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Coluna

- Publicada em 29 de Abril de 2011

Fragilidades emocionais

O primeiro longa-metragem de Richard J. Lewis não revela qualquer gênero de insegurança de quem, vindo de um meio no qual dominam a superficialidade, os planos de curta duração e a improvisação, começa a percorrer um cenário no qual as exigências são maiores. As séries e os filmes feitos para a televisão, no entanto, exerceram, no caso do novo cineasta, um papel importante no que se refere ao domínio narrativo. Em termos de realização, tudo funciona com perfeição neste A minha versão do amor, filme baseado num livro do canadense Modercai Richler, adaptado por Michael Konyves. Já em seus primeiros momentos, o filme se apoia na ironia ao dedicar todo o espaço da tela a uma cena de um seriado de televisão E o que se vê a seguir é a trajetória de um produtor de sucesso, cuja vida pessoal, marcada por sucessivos capítulos nos quais predomina a imaturidade emocional, se constitui no cerne da narrativa.  No cinema americano atual, no qual o gênero da comédia é dominado pela mediocridade, um filme como este é uma exceção a ser saudada. Não somos agredidos pelas costumeiras grosserias e nem por piadas insossas. E numa narrativa que avança e recua no tempo tudo é claro e coloca o espectador diante de momentos de uma existência marcada por espaços vazios e por sonhos desfeitos. Realizado por um diretor iniciante na tela grande, A minha versão do amor anima aqueles que não mais acreditavam na comédia americana, que no passado tantas obras-primas produziu e que nos últimos anos parecia irremediavelmente condenada à extinção.

O gênero da alta comédia, que teve a iluminá-lo mestres como Lubitsch, Wilder, Hawks, Cukor, Wyler, Minnelli, nem todos a ele inteiramente dedicados, não se limitou ao cinema americano, pois foi enriquecido por trabalhos realizados na Inglaterra por Alexander Mackendrick e, na Suécia, pelo grande Ingmar Bergman, que em Sorrisos de uma noite de verão mostrou que ele não era geograficamente limitado. A minha versão do amor certamente não será incluído, no futuro, numa antologia do gênero, mas tem méritos suficientes para não deixar de ser visto. Eis um relato sobre o cotidiano e as tentativas de fuga. Lewis se mostra habilidoso ao reconstituir os conflitos entre as imposições e os desejos. A festa do segundo casamento do protagonista, por exemplo, é filmada de forma a acentuar um ritual que procura esconder, com manifestações de entusiasmo, um vazio que atormenta o personagem. É nesta festa que ele contempla um sonho. A partir deste momento, acompanhamos uma batalha na qual o personagem lutará por concretizar essa fantasia. E no final de tudo a fantasia prevalece, mesmo que o tempo imponha sua lei.

Se muitos dos méritos do filme podem ser atribuídos às situações originais do livro adaptado e à forma como o roteirista as transcreveu, é inegável que estamos diante de um encenador competente e disposto a não se submeter a modismos e a não compactuar com concessões à vulgaridade. Toda a sequência da visita à família da segunda noiva, iniciada por um equívoco e concluída com outro, é filmada de forma a colocar na tela um fracasso anunciado. O personagem vivido por Dustin Hofman é uma citação à figura paterna filmada por Federico Fellini em A doce vida, algo confirmado pelo fato de a ação de algumas cenas transcorrer em Roma. Mas o filme não se limita a esses temas. Amplia sua ação ao se aproximar da agressividade humana, capaz mesmo de causar atritos entre indivíduos muito próximos e principalmente a essa imaturidade que pensa resolver por gestos e atitudes problemas e desequilíbrios cujas causas são então ignoradas.  Sem deixar de ser irônico e mesmo cômico em algumas passagens, A minha versão do amor tem a estrutura de obra que não recusa expor através do percurso percorrido por um ser humano as carências não extintas por revoltas superficiais. Ao contemplar o supérfluo mostra o que é reservado aos que se entregam aos rituais emprobecedores.