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ENTREVISTA ESPECIAL

- Publicada em 27 de Julho de 2015 às 00:00

Para Raul Pont, PMDB já deveria ter rompido com governo


JONATHAN HECKLER/JC
Jornal do Comércio
Afastado de cargos eletivos desde o início de 2015 - no ano passado, não quis tentar a reeleição para a Assembleia Legislativa - o ex-deputado Raul Pont (PT) está "um pouco mais livre de horário, mas não de trabalho". Dedicado atualmente à articulação interna das executivas estadual e nacional da legenda, Pont vê-se às voltas com a discordância do PT gaúcho em relação à atual política econômica do governo Dilma Rousseff (PT), questionando também as alianças com partidos que vem dificultando as relações entre os poderes Executivo e Legislativo.
Afastado de cargos eletivos desde o início de 2015 - no ano passado, não quis tentar a reeleição para a Assembleia Legislativa - o ex-deputado Raul Pont (PT) está "um pouco mais livre de horário, mas não de trabalho". Dedicado atualmente à articulação interna das executivas estadual e nacional da legenda, Pont vê-se às voltas com a discordância do PT gaúcho em relação à atual política econômica do governo Dilma Rousseff (PT), questionando também as alianças com partidos que vem dificultando as relações entre os poderes Executivo e Legislativo.
Nesse aspecto, critica especialmente a postura do PMDB, defendendo que o principal aliado do PT no governo federal, "por coerência programática, já deveria rompido" a aliança. Pont cita o comportamento do presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB-RJ) - que formalizou sua oposição ao governo -, observando que, se Cunha não fala pelo PMDB, é justo que seja cobrado dele "um mínimo de disciplina partidária em relação ao cargo que ele ocupa". O petista faz coro ao ex-senador Pedro Simon (PMDB), para quem o parlamentar deveria ser afastado do comando da Câmara para responder às acusações que sofreu no âmbito da Operação Lava Jato.
Sobre as eleições municipais de 2016, Pont defende a consolidação de uma frente ampla de esquerda. "É possível construir um campo de alianças que não seja tão esquizofrênico quanto o que a gente tem hoje."
Jornal do Comércio - Como o senhor avalia a política de alianças do governo federal? Em nome da governabilidade, não se concedeu demais, a ponto de perder a governabilidade?
Pont - Acho que sim. Esse debate não é novo, pois com a vitória do presidente Lula (PT) em 2002, e para garantir aquela oportunidade, elegemos 91 deputados (federais). Não chegamos nem a ter 20% do Parlamento. Hoje, temos 12% ou 13% da Câmara Federal. Isso mostra a contradição entre um sistema eleitoral que permite que você eleja a presidente da República e não lhe dê nenhuma governabilidade pelo processo eletivo. Essa é a prova mais cabal de que o sistema eleitoral que temos é completamente esquizofrênico, pois não dá governabilidade a quem governa, que é o poder Executivo. É um conflito para o qual precisamos ter uma saída.
JC - Existe o flerte do PMDB com uma possível ruptura?
Pont - Bem, mas o PMDB faz isso mesmo ou é só uma ameaça? Por coerência programática, ele já deveria ter rompido. Se não concorda, como foi feito esse acordo? Se é construída uma aliança que teoricamente tem um programa, os partidos que compõem isso deveriam ter o mínimo de fidelidade com esse programa. Mas não é isso o que ocorre, porque o partido não tem lealdade com o seu interior, não tem uma direção nacional que funcione efetivamente como tal, é uma federação de interesses regionais.
JC - Mas havendo essa ruptura, não se agravaria o quadro de instabilidade política?
Pont - Se houvesse ruptura, complicaria ainda mais a relação do governo com o Parlamento. Mas me fio nas declarações do vice-presidente Michel Temer (PMDB) de que a posição do Cunha é pessoal. Tenho ouvido declarações de quadros como Pedro Simon, que acha que ele deveria ser afastado para que responda às acusações presentes na delação. E se ele não fala pelo partido, é justo que o PMDB cobre dele um mínimo de disciplina partidária em relação ao cargo que ocupa. No Rio de Janeiro, nosso apoio ao prefeito e o compromisso com o governo (ambos do PMDB) pode nos prejudicar. Pagaremos um preço, mas não nos colocamos em oposição. Queremos a mesma reciprocidade em relação ao Cunha. Mas, a longo prazo, isso nos obrigará a repensar essa política de alianças, pois os desgastes são maiores que os ganhos.
JC - Nesse contexto, a retomada de uma discussão sobre parlamentarismo é legítima?
Pont - Legítima, é. Só não pode ser casuística, não pode servir, como já ocorreu no Brasil na derrubada do Jango (ex-presidente João Goulart, deposto pelo golpe militar em 1964). Eu simpatizo com o parlamentarismo. Se não fosse essa conjuntura, diria que a discussão é legítima. Só que esse parlamentarismo que o Cunha está defendendo agora é casuístico, ele só sobrevive com esse voto nominal, fisiológico. O parlamentarismo pressupõe um sistema partidário muito sólido. E que não combina com 30 e tantos partidos como há no Brasil.
JC - Em relação às discussões sobre um processo de impeachment contra a presidente, o senhor acredita na tese de quadros do PT que falam em golpismo?
Pont - Acho que sim. O noticiário que reproduziu os debates e o discurso da última convenção do PSDB atestam isto. Vários dos principais dirigentes, como o (José) Serra, Aécio (Neves) e o Fernando Henrique Cardoso, tinham discursos claramente golpistas, em cima de uma crise econômica que não é terminal, nem grave. A maioria dos países europeus tem relação dívida/PIB maior que a nossa. O que temos é uma crise política seríssima, dada por essa esquizofrenia que avançou enormemente nos poderes Executivo e Legislativo. Não foram poucas as pessoas do PT que resistiam a que tivéssemos de construir uma governabilidade clássica, do presidencialismo de coalizão brasileiro.
JC - Com a "Carta de Porto Alegre", após o 5º congresso do Partido dos Trabalhadores, como o PT gaúcho se posiciona em relação às políticas do governo federal e à sigla?
Pont - É evidente que o partido apoia o governo, fez campanha e elegeu a Dilma. Esta política que vem sendo dirigida pelo ministro (da Fazenda, Joaquim) Levy, no sentido de corte orçamentário e elevação da taxa de juros como elemento para combater inflação, a austeridade no gasto público, enfim, não combinam com o nosso programa e não é o que dissemos que faríamos na campanha (presidencial). Por isso, aqui no Rio Grande do Sul, a maioria dos deputados estaduais e federais têm tido uma postura muito crítica.
JC - É isso que motiva o PT gaúcho a tentar realizar um novo congresso em nível nacional?
Pont - É que o congresso, para nós, foi um pouco frustrante. O campo majoritário dentro do partido tinha um certo controle sobre os delegados, que estavam lá mais para seguir orientações e menos para o debate. Aqui, o debate foi tão proveitoso que tiramos um conjunto de posições que não eram mais do campo majoritário ou minoritário. Aprovamos uma série de posições que foram levadas ao congresso. Mas a maioria acabou saindo pela tangente para não tomar posição. O tema aprovado no final faz uma avaliação crítica da política econômica, mas de uma forma muito tênue. Não confronta nem dá uma orientação firme.
JC - O que faltou discutir de forma mais contundente?
Pont - O governo está mantendo um conjunto de políticas sociais. O salário-mínimo vai continuar crescendo conforme a regra anterior. O problema é que, se o crescimento é muito baixo, a regra do mínimo fica inalterada, corrigindo praticamente só a inflação. Essa não é uma política de garantir recursos para que as empresas públicas tenham acesso a crédito e financiamento para poder alavancar necessidades de infraestrutura e logística. Não acreditamos que essa política de concessões que o governo está fazendo tenha respostas dos investidores. Não adianta dizer que somos favoráveis às PPPs (parcerias público-privadas), porque, para aquelas de que o País necessita, não há parceiros. Os parceiros querem a coisa pronta e com uma perspectiva de lucro muito alta e imediata. Com uma taxa de juros de 14%, quem é que vai fazer investimento produtivo?
JC - A conjuntura adversa enfraqueceu o PT? O ex-presidente Lula usou expressões como "volume morto" para definir a situação da sigla.
Pont - É uma figura de linguagem usada pelo Lula. Não foi feliz, mas acho que isso foi bastante explorado pelos meios de comunicação, já que a expressão "volume morto" nasceu com a crise do sistema dos reservatórios de São Paulo, portanto é uma má imagem. Acho que o partido vem sendo acusado de não ter respostas suficientemente rápidas ou não assumir o protagonismo devido. Mas há coisas pelas quais a sigla é responsabilizada injustamente. Reconheço que haja um desgaste, mas discordo que não haja recuperação e que teríamos de construir outras alternativas partidárias. A nossa luta para mudarmos a orientação do governo é por acreditarmos nele e no partido.
JC - Levando em conta os fatos mais recentes de nossa política, como o senhor vê a democracia hoje?
Pont - O processo democrático brasileiro corre sérios riscos. Da Constituinte para cá, esperávamos construir um sistema melhor e mais sólido, mas isso não aconteceu. A solidez e a estabilidade dos países democraticamente mais estáveis é dada pelos sistemas partidários. O sistema eleitoral no Brasil é exatamente o oposto, faz de tudo para enfraquecer o partido e fortalecer o indivíduo. A cada eleição, mais que dobram os recursos privados para o financiamento de candidaturas, tornando o Parlamento cada vez menos legítimo. O debate foi transformado em um processo de controle do poder econômico, fisiológico. Atualmente, é comum as pessoas falarem em bancada do agronegócio, dos bancos, das igrejas. Vivemos uma situação duríssima, na democracia brasileira, pela sua desqualificação.
JC - O debate sobre privatizações no Rio Grande do Sul durante o governo de Antônio Britto (PMDB, 1995-1998) voltou na gestão José Ivo Sartori (PMDB). Qual é a sua avaliação?
Pont - É uma péssima saída. Se o governo quer enfrentar mesmo um déficit, tem de ter uma política de crescimento. Não tem como sair da crise sem crescer. Os aumentos de tributos têm de ser seletivos. Sou a favor dos impostos sobre heranças e doações de grandes fortunas. No Estado, criar um fundo complementar, junto ao fundo que o Tarso (Genro, PT) já criou e que já está acumulando para sustentação futura do regime próprio dos funcionários. Claro que nenhuma coisa dessas vai resolver imediatamente o problema, mas isto é política de Estado, de longo prazo.
JC - Como está sua vida sem exercer um cargo eletivo?
Pont - Um pouco mais livre de horário, mas não de trabalho. Eu tenho me dedicado ao partido. Então, tem muita reunião no Interior, acompanhamento de prefeituras, formação de políticos e da juventude. A gente também vê como está a preparação para o ano que vem, quem vai ser o candidato. Claro que a gente não substitui o município, mas vai lá e dá nossa opinião.
JC - Nas eleições de 2016 em Porto Alegre, que quadro o senhor enxerga como candidato a prefeito? O PT vai ter candidatura própria?
Pont - Estamos procurando recompor uma frente de esquerda. Nós não podemos ser o fiel da balança, e nem temos aqui nenhuma bula papal para dizer quem é esquerda e quem é direita. O PSB apoiou o Aécio no segundo turno. Achamos isso um equívoco. Queremos diálogo com socialistas, com o PCdoB, que é um parceiro mais sólido e está no governo conosco. O melhor que deveríamos fazer é ter uma política de construção de um campo de alianças mais à esquerda, que não seja tão esquizofrênico quanto o que a gente tem hoje.
JC - Independentemente de que partido venha o candidato?
Pont - Isto é um objetivo estratégico para nós, que não é só para as eleições. O PT não é o único partido da esquerda, mas por sermos o maior, temos mais responsabilidade em querer algo mais duradouro. Achamos que é possível construir um processo de identidade programática nesse campo. Como há dois turnos, se não houver condições, já poderíamos anunciar ao eleitor uma identidade programática. Já no primeiro turno diríamos que, com tais partidos, temos afinidade e esperamos reciprocidade. Mas não podemos fazer isso por imposição ou artificialismo. O Tarso foi ao Rio de Janeiro para falar com o (Roberto) Amaral (PSB), com o Marcelo Freixo, do P-Sol (para configurar uma frente de esquerda). Essa é uma tarefa à qual estamos dando muita importância e queremos sinalizar, do Rio Grande do Sul para os demais estados, que o PT deve fazer isso.

Perfil

Raul Jorge Anglada Pont nasceu em Uruguaiana em 1944. Iniciou a trajetória política durante o curso de Ciências Econômicas, na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs), onde presidiu o Diretório Central dos Estudantes (DCE). Perseguido na ditadura militar, foi torturado e preso. Mudou-se para São Paulo. Nos anos 1970, retornou ao Estado. Em 1980, participou da fundação do PT e assumiu como membro do diretório nacional. Em 1986, foi eleito deputado estadual constituinte. Em 1990, conquistou uma vaga como deputado federal. Dois anos depois, foi eleito vice-prefeito de Porto Alegre, na chapa encabeçada por Tarso Genro (PT). Em 1996, foi eleito prefeito da Capital. Em 2003, retornou à Assembleia Legislativa. Em 2004, foi novamente candidato à prefeitura da Capital, derrotado, no segundo turno, por José Fogaça (à época, do PPS) - encerrando a hegemonia petista de 16 anos. Foi reeleito para a Assembleia em 2006 e 2010. Com o fim do seu mandato neste ano, passou a atuar exclusivamente em atividades do PT.
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