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Governança econômica

- Publicada em 03 de Maio de 2010 às 00:00

Prêmio Nobel sai do papel


Mauro Schaefer/JC
Jornal do Comércio
O termo parece complexo: governança econômica. Na prática, é simples. Significa que as decisões dos indivíduos podem fazer toda a diferença na hora de resolver questões cruciais do planeta, como o aquecimento global. A parceria com os movimentos sociais tem sido fundamental para que governantes e empresários sejam mais eficazes na busca de soluções para problemas comuns.
O termo parece complexo: governança econômica. Na prática, é simples. Significa que as decisões dos indivíduos podem fazer toda a diferença na hora de resolver questões cruciais do planeta, como o aquecimento global. A parceria com os movimentos sociais tem sido fundamental para que governantes e empresários sejam mais eficazes na busca de soluções para problemas comuns.
O tema rendeu a Elinor Ostrom o prêmio Nobel de Economia, um dos mais reconhecidos e cobiçados do mundo. A economista mostrou as possíveis formas de gerenciar recursos com a ajuda decisiva das comunidades. O Brasil é um dos países que coloca em prática a tese de Elinor. Aqui, o tema começa a avançar e apresenta os primeiros resultados. Mais do que isso: o País é inovador em experimentar tecnologias em cooperação.
O reconhecimento vem da própria Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), que destaca ações intersetoriais, todas voltadas à busca de uma nova organização da sociedade.
São iniciativas que podem ajudar a proporcionar a distribuição justa de renda, caso da cultura da erva-mate, por ser considerada superdistributiva e de qualidade. Isso porque os principais estados produtores - Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná e Mato Grosso do Sul - empregam juntos o mesmo volume de pessoas que trabalham nas montadoras de automóveis do País, o que dá a dimensão do setor. São cerca de 100 mil famílias em 10 mil propriedades rurais que trabalham sem a interferência de atravessadores. “Estamos falando da geração de renda de forma bem distribuída”, enfatiza o coordenador do Setor de Ciências Naturais da Unesco, Celso Schenkel.
Também contam projetos que auxiliam a promover mudanças de comportamento, o que inclui a forma com que a sociedade se apropria do patrimônio natural. “Neste caso, são populações que detêm o domínio de algumas técnicas de trabalhar recursos naturais”, explica Schenkel. O Norte do Brasil é o que mais apresenta iniciativas como essas. “É uma consequência da necessidade de preservação das reservas extrativistas daquela região, principalmente a Amazônia”, explica Miguel Casela, gerente de Desenvolvimento Regional Sustentável do Banco do Brasil, instituição financeira que reconhece, através da Fundação BB, parcerias com a sociedade que contribuam para o desenvolvimento integral de pessoas, famílias e comunidades excluídas ou sob risco de exclusão social.
As experiências mais ricas foram catalogadas pela fundação dentro de um projeto chamado Rede de Tecnologias Sociais, que busca também fortalecer essas atividades. As tecnologias sociais levam em conta processos que interfiram, de forma positiva, na resolução de problemas relativos a educação, alimentação, energia, meio ambiente e outras demandas consideradas prioritárias. É o caso, por exemplo, de cisternas que ajudam a diminuir a dificuldade de acesso à água de boa qualidade à população do semiárido. A meta, segundo o BB, é aliar saber popular, organização social e conhecimento técnico-científico.
No Rio Grande do Sul, o projeto do banco é outro, e chama-se Estratégia de Desenvolvimento Regional Sustentável. Em parte, tem a ver com a pauta das tecnologias sociais, pois promove planos de desenvolvimento compartilhados com comunidades e poder público para solucionar problemas de determinada atividade produtiva. “Diagnosticada a atividade de forma conjunta, é construído um plano de ação compartilhado com questões diversas, da econômica à ambiental, de forma a resolver todos os problemas que interferem na produção dessa atividade”, relata Casela.
Ao todo, mais de 270 projetos estão em implementação e outros em construção. A bovinocultura de leite é um dos setores com maior demanda no Estado, com produtores de pequena escala que não querem ficar de fora do mercado e, por isso, estão buscando qualificação.

Tecnologias precisam ser preservadas

Se por um lado a sabedoria popular ajuda a melhorar a qualidade de vida das pessoas, de outro ela precisa ser resguardada. É o que defende a Unesco, cuja principal preocupação é a que chama de “pirataria intelectual”. Acontece, em muitos casos, que o conhecimento é apropriado por empresas sem qualquer contrapartida à população. É como se uma comunidade usasse plantas medicinais, por exemplo, apenas como chá ou compressas por não ter capacidade tecnológica, tivesse o princípio ativo isolado por alguma indústria química fina e não recebesse qualquer pagamento por isso. “É preciso contemplar quem descobre a funcionalidade”, defende o coordenador do Setor de Ciências Naturais da Unesco, Celso Schenkel.
A Unesco diz que é comum ver grupos sociais perderem o domínio de tecnologias e não receberem os benefícios das evoluções. “Quando as populações que têm domínio de algumas técnicas de trabalhar recursos naturais são alijadas do processo de evolução, a Unesco acaba intervindo. Esse é o papel da organização, ajudar para que os benefícios sejam distribuídos”, ressalta Schenkel. O objetivo é que a distribuição de recursos econômicos ajude a reduzir o impacto sobre os recursos naturais. Isso porque, quanto melhor o nível de sobrevivência, mais a população preserva o patrimônio ambiental.
O diretor-executivo do Instituto Vonpar, Léo Voigt, argumenta que é preciso fazer com que o capital social se transforme em processos efetivos e soluções. “O Brasil é uma sociedade cujo capital social tem muito potencial, mas ainda não é de todo utilizado a serviço das causas e interesses da sociedade”, acredita o executivo, que tem larga experiência em projetos de governança. Segundo ele, os projetos da Vonpar nesta área têm tido grandes avanços em parceria com o Estado e a comunidade. As iniciativas são voltadas à inclusão de pessoas em situação de risco, por meio do fomento à geração de renda nas periferias urbanas. A reciclagem é o carro-chefe do programa realizado pela indústria de alimentos.

O que diz o estudo de Elinor Ostrom

O júri da edição de 2009 citou, entre as qualidades de Elinor Ostrom, sua análise da governança econômica, especialmente em aspectos comuns às pessoas em geral, como a forma pela qual os recursos naturais são gerenciados como recursos comuns.
Essa área de pesquisa, mostrou Elinor, é relevante para questões relativas ao aquecimento global e sugere que as decisões dos indivíduos podem ajudar a resolver o problema, mesmo que os governos já trabalhem em acordos internacionais.
O comunicado dos jurados notou que a pesquisadora desafiou a sabedoria convencional de que a propriedade comum é mal gerenciada e deveria ser regulada por autoridades centrais ou privatizada. Baseada em vários estudos, analisando florestas, pastagens e lagos, entre outros, ela concluiu que os resultados mais comuns são melhores que os previstos pelas teorias convencionais. Elinor é a primeira mulher a ganhar um Prêmio Nobel de Economia.

Natura compensa comunidade pelo patrimônio genético

O lançamento da linha Ecos, da Natura, teve uma marca que foi além do portfólio de produtos. A empresa inaugurou, a partir daí, uma parceria com comunidades para o desenvolvimento de cada item. O modelo de trabalho envolveu toda a cadeia, desde a pesquisa sobre as plantas usadas como matéria-prima até o patrimônio cultural dos envolvidos no processo. “Cuidamos do relacionamento como um todo”, resume Sérgio Talocchi, gerente de relacionamento com as comunidades da Natura.
Por isso, quando começa uma iniciativa conjunta, a companhia faz uma espécie de lista que aponta itens como as condições em que a comunidade trabalha, se está apta a lidar com tecnologias, se há conhecimento ou se precisa desenvolver algum plano de estudo para o manejo correto das espécies da região. O lado social também é considerado. Em caso de cooperativas, por exemplo, a Natura avalia como ocorre a tomada de decisão e a forma com que se dá a gestão administrativa. “Todo esse cuidado é necessário para ver se os grupos estão totalmente prontos para a parceria”, explica Talocchi. Com base nos resultados, a companhia vai a campo dar a retaguarda necessária, que inclui diagnóstico - ambiental ou social - e capacitação.
No Amapá, o processo conta com a parceria da administração estadual. Os dois primeiros contratos de repartição de benefícios celebrados entre uma empresa e um governo de estado dão acesso ao patrimônio genético da biodiversidade brasileira, envolvendo o uso da castanha-do-brasil e da copaíba. A iniciativa permite um repasse adicional de renda para as comunidades fornecedoras dos dois insumos, localizadas dentro da Reserva de Desenvolvimento Sustentável do Rio Iratapuru (região Sudoeste do Amapá), com as quais a companhia já mantém contrato de fornecimento dos frutos.
Atualmente, a Natura tem oito contratos de repartição de benefícios por acesso ao patrimônio genético aprovados pelo Conselho de Gestão do Patrimônio Genético (CGEN). Conta ainda com mais de 50 contratos de fornecimento de ativos naturais negociados com empresas, fazendas e comunidades no Brasil e na América Latina.

Agenda 2020 ajuda a traçar planos para o Estado

Um dos eixos de implantação de governança no Rio Grande do Sul é a Agenda 2020, movimento que teve início em 2006 com o objetivo de unir os gaúchos em busca de um futuro melhor. A organização não governamental reúne propostas concretas de interesse da sociedade rio-grandense e as organiza para que sejam colocadas em prática. Por trás desse conceito, estão lideranças de diferentes segmentos da sociedade, poder público, sociedade civil organizada, empresas, trabalhadores, comunidades e universidades. “As pautas em comum incluem temas mais pertinentes de desenvolvimento sustentável, economia e educação”, resume Ronald Krummenauer, diretor-executivo da Agenda 2020.
Outra experiência nos moldes da governança econômica começou a ser desenhada por meio dos Conselhos Regionais de Desenvolvimento (Coredes), uma iniciativa do Terceiro Setor que articula comunidade e universidades com os governos locais para promover uma espécie de autogoverno regional. A diferença é que a experiência é coordenada pela sociedade, não pelo Estado ou mercado. A dificuldade está na falta de execução mais concreta das ações. “O poder não é dado de fato às comunidades”, explica Cezar Busatto, secretário municipal de Coordenação Política e Governança Local da Capital.
Isso acontece porque, segundo ele, a tradição gaúcha está muito baseada no protagonismo do poder público. “Falta o compromisso de realmente compartilhar com essas instâncias regionais. Até agora, os governos adotam uma postura centralizada, não abrindo mão das decisões que poderiam ser tomadas de forma mais próxima das comunidades”, aponta ele. Busatto acredita que a mudança é apenas uma questão de tempo. “Esse é o caminho inevitável para os governos”, assegura.
Para o secretário, o Nobel concedido a Elinor Ostrom reconhece a eficácia da cooperação de indivíduos em ações fundamentais, como aquelas voltadas à preservação ambiental. “Está cientificamente comprovado o valor das ações da sociedade civil quando ela se organiza em causas coletivas.” Pela primeira vez, o Nobel de Economia valoriza a iniciativa da população como alternativa ao que sempre foi tradicionalmente responsabilidade do Estado ou do mercado.
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