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MERCADO DE CAPITAIS

- Publicada em 03 de Agosto de 2015 às 00:00

Bndes quer incentivar títulos de renda fixa


PHILIPPE LOPEZ/AFP/JC
Jornal do Comércio
Há mais de uma década, o mercado de capitais convive com um concorrente de peso no País. Isso porque, na busca de recursos para financiar projetos de infraestrutura e planos de expansão a juros mais baratos que os de mercado, as grandes empresas brasileiras encontraram no Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (Bndes) um parceiro imbatível.
Há mais de uma década, o mercado de capitais convive com um concorrente de peso no País. Isso porque, na busca de recursos para financiar projetos de infraestrutura e planos de expansão a juros mais baratos que os de mercado, as grandes empresas brasileiras encontraram no Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (Bndes) um parceiro imbatível.
Com linhas especificas – algumas chegando a liberar até 70% dos valores, indexados à TJLP (Taxa de Juros de Longo Prazo) –, a reestruturação do banco estatal, chancelada em 2003, com a aprovação do novo estatuto social, rapidamente inundou a economia com recursos subsidiados pelo Tesouro. Assim, a instituição passou a ocupar, ano após ano, um espaço que seria cativo para a captação de crédito privado via emissão de títulos no mercado.
Agora, sem a mesma força operacional de outros tempos, o Bndes dá o primeiro passo em direção ao que muitos analistas definem como um reposicionamento estratégico para enfrentar o período de ajustes no setor público. Uma linha lançada no início de junho funciona como ponto de partida para corrigir as distorções. Desenvolvido em parceria com a Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima), o chamado Programa de Incentivo ao Mercado de Renda Fixa já nasce com R$ 3 bilhões no pipeline, distribuídos em seis prospectos de emissão de debêntures coorporativas.
A chefe do departamento de operações estruturadas do Bndes, Laura Bedeschi, explica que, em razão do sigilo, as operações ainda não podem ser divulgadas. Ela antecipa, no entanto, que são títulos ligados à indústria e à infraestrutura, que possuem cerca de 18 meses para concretizar a oferta.
No futuro, um dos prospectos poderá ser endereçado ao Estado. Na semana passada, o gerente-geral de implantação da Bolognesi Energia, Lúcio Coelho, afirmou que o grupo emitirá debêntures para compor uma parcela do financiamento necessário para viabilizar investimentos na ordem de R$ 3,3 bilhões na construção de um complexo formado por uma usina termelétrica, um terminal de GNL e um gasoduto, no município de Rio Grande. O executivo admite que, enquanto aguarda pela licença de instalação, a empresa estuda as condições de acesso ao programa.
A ideia é simples. Para ampliar a fatia de recursos captados via TJLP (taxa mais barata que as de mercado), e chegar aos limites máximos estabelecidos, as empresas com faturamento superior a R$ 1 bilhão precisam emitir 25% do valor do projeto em títulos, como debêntures,  Fundos de Investimentos em Direitos Creditórios (FIDCs), Certificados de Recebíveis Imobiliários (CRIs) e Certificados de Recebíveis do Agronegócio (CRAs). Mais do que promover o mercado, a iniciativa colabora com a diminuição da participação do Bndes nos projetos.
A gerente da Anbima Erika Lacreta salienta que projetos que antes podiam contar com 70% do valor financiável, hoje, só podem acessar 50%. “Por outro lado, o programa permite que os 50% que, inicialmente, seriam contratados à juros de mercado, sejam transformados em apenas 25%. Basta emitir debênture”, sintetiza.

Fórmula também será aplicada ao novo programa de concessões federais

Com o objetivo de estimular o crédito privado nos projetos de investimento de longo prazo, a política de ajuste do Bndes passou a restringir, em 2015, os financiamentos com base na taxa mais baixa, a TJLP. Por isso, as medidas que condicionam o acesso aos recursos de menor custo serão adotadas na nova etapa do Programa de Investimentos em Logística (PIL), que prevê aportes de R$ 198,4 bilhões em rodovias, aeroportos, portos e ferrovias.
Para o programa, segundo Laura Bedeschi, do Bndes, os cálculos da área de infraestrutura indicam novas emissões na ordem de R$ 20 bilhões em quatro anos. A diferença, neste caso, é que no limite, em cada rodada de concessão, o banco financiará entre 60% e 45% dos projetos ante 70% na primeira etapa do programa de concessão. Os percentuais variam de acordo com a quantidade de títulos emitidos – 10% (mínimo) e 25% (máximo) dos valores financiáveis.
São dois aspectos distintos: um voltado às debêntures corporativas e outro direcionado ao PIL. Laura Bedeschi lembra que o banco, desde a criação do incentivo para as debêntures de infraestrutura, compartilha garantias. Até hoje, foram 37 emissões de debêntures incentivadas no valor de R$ 11,5 bilhões. “Na prática, significa que todas as garantias que o Bndes tem no projeto, as debêntures também têm. É um mecanismo poderoso que gera um atrativo para o emissor subscrever o título. O banco tem uma tradição em infraestrutura. A ideia, agora, é diminuir o nível de participação nos projetos”, afirma.
Nesse sentido, a estimativa é que a opção pelos títulos gere uma economia de cerca de dois pontos percentuais ao ano, no valor pago pelos consórcios vencedores dos leilões. É o que ocorrerá nos aeroportos que reduzirão entre 1,9% e 2,9% o custo bruto da dívida, caso as concessionárias emitam até 25% em debêntures. O superintendente-técnico do Centro de Estudos do Mercado de Capitais (Cemec), Lauro Modesto, autor de um estudo sobre o tema, afirma que, para as rodovias, o ganho real ficaria entre 1,5% e 2% na comparação com o que seria o custo de uma captação comum em mercado.
O sócio do escritório Tozzini Freire Antônio Félix de Araújo Cintra também percebe um enfoque mais “pró-mercado” e, por consequência, “menos restritivo à participação do setor privado” no que se refere ao novo cálculo para as taxas internas de retorno (TIR). Para os próximos leilões, os percentuais – bastante criticados durante o lançamento da primeira rodada de concessões – foram atualizados. Assim em aeroportos, a TIR real, ou o valor mínimo que será usado para a outorga pelo vencedor do leilão, passou de 6,63% para 8,5%.
O governo ainda fixou em 10% a TIR dos arrendamentos portuários, ante 8,3% da primeira edição do PIL. Já as novas rodovias tiveram a taxa elevada de 7,2% para 9,2% e para as ferrovias a tendência é de que a TIR seja confirmada acima de 10%.

Plano reforça a necessidade de controle nos desembolsos, dizem economistas

Apesar da tentativa de incentivo ao mercado de renda fixa, muitos economistas identificam uma dualidade de propostas. O professor do curso de Economia da Pucrs Celso Pudwell é um dos que endossa a corrente, ao identificar no programa uma necessidade maior de fechar as comportas do Bndes. “Diria que há mais restrição do que incentivo. O Bndes já foi injetado com mais de R$ 500 bilhões do Tesouro Nacional. Não há mais de onde tirar”, cometa.
Em 2015, o Bndes limitou financiamentos com as taxas em 50% (para grandes empresas) e 70% (para empresas menores) e remarcou a TJLP. Como resultado, nos primeiros cinco meses, os empréstimos caíram 20%. Entre janeiro e maio, as liberações fecharam en R$ 54,8 bilhões.
Em uma análise dos desempenhos na última década, os desembolsos, que somavam R$ 52,3 bilhões em 2006, atingiram a marca recorde de R$ 190,4 bilhões, em 2013. A escalada dos volumes – combinada com a remarcação das taxas, estimulando a formação de um gap entre os percentuais da TJLP (hoje 6,5% ao ano) e da Selic (hoje 14,25% ao ano) – foi responsável por minar, ano após ano, um terreno que seria fértil para as captações privadas. Os efeitos se tornam evidentes quando comparados com a evolução das emissões de debêntures.
Na prática, sempre que há um período de alta na taxa de juros o mercado destes títulos de renda fixa se contrai. O oposto ocorre com os desembolsos do Bndes. Segundo dados da Anbima, em 2012, enquanto os juros oscilavam de 11%, em janeiro, para 7,25%, no decorrer do exercício, as emissões de debêntures saltaram 82,2%, fechando no patamar recorde de R$ 88,4 bilhões. No ano seguinte, em 2013, quando a Taxa Selic voltou a bater em 10% no encerramento de dezembro, as emissões foram reduzidas a R$ 66,1 bilhões, uma queda de 25,2%.
Na outra ponta, com a TJLP entre 5,5% e 6% em 2012, o Bndes liberou R$ 156 bilhões. Nos dois anos seguintes, 2013 e 2014, a taxa atingiu 5% ao ano, o menor patamar de toda a série histórica iniciada em 1995, e as liberações chegaram as marcas recordes de R$ 190,4 bilhões (22%) e R$ 187,8 Bilhões (20,3%), respectivamente.
“Não resta a menor dúvida de que o Bndes é um inibidor do mercado. As grandes empresas, que são as que conseguiriam emitir debêntures com facilidade, evidentemente preferem o menor custo. Já o Bndes é um competidor de juros subsidiados. No Brasil, há essa distorção. É curioso. Como o governo não tem recursos próprios para investir em infraestrutura, repassa ao setor privado, mas financia 60% ou 70% com juros subsidiados pelo Tesouro”, resume o superintendente-técnico do Cemec, Lauro Modesto.
De acordo com Modesto, o programa não é suficiente para alterar a lógica do mercado. Ele defende um novo arranjo financeiro para os juros subsidiados. “A empresa poderia emitir o título para que o Bndes comprasse para guardar em sua tesouraria. Quando o projeto estivesse pronto e gerando receitas próprias, estes papéis valeriam muito mais. O banco poderia vender a debênture e fazer o giro de caixa”, destaca. Ou seja, o Bndes faria a transação com juros subsidiados, mas recuperaria pelo menos uma parcela destes subsídios.
Como o maior inimigo do mercado é o juro, a nova escalada da Taxa Selic, elavada em meio ponto percentual na semana passada,  deve retardar ainda mais o incentivo. A gerente da Anbima Erika Lacreta admite que a expectativa é de um ritmo mais lento no primeiro ano. “Precisamos considerar o cenário macroeconômico que isso impacta. As condições devem favorecer um movimento para que o mercado reaja a esse estímulo de maneira positiva”.

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