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Opinião

Artigo

- Publicada em 15 de Abril de 2011 às 00:00

Crônicas de uma tragimiséria: o real Realengo


Jornal do Comércio
O Realengo nasceu ocupado por escravos e açorianos. Seu povo é formado daqueles que de certa forma estão excluídos do glamour, do espetáculo, da riqueza. Antigo Real Engenho, popularmente conhecido como “Real Eng”, os que ali vivem sobrevivem na dura labuta. A morte que se avizinhou é apenas mais um ingrediente, mais uma nódoa de tantos outros sacrifícios que a pobreza se acostumou. Conforme Neruda, “a verdade é que não há verdade”. Por que Neruda? Porque, agora, uma série de especialistas, intérpretes, bons samaritanos e, tantos outros em tantas outras categorias estarão voltando a sua atenção para a chacina que ali se praticou. Homicida, psicopata, sociopata, desajustado, não socializado, desgraçado das benesses invejadas nos outros etc. São tantas as possibilidades de estudos, (ir)racionalidades que, no fim, resultam em mais uma estatística, mais um fato para ser recordado antes do próximo ano. Mas a morte, essa, real em Realengo, deitou raiz que perturba, que assusta com o extermínio de adolescentes que viram sonhos serem sonhos, não mais do que desejos irrealizados. Não há dignidade na morte absurda e irracional, já que toda ela é absurda e irracional. A morte é a certeza de que somos matéria que, em decomposição, frágil, pode ter sua perenidade ferida por qualquer razão ou razão alguma.
O Realengo nasceu ocupado por escravos e açorianos. Seu povo é formado daqueles que de certa forma estão excluídos do glamour, do espetáculo, da riqueza. Antigo Real Engenho, popularmente conhecido como “Real Eng”, os que ali vivem sobrevivem na dura labuta. A morte que se avizinhou é apenas mais um ingrediente, mais uma nódoa de tantos outros sacrifícios que a pobreza se acostumou. Conforme Neruda, “a verdade é que não há verdade”. Por que Neruda? Porque, agora, uma série de especialistas, intérpretes, bons samaritanos e, tantos outros em tantas outras categorias estarão voltando a sua atenção para a chacina que ali se praticou. Homicida, psicopata, sociopata, desajustado, não socializado, desgraçado das benesses invejadas nos outros etc. São tantas as possibilidades de estudos, (ir)racionalidades que, no fim, resultam em mais uma estatística, mais um fato para ser recordado antes do próximo ano. Mas a morte, essa, real em Realengo, deitou raiz que perturba, que assusta com o extermínio de adolescentes que viram sonhos serem sonhos, não mais do que desejos irrealizados. Não há dignidade na morte absurda e irracional, já que toda ela é absurda e irracional. A morte é a certeza de que somos matéria que, em decomposição, frágil, pode ter sua perenidade ferida por qualquer razão ou razão alguma.
O que muda com Realengo? Estupefatos e bestializados descobrimos que não há  privilégio na morte de civis, que massacres não têm bandeira ou nacionalidade. Descobrimos, finalmente, que nossas contradições, fragmentadas pela velocidade da mídia são tão profundas que a modernidade não consegue mascarar, justificar. São tantos os problemas sociais que o que vimos é apenas um capítulo, não a obra completa. É um fato do desequilíbrio que diariamente, cotidianamente atinge-nos homeopaticamente, novos fatos sucedendo os anteriores, em uma encenação trágica que escorre mundanamente entre nós. Hoje, choramos o Realengo, mas e amanhã? “Para as traições, para as mentiras, para o que é vil e falso, tem a gente remédio: tem o orgulho; mas para a dor que te faz mal, para essa nenhum remédio há”, disse Florbela Espanca, já há muito. O Realengo é somente a dor que nos faz mal, agora, mas não é a última e, que me perdoem as crianças e os mortos, todos são apenas dados nessa triste história de crise de nossa própria humanidade.
Professor de Direito 
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