. Em média, os estúdios recebem US$ 5 mil por hora para realizar a dublagem no caso de programação para tevê. Já para legendagem, fica entre US$ 500,00 e U$ 1 mil. “É irrisório para eles, mas os americanos, principalmente, têm uma cultura de economizar muito. Como são operações fora do seu país, então não é tão barato assim, comparado ao que eles gastam lá”, revela Lopes.
Em busca de mercado
Longe geograficamente de Rio de Janeiro e São Paulo, o Rio Grande do Sul não possui nenhum estúdio especializado em dublagens. A gaúcha Camila Ibarra, formada em Administração de Empresas com ênfase em Comércio Exterior pela Pucrs, sempre quis trabalhar com línguas, o que não encontrou na profissão.
Ao procurar cursos, resolveu embarcar para Madri, na Espanha, para realizar um mestrado em produção audiovisual, focado em dublagem e legendagem. Ao voltar para o Brasil, ela sentiu a necessidade de sair de Novo Hamburgo, sua cidade natal. “Esse mercado no Rio Grande do Sul não existe”, afirma Camila.
A opção foi morar em São Paulo, onde foi convidada para montar um setor de traduções na Centauro Comunicaciones e realizar o controle de qualidade dos textos que serão dublados ou legendados. Ela conta que há diferenças nos dois processos. “No caso das legendas, o texto deve ser exatamente o que está na cena. Sempre digo que não devemos subestimar o telespectador, pois assim como há gente que não compreende nada, tem muita gente que sabe e entende”, explica. No caso das dublagens “a principal coisa que se deve ter em mente é que isso será falado e não lido, é preciso pensar no ator que vai dublar. Afinal, nós não falamos como escrevemos e nem escrevemos como falamos”.
Com experiência também em traduções para o mercado de games, Camila diz que a adaptação linguística de jogos é uma forte tendência para os próximos anos. “É um mercado que tem tudo para crescer. Eles ainda não trabalham muito com traduções aqui, pois pirateamos muito, então para eles ainda não é rentável. Mas inclusive nas feiras internacionais de games, está se falando muito que o Brasil é o mercado do futuro.”