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Coluna

- Publicada em 15 de Abril de 2011

Três irmãos

O Oscar é uma distinção concedida pela indústria do cinema dos Estados Unidos. Sua universalização não é maléfica ao cinema, mas sua supervalorização certamente hipertrofia sua importância. Porém, o fato incontestável é que o Oscar passou a ter participação poderosa na divulgação e na carreira comercial até mesmo de filmes não americanos. É que os responsáveis por aquela festa anual reconheceram que para eles também é importante contar com filmes estrangeiros entre os premiados. Souberam reconhecer a importância de diretores como Frederico Fellini, Michelangelo Antonioni, Satyajit Ray, Ingmar Bergman, Andrzej Wajda, além de adotarem a produção do Reino Unido e premiarem David Lean, Carol Reed e Laurence Olivier, para citar apenas os mais famosos. E se nenhum diretor brasileiro recebeu o Oscar, três deles, Walter Salles, Bruno e Fábio Barreto concorreram ao prêmio e uma atriz, Fernanda Montenegro, chegou a concorrer ao Oscar principal por seu trabalho em Central do Brasil. Neste ano, três filmes não americanos chegaram ao mercado brasileiro graças à sua participação na festa mais recente: Em um mundo melhor, Incêndios e este Fora da lei. Se não tivessem concorrido ao Oscar certamente teriam dificuldades de ser aqui exibidos.

O realizador de Fora da lei, Rachid Bouchareb, é conhecido dos espectadores locais, pois dele já foram aqui exibidos dois filmes, Dias de glória, sobre a participação de soldados argelinos na Segunda Guerra Mundial, e London River, desenrolado depois dos atentados de 2005. Em seus filmes, ele tem colocado em cena personagens envolvidos em embates decorrentes do processo de descolonização. Fora da lei é o mais contundente deles. O cinema dos países industrialmente mais desenvolvidos tem abordado esse tema seguidamente, isso quando não tem enriquecida sua produção com filmes realizados por diretores descendentes de imigrantes. O filme de Bouchareb é uma coprodução de França e Argélia e ao ter seu nome indicado pelas autoridades culturais francesas ao Oscar originou uma série de críticas endereçadas a seu realizador, acusado de parcialidade e sectarismo. Não se trata bem disso, mas não há dúvida alguma de que o diretor optou pelo lado dos colonizados e sua luta pela independência. Mas não fez um filme panfletário. Globalização também é isso: a abordagem de temas antes não privilegiados pela produção cinematográfica dos países do Norte. Portanto, é necessário por parte do espectador o interesse por temas que antes eram raros no cinema europeu e americano. Agora eles começam a ser desenvolvidos, num cenário em que personagens de nacionalidades diferentes se encontram e entram em conflito, num processo que coloca na tela choques culturais e impasses decorrentes de um tempo em que o cinema cada vez mais se aproxima de assuntos antes vetados pela indústria cinematográfica.

Há antecedentes para Fora da lei. Um clássico do cinema anticolonialista, A batalha de Argel, também foi indicado ao Oscar e foi realizado por Gillo Pontecorvo, realizador de outro bom momento do gênero, Queimada. Mas o que Bouchareb pretende tem mais profundidade e extensão. Certamente não será um despropósito citar Rocco e seus irmãos como uma das influências em Fora da lei. A desunião no universo familiar, o conflito entre irmãos, além, é claro, da presença materna, tudo lembra aquele clássico, que ao colocar em cena o tema da migração interna já abria caminho para uma visão mais ampla do problema. O filme não é sectário, pois não chega a ter heróis. Um dos irmãos é ex-combatente do exército francês. Outro foi um terrorista em seu próprio país e agora aparece domesticado pelos colonizadores. O terceiro é um ser claramente reprimido, incapaz de externar seus desejos e que termina por contemplar a violência que termina por recolocá-lo na solidão. Mas o filme, não há dúvida quanto a isso, olha com rigor para o processo colonizador, desde a cena inicial, talvez sugerida por As vinhas da ira, o clássico de John Ford baseado em John Steinbeck. Fora da lei não traz novidades narrativas, mas está inserido num processo cada vez mais vigoroso de atualizar o cinema com a realidade contemporânea.