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Entrevista Especial

- Publicada em 24 de Agosto de 2015 às 00:00

“É incompreensível não usar os depósitos judiciais”, diz Tarso


FREDY VIEIRA/JC
Jornal do Comércio
Desde que deixou o comando do Palácio Piratini, em 1 de janeiro de 2015, o ex-governador Tarso Genro (PT) tem passado uma semana por mês no Rio de Janeiro, onde está em conversações com diferentes partidos e lideranças para a articulação nacional de uma frente para discutir "não só o futuro do PT, mas de toda a esquerda".

Desde que deixou o comando do Palácio Piratini, em 1 de janeiro de 2015, o ex-governador Tarso Genro (PT) tem passado uma semana por mês no Rio de Janeiro, onde está em conversações com diferentes partidos e lideranças para a articulação nacional de uma frente para discutir "não só o futuro do PT, mas de toda a esquerda".

Tarso tem sido comedido em suas aparições no Estado e na mídia local, mas tem acompanhado as medidas implementadas pelo governador José Ivo Sartori (PMDB). O petista critica o pacote enviado à Assembleia, que inclui projetos de aumento do ICMS. Para ele, a medida "não tem respaldo social" e lança "a recuperação da crise sobre os ombros daqueles que têm menor poder aquisitivo".
Nesta entrevista ao Jornal do Comércio, o ex-governador defende o aumento de 85% para 95% do limite de saque dos depósitos judiciais, medida defendida por deputados da base e da oposição para garantir o pagamento da folha dos servidores. "Os juros são menores do que os pagos à União. É absolutamente incompreensível que não se usem os depósitos judiciais."

Jornal do Comércio - Qual sua avaliação do pacote do ICMS?

Tarso Genro - Esse é o caminho automático que todas as políticas de austeridade tomam. Reduzir despesas sociais, taxa de investimentos e aumentar impostos não adiantam, porque se trata de dar mais carne aos leões. Não se modifica a estrutura da dívida e apenas se agrava a situação do consumidor. Esse recurso fácil, de aumentar impostos, é mais uma vez jogar a recuperação da crise sobre os ombros daqueles que têm menor poder aquisitivo. Uma medida como essa, para ser levada ao Parlamento, precisaria ser discutida com todos os atores sociais. Mas os trabalhadores, sindicatos, associações de moradores, academia, empresários, ninguém foi ouvido. Essa medida não tem respaldo social.

JC - Desde o início do déficit do Estado, todos os governos tiveram um papel nessa situação. Acredita que sua gestão contribuiu para agravá-la ao esgotar os saques do caixa único, por meio do uso dos depósitos judiciais, e a tomada de novos empréstimos?

Tarso - Esse é um recurso que todos os governadores usaram exatamente para poder governar sem ferir direitos dos servidores e do resto da população. O que proporciona agravamento da crise são medidas que não são discutidas com a sociedade e apresentadas como salvadoras, e que já foram experimentadas antes. Sou isento para falar porque meu governo foi o único que diminuiu a dívida com medidas de reestruturação, com a aprovação da lei complementar (que permite a alteração do indexador da dívida). Isso jamais é isolado das medidas que o governo federal toma e do contexto dos outros estados. A tentativa de saída isolada, sem pressionar ou reestruturar a relação com o governo federal, que agora seria propício pois tem controle político do PMDB, isto não gera solução. Acho que a crise vai se agravar, e a dívida social depois se torna dívida monetária, com mais gastos, mais precatórios quando se lesam direitos, e assim por diante.

JC - Por que acha que o governo recuou em propor a ampliação de saque dos depósitos judiciais?

Tarso - O governo quer criar uma situação de crise. Os programas de austeridade, neoliberais, não são criados sem duas pré-condições. Uma é o exercício da força para usar a repressão sobre aqueles que demandam seus direitos sobre o Estado. A outra é o aprofundamento da crise para levar as pessoas a um limite que elas se tornem passivas e aceitem qualquer solução. Não existe crise para todo mundo. Quem perde menos em uma crise está ganhando em relação a quem perde mais, que é a classe média baixa e os trabalhadores, que dependem dos serviços públicos do Estado. O governador Sartori foi muito claro durante a campanha. Disse que não sabia o que iria fazer, que iria mandar os especialistas estudarem e fazer um governo simples. O governo simples está aí. A única coisa que não foi coerente é que disse que não aumentaria impostos e está aumentando.

JC - O senhor já apontou, como saída à crise, pagar o custeio com as receitas e buscar empréstimos para fazer investimentos. Esse modelo seria possível agora, com o governo federal pedindo para os estados não tomarem empréstimos?

Tarso - A relação dos estados com o governo federal é entre entes da União, não depende do governo. A União tem mais poder para abocanhar do que os estados e municípios. Todo esse processo demandaria uma grande articulação e luta política. Teria que passar pelo parlamento, pelos ministros aliados, pelos deputados, para forçar a União a fazer. Nenhum governo da União dá colher de chá para qualquer estado, sem que haja pressão política. Dentre essas medidas que eu arrolei, várias delas dependeriam dessa relação. Eu volto a dizer que o mais duro foi aprovar a lei complementar. Na prática, revogou-se a Lei de Responsabilidade Fiscal, que é o que permite à União despejar sobre os estados e municípios a crise financeira do País.

JC - Mas existe uma solução estrutural para o Estado sem mexer na parcela de 13% da dívida?

Tarso - Sempre disse que a solução estrutural da dívida tem de passar por três barreiras bem claras. A primeira é uma reestruturação, a partir de uma iniciativa do governo do Estado, da relação com o governo Federal. A segunda é que o Estado retome o crescimento econômico. Tentamos fazer durante o nosso governo e tivemos relativo sucesso. A terceira condição é que, nessa reestruturação da relação da dívida do Estado com a União, se possa pegar uma parte dos recursos destinados da rolagem da dívida, para serem aplicados em investimentos que deem sustentação às obras do governo federal. Outra saída para a dívida é sucatear os serviços públicos, vender empresas fundamentais para o Estado, como o Banrisul, decompor o serviço público pelo arrocho salarial, o que significa suprimir gradativamente as funções públicas do Estado e partirmos para um estado mínimo. Nosso governo optou pela primeira hipótese.

JC - Acredita que privatizações de fato ocorram, inclusive com empresas como o Banrisul?

Tarso - Perder o controle do Banrisul é um erro gravíssimo para a economia do Estado. Privatizar estradas para cobrar tarifas escorchantes, sem uma contrapartida adequada, é equivocado. Os governadores que fizeram privatizações utilizaram os recursos para custeio e pagamento da dívida nos mesmos valores e juros que haviam sido acordados na época do governo (Antonio) Britto (1994-1998). Nós fizemos o contrário, dirigimos o nosso ataque à fonte dessa relação deformada da União com o Estado, que é a vitória que obtivemos com a lei complementar.

JC - Há críticas de integrantes dos governos Sartori e Yeda Crusius (PSDB) sobre os aumentos ao funcionalismo, com a tese de que não existem recursos.

Tarso - Esta visão que critica os aumentos não leva em consideração que esses aumentos foram simplesmente para recuperar o arrocho que os governos anteriores aplicaram. Nenhum aumento foi abusivo.

JC - O parcelamento de salários abre um procedente para que o atual comprometimento do serviço da dívida seja contestado na Justiça por Sartori?

Tarso - O Olívio (Dutra, 1999-2002) contestou isso. A OAB entrou com o mesmo pedido, mas era outra época. Agora, estamos em uma situação limite. Vou dar alguns dados que mostram o que está ocorrendo. Entre 1970 e 1998, a dívida do Estado cresceu 27 vezes. Entre 1994 e 1998, o valor da dívida duplicou, em função da alta dos juros no mercado mundial, que refletiu aqui no País. Então, a questão do crescimento da dívida reflete uma política histórica de endividamento do governo federal e uma ausência completa de tratamento adequado da União para com os estados endividados. Sempre que as condições objetivas em que se realizou um determinado contrato se alteram, o contrato pode e deve ser alterado. Há a impossibilidade de cumprimento deste contrato e foi o que ocorreu desde o governo Britto. A vitória que obtivemos foi uma lei federal que reconheceu que este contrato pode ser alterado. O Estado pode se socorrer na Justiça para pedir que determine a alteração. Mas isto não é só um processo jurídico, ele também é político.

JC - Qual seria a solução para não atrasar os salários?

Tarso - Nosso governo disse que iria continuar usando o caixa único, cobrar de maneira forçosa da União as compensações previdenciárias, as dívidas que a União acumulou com o Estado em relação à energia, a questão da CEEE. Estávamos negociando com o governo federal a abertura de um novo programa de financiamento da dívida. Usaríamos os depósitos judiciais e acho que eles devem ser usados, já que os juros são menores do que os pagos à União. É absolutamente incompreensível que não se usem os depósitos judiciais. E iríamos também verificar a possibilidade de vender uma parte da dívida ativa do Estado. O nosso governo teve uma particularidade. Se nós não chegássemos aos 12% da saúde, teríamos cortados todos os recursos da União para a área. Então, o uso dos depósitos judiciais foi para continuar vindo dinheiro. E utilizamos os recursos do orçamento para pagar as contrapartidas com a União, para os projetos que tínhamos com a União. A solução estrutural da dívida é de médio e longo prazo. O grande desafio é administrá-la e proporcionar o crescimento econômico do Estado sem sucatear os serviços públicos.

JC - Como está a sua rotina após deixar o Palácio Piratini?

Tarso - Tenho conversado com personalidades acadêmicas, políticas e dirigentes de vários partidos, trocando ideias e informações, discutindo o futuro não só do PT, de toda a esquerda. Não se sabe o que será do PT depois das eleições municipais. Não se sabe se o PT terá condições de se recuperar a médio ou longo prazo, nem se vai conseguir se recuperar. Mas temos um movimento vigoroso dentro do PT e pode ser um motor de renovação estratégica do partido que já deveria ter sido feito há muito tempo.

JC - Isto está dentro daquela proposta de "refundação", provocada pela crise do mensalão?

Tarso - Isso. Prosseguimos naquele movimento. Sofremos muitas adversidades nesse período, mas, se a refundação doutrinária, política e ética do PT fosse feita naquela oportunidade, não passaríamos os dissabores que passamos hoje, que permitem que a grande imprensa do País, que é manipuladora da informação em regra, tenha tributado ao PT a exclusividade da corrupção, o que é uma mentira. Minha preocupação não é mais dirigida ao cenário eleitoral imediato, ou para uma candidatura pessoal. Não pretendo mais ser candidato a nada, mas aproveitar essa experiência e meu relacionamento político para recuperar a direção, em 2018 ou depois, de uma nova ideia de esquerda no Brasil, que tenha capacidade de apresentar seus programas sem fisiologismo.

JC - Não existe chance de concorrer ao Senado em 2018?

Tarso - Não pretendo mais ser candidato. Evidentemente, se eu tivesse ganho as eleições aqui, eu seria um potencial candidato a presidente da República em 2018. Eu e mais três ou quatro companheiros do PT, mas isso foi sabiamente interrompido pelo povo gaúcho.

JC - Como vê a pressão de parte da oposição para que se viabilize um pedido de impeachment de Dilma Rousseff (PT)?

Tarso - Para pedir impeachment não precisa ser fascista. Impeachment é um processo legal, constitucional. É um movimento político, radicalizando uma situação de crítica. Agora, você pedir a renúncia da presidente no momento em que pessoas apareceram nos protestos com cartazes como "pena que não mataram todos em 64", "pena que não mataram a Dilma no Doi-Codi" é um equívoco de fundo de uma pessoa que já foi presidente da República (referindo-se ao fato de Fernando Henrique Cardoso, PSDB, ter defendido a renúncia). Mas acho também, sinceramente, que ele já se arrependeu.

JC - Acredita no enfraquecimento dessa movimentação? E a costura da Agenda Brasil feita com Renan Calheiros (PMDB)?

Tarso - O governo não sai da crise política sem mudar a agenda econômica. Pode continuar governando de maneira precária, com essa agenda que está aí, até o final do governo. Tem o direito de fazê-lo, mas como vai governar é outra coisa. Sou contra as medidas econômicas, que não são uma política do (ministro da Fazenda, Joaquim)Levy, são do governo. Para o governo sair da crise, tem que mudar a política monetária e acabar com a austeridade.

JC - Houve o estelionato eleitoral de que Dilma é acusada?

Tarso - São raríssimos os governos nacionais que não tenham aplicado uma das políticas ortodoxas para manter o País funcionando. Se esse programa for levado até o final do governo, poderá se configurar, sim, uma lesão muito grave à palavra da presidente. Ainda é muito curto esse espaço de tempo para dizer se há isso ou não.

Perfil 

Tarso Fernando Herz Genro tem 68 anos e é natural de São Borja. Formado em Direito pela Universidade Federal de Santa Maria, se especializou em advocacia trabalhista e atuou em defesa de sindicatos e associações de trabalhadores. Iniciou a trajetória política na juventude e, aos 21 anos, foi eleito vereador em Santa Maria, concorrendo pelo MDB - único partido de oposição na ditadura militar. Com o endurecimento do regime, se exilou no Uruguai e, após a redemocratização, voltou ao País, se filiando ao PT. Pelo partido, foi vice-prefeito de Porto Alegre, na gestão de Olívio Dutra (1989 e 1992), e depois prefeito (1993-1996 e 2001-2002). Esteve à frente do Conselhão e dos ministérios da Educação, de Relações Internacionais e da Justiça, todos no governo Lula (PT, 2003-2010). Em 2010, foi eleito governador do Estado, no primeiro turno, com 54,35% dos votos. Na disputa pela reeleição ao Piratini, obteve 32,57% dos votos, sendo derrotado no segundo turno por José Ivo Sartori (PMDB).

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