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Coluna

- Publicada em 09 de Dezembro de 2011 às 00:00

O prazer do espetáculo teatral


Jornal do Comércio
O diretor Clóvis Massa tinha pela frente inúmeros desafios para chegar à concretização da montagem do clássico de Heinrich Von Kleist A bilha quebrada. Em primeiro lugar, trata-se de um texto bastante datado, e cujo humor, certamente, não é aquele a que o público do século XXI está acostumado. Por outro lado, enquanto professor do Departamento de Arte Dramática, ele sempre se colocaria “à prova”, e bem sabemos que não é fácil transformar a teoria em prática, ainda que o diretor já tivesse dado boas provas de sua competência em espetáculo anterior. Por fim, A bilha quebrada teve duas montagens célebres em Porto Alegre, uma delas inclusive premiada e com a participação do então ator Cláudio Heemann, mais tarde ele mesmo assinando a direção de uma remontagem e, ainda depois, tornando-se crítico teatral na cidade.
O diretor Clóvis Massa tinha pela frente inúmeros desafios para chegar à concretização da montagem do clássico de Heinrich Von Kleist A bilha quebrada. Em primeiro lugar, trata-se de um texto bastante datado, e cujo humor, certamente, não é aquele a que o público do século XXI está acostumado. Por outro lado, enquanto professor do Departamento de Arte Dramática, ele sempre se colocaria “à prova”, e bem sabemos que não é fácil transformar a teoria em prática, ainda que o diretor já tivesse dado boas provas de sua competência em espetáculo anterior. Por fim, A bilha quebrada teve duas montagens célebres em Porto Alegre, uma delas inclusive premiada e com a participação do então ator Cláudio Heemann, mais tarde ele mesmo assinando a direção de uma remontagem e, ainda depois, tornando-se crítico teatral na cidade.
Em síntese, foi, antes de tudo, um ato de coragem do diretor Clóvis Massa o enfrentamento desse desafio. Mas não tenho dúvida em dizer, depois de assistir e me deliciar com o espetáculo, que ele andava certo. Na verdade, na leitura mais livre e flexível que Massa deu ao texto clássico, descobrimos que Kleist é muito mais atual do que poderia parecer à primeira vista (e daí ser clássico, diria Ítalo Calvino, com um gesto de “viste, eu bem que dizia...”) e que, portanto, pode atravessar os tempos, incólume, bastando um realizador inteligente e sensível capaz de lhe corporificar novamente.
Clóvis Massa propôs-se, de fato, a um espetáculo atual: daí escolheu uma linha contemporânea, que por vezes chega a uma metalinguagem, quando os personagens-atores comentam ou desmontam suas próprias figuras. O enredo que, como disse, se evidenciou mais atual do que poderia parecer, fala a respeito de um juiz corrupto e venal (isso, já no século XIX, de onde concluirmos que, de fato, os homens são sempre os mesmos, não interessa que papel social desempenhem), envolvido em aventuras amorosas e que, para salvar a pele, não titubeia em incriminar um inocente.
O elenco reunido por Clóvis Massa foi muito feliz: a jovem Eva, colocada entre dois fogos pelo amor ao namorado e obrigada a certas liberdades com o juiz, é vivida por Larissa Tavares, simplesmente brilhante, uma atriz cômica nata, com suas caras e trejeitos, sua gagueira e seu nervosismo muito engraçados. O juiz Adão, interpretado por Luís Franke, é simplesmente monstruoso e inesquecível, um dos grandes intérpretes da cena teatral nesta temporada. A dona Marta, mãe da jovem, corporificada por Cláudia Lewis, é uma germânica convincente, lúcida e lógica e, por isso mesmo, mortal. Renata Teixeira interpreta um nervoso Meirinho, entre covarde e tímido, e assim vão estas figuras, entre personagens e tipos, a preencher o enredo de Kleist, mordaz na concepção e representação dos pequenos erros dos frágeis humanos.
Na parte técnica, o destaque absoluto cabe à maquiagem de Margarida Leoni Peixoto: os ferimentos do juiz são estupendos, absolutamente convincentes e, dada a proximidade dos atores com o público, revoltaram o estômago de muita gente. Os figurinos de Marco Fronckowiak e Yara Balboni são bem fieis à época da peça mas, ao mesmo tempo, flexíveis para as mudanças necessárias, como ao final do espetáculo. A iluminação de Cláudia de Bem ajuda numa leitura mais psicológica onde, na verdade, encontramos tipos. E a trilha sonora de Marcão Acosta, inclusive a canção final, bem atende ao clima buscado pela encenação. O próprio diretor se diverte enquanto tocador de bumbo, pontuando as cenas.
Em síntese, A bilha quebrada traz ao público, do menos exigente ao mais refinado, o prazer do verdadeiro teatro. Confesso que andava com saudades de algo semelhante.     
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