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Entrevista Especial

- Publicada em 08 de Fevereiro de 2010 às 00:00

PSDB chegou muito cedo ao poder, avalia João Gilberto


João Mattos/JC
Jornal do Comércio
Vice-governador na gestão do pedetista Alceu Collares (1991-1994), João Gilberto Lucas Coelho (PSDB) analisa, nesta entrevista ao Jornal do Comércio, a trajetória do partido que ajudou a fundar em 1988. No âmbito nacional, avalia que o PSDB assumiu a presidência da República com Fernando Henrique Cardoso, em 1994, sem ter ainda a maturidade partidária necessária. “Ser governo é um terremoto na vida interna de um partido, no seu projeto a longo curso”, atesta.
Vice-governador na gestão do pedetista Alceu Collares (1991-1994), João Gilberto Lucas Coelho (PSDB) analisa, nesta entrevista ao Jornal do Comércio, a trajetória do partido que ajudou a fundar em 1988. No âmbito nacional, avalia que o PSDB assumiu a presidência da República com Fernando Henrique Cardoso, em 1994, sem ter ainda a maturidade partidária necessária. “Ser governo é um terremoto na vida interna de um partido, no seu projeto a longo curso”, atesta.
Apesar do que classifica de “massacre ideológico” promovido pelo PT, João Gilberto acredita que o PSDB conseguiu realizar no governo de FHC as primeiras medidas para a estabilização da economia brasileira. Conforme o ex-vice-governador, os oito anos de gestão de Lula não podem ser analisados de forma dissociada dos dois mandatos do governo tucano.
“Estamos completando 16 anos de algum tipo de governo social-democrata no Brasil e precisamos analisar esse período inteiro”, sustenta. No Rio Grande do Sul, avalia que o PSDB não conseguiu ampliar sua estrutura porque PMDB e PDT sempre foram fortes, diferentemente do que ocorreu em São Paulo e Minas Gerais, onde os tucanos conseguiram crescer.
Sobre a disputa eleitoral deste ano, afirma que ainda é cedo para opinar. Apenas reconhece que o presidente Lula será um bom cabo eleitoral da pré-candidata do PT, ministra Dilma Rousseff, na disputa à presidência da República com o governador de São Paulo, José Serra (PSDB).
Jornal do Comércio - Como o senhor avalia o PSDB hoje?
João Gilberto Lucas Coelho - O PSDB é um projeto partidário diferenciado. Foi pensado nas universidades, na sociedade civil e foi muito discutido antes de se tornar realidade, tanto que por mais de um ano ele se chamou NP, Novo Partido. Dezenas de figuras, que até depois se tornaram importantes na vida brasileira, tiveram no PSDB a primeira filiação. Ele tinha um projeto de ser um partido diferenciado na prática da organização, um partido de longo curso. O que aconteceu com o PSDB é que partidos são movimentos sociais, e movimentos sociais são como uma pessoa humana: têm infância, juventude e maturidade. O PSDB virou governo, a locomotiva de uma senhora coligação. E não teve tempo, antes da presidência de Fernando Henrique, de construir anos de prática, de militância e de cultura partidária interna. O PSDB não resistiu, como projeto original, ao impacto que é ser governo. Até o PT, com a solidez e com as décadas que já tinha, sofreu, modificou-se. Ser governo é um terremoto na vida interna de um partido, no seu projeto a longo curso.
JC - Qual a dimensão desse impacto?
João Gilberto - No PSDB não só os efeitos foram maiores, como também ele perdeu, por esse despreparo. O debate com o PT igualmente. Para os brasileiros, o governo FHC não é o que realmente foi. É o que o PT diz que foi. Porque o PSDB, apesar de ter um núcleo intelectual poderoso, não tinha militância, não tinha enraizamento para travar esse debate de Norte a Sul e perdeu tanto - e isso é que me choca - que de certa maneira o PSDB virou não o que queria ser, mas o que o PT queria que ele fosse. E isso me decepciona profundamente. O massacre cultural e ideológico do PT foi tão grande contra o PSDB que o partido aceitou. O PT olhou para o PSDB e disse: “vocês são neoliberais”. Não são. Não era para ser. Boa parte do rótulo é porque o próprio militante do PSDB entrou em uma confusão teórica e ele hoje é o que o PT diz que ele é, e não o que ele era realmente, o que ele nasceu para ser. Isso foi um desastre para o partido.
JC - PT e PSDB viraram extremos mais por conjuntura do que por doutrina propriamente?
João Gilberto - Eles eram primos, como o PSDB chegou ao governo, o PT astuta e eleitoralmente pensou: “é um inimigo a combater, então vamos ser um contraponto, vamos transformá-lo no nosso principal opositor”. O PT deixou de ter um conflito com a extrema direita no Brasil. Alguns até convivem no governo Lula. Delfim Neto, por exemplo. Não que o PSDB não tenha feito isso, ambos se ligaram com segmentos importantes para governar. Até nisso são semelhantes. Mas ele estabeleceu um contraditório e transformou o PSDB num monstro, na extrema direita no Brasil. Se nós pensarmos na história e na formulação política do PSDB, era tão feita de exilados e perseguidos da ditadura tanto quanto o PT. O (Mário) Covas foi cassado, FHC foi exilado, (José) Serra era presidente da União Nacional dos Estudantes (UNE). Ambos são núcleos que nasceram da resistência ao regime autoritário.
JC - O PSDB assumiu a presidência de forma prematura?
João Gilberto - Prematura para o partido, não para o Brasil. Era necessário assumir. A presidência de FHC lançou os alicerces do Brasil neste século XXI.
JC - Por isso, o senhor defende a tese de que governo Lula não pode ser visto dissociado do governo FHC?
João Gilberto - Estamos completando 16 anos de algum tipo de governo social-democrata no Brasil e precisamos analisar esse período inteiro. Os oito anos do FHC e os oito do Lula somam uma experiência ímpar na história brasileira, cujos acertos e erros guardam uma certa coerência entre si. O pós-FHC com o Lula foi ótimo para o Brasil também. Essa questão de o Brasil ser bem-visto internacionalmente começa lá com o FHC. É claro que há uma atração e uma verdade maravilhosa no fato de um dirigente sindical chegar à presidência de seu País, e isso em qualquer parte do mundo mereceria reverência. O Lula é uma figura marcante, o FHC marcava pelo conhecimento, pelo lado intelectual. Lula marca por seu testemunho de vida, por ser um cidadão brasileiro militante com todas as características mais interessantes do brasileiro. Essas coisas se conjugaram. O Brasil é outro, se olharmos a evolução dos dados sociais. Temos que começar pela economia, a questão da estabilidade. Por várias décadas, o País não conseguia ter estabilidade econômica. Ela começa a ser construída no governo Itamar, é consolidada com FHC e é continuada pelo Lula. Os alicerces permanecem os mesmos e isso dá possibilidade de o País enfrentar crises, foi amadurecendo, se desenvolvendo. Se pegarmos os indicadores sociais no Brasil, a extrema pobreza, a mortalidade infantil e a escolaridade têm uma melhoria constante, vêm num ritmo. O poder aquisitivo e o salário-mínimo começaram no governo FHC e Lula acentua bastante e corretamente.
JC - E o PSDB no Rio Grande do Sul?
João Gilberto - O PSDB aqui no Estado é curioso, não é dos maiores partidos em estrutura, não encontrou o espaço ideológico que teve em outros estados. O PSDB em geral cresceu em estados onde ou o PMDB ou o PDT eram fracos. O Rio Grande do Sul é um estado em que PMDB e PDT eram fortes, no momento da fundação do PSDB. Então esse espaço estava tomado. Já em Minas Gerais quase não tem PDT. Em São Paulo o PMDB rachou na criação do PSDB, onde se afastaram algumas das principais figuras, como Fernando Henrique e Covas, mas não tem PDT forte em São Paulo. Agora no Rio Grande do Sul havia esses dois partidos fortes.
JC - O senhor nunca foi chamado para colaborar no governo Yeda?
João Gilberto - Não, eu já estava afastado da linha de frente. Eu e a governadora tivemos alguns episódios de conversa no início da campanha, talvez tenhamos tido alguns olhares iguais e outros diferentes, lá no início, mas conversamos eventualmente.
JC - Como o senhor analisa a gestão tucana no Estado?
João Gilberto - O governo me parece bem-sucedido em algumas áreas que me chamam muito a atenção. Não só na reorganização das finanças, como em áreas fins, como o resgate da Consulta Popular. A participação que estava meio desmoralizada, não havia o atendimento das demandas. É um governo de muita crise política, eu também vivi um governo de muita crise política quando fui vice-governador. Às vezes, as crises políticas são pelo temperamento, pela maneira de ser de algumas pessoas. O conjunto do governo é interessante.
JC - Como o senhor avalia o quadro da disputa pelo Palácio Piratini?
João Gilberto - Toda vez que se tentou fazer essa previsão aqui no Estado tem se falhado. Numa eleição que se pensou haver uma polarização surgiu um terceiro candidato, o (Germano) Rigotto (PMDB), e ganhou. Na eleição seguinte de novo se tentou achar uma polarização e foi a governadora Yeda que ganhou. Então, ainda é cedo para definir, ainda é um quadro irrequieto.
JC - E o cenário eleitoral nacional pela primeira vez acontece sem o Lula, isso modifica alguma coisa?
João Gilberto - O quadro no momento é mais ou menos Serra, Dilma, Marina (Silva, do PV) e Ciro (Gomes, do PSB). Não sei se não surge mais alguém até as eleições. Sempre acho que essas pesquisas indicam alguns sinais, mas não podem ser levadas muito em conta. Basta ver aqui no Estado quantas reversões tivemos nos últimos momentos. A ausência de Lula é um dado forte. A capacidade de transferir votos é um ponto de interrogação. Óbvio que ela nunca é 100%. Mas uma coisa que não estão levando em conta é que Lula também sabe ser cabo eleitoral. Aliás, se qualquer governo de qualquer outro partido tivesse fazendo o que está sendo feito nesse momento, alguma coisa teria acontecido nas instituições que cuidam disso. Só mesmo a hegemonia cultural do PT protege que se faça campanha abertamente. Se isso não é campanha eleitoral, então o que é? A própria evolução das pesquisas mostra o sucesso da campanha que está sendo feita.
JC - O senhor é um crítico da influência do poder econômico nas campanhas.
João Gilberto - As coisas que eram possíveis na década de 1970 não são possíveis hoje. Na redemocratização, com um quadro bipartidário, era fácil garantir acesso ao rádio e à televisão, mas imagina isso para deputados com 12, 15 partidos com chapas... É impossível viabilizar. Eu não tinha cabo eleitoral pago, nunca pensei em pagar pessoas pra distribuir panfletos. Hoje isso é arrasador. Não há mais partido que consiga se livrar desse esquema de profissionalização. A candidatura se tornou um empreendimento, que tem que ser gerida como uma empresa, como um projeto empresarial. Algo está errado no sistema. A campanha demanda um volume de recursos que você não tem os meios de adquirir. Então, ou você vira candidato patrocinado por grandes empresas ou terá que recorrer a uma série de recursos que não são os previstos em lei. Acho que o recurso público na campanha é importante, sou favorável, para viabilizar o candidato que queira fazer campanha somente dentro das regras do jogo, mas que possa fazer campanha. Quantos jatinhos uma candidatura presidencial no Brasil precisa? Então, ou você reúne dinheiro para alugar o número de jatinhos suficientes, ou você depende de jatinhos dos seus amigos e em todos esses casos abrem-se portas. Quando você termina fazendo uma coisa errada por uma boa causa, na base de que os fins justificam os meios, daqui a pouco você faz a coisa errada.
JC - A saída seria a reforma política?
João Gilberto - A reforma política é como a reforma tributária, todos querem, mas não tem duas iguais. Não existem dois brasileiros pensando a mesma. Não temos maioria no Brasil para nenhum caminho. O primeiro passo para se obter alguma coisa do Congresso é ter uma sólida maioria capaz de pressionar. Mas não temos maioria em matéria de mudanças na forma política brasileira. Temos que saber que modelo queremos, mas precisamos de um sistema que garanta a arrecadação do necessário para a campanha. O nosso sistema hoje não conduz a isso e, portanto, é porta aberta para subterfúgios.
JC - O senhor esteve na linha de frente da resistência à ditadura. O que acha da proposta da Comissão da Verdade?
João Gilberto - Sou absolutamente a favor de que a história seja contada, atinja a quem atingir, seja o que aconteceu nos porões da repressão, seja o que aconteceu nas organizações clandestinas que também até eliminaram eventuais traidores. Enfim, essa história é para ser contada, bem como defendo o direito inalienável dos familiares de saber o destino dos desaparecidos. Agora, acho que votamos uma anistia ampla, geral e irrestrita. Anistiados todos estão. Eu sou contra revisar a Lei da Anistia e acho que se está tratando de uma coisa delicadíssima, porque anistiamos a todos. E todos foram reintegrados, não se questionou a ação de ninguém, está tudo esquecido pela anistia, do ponto de vista jurídico. Digamos que vá se fazer uma limitação à anistia para tortura. Bem, não pode ter havido um caso de tortura entre prisioneiros de guerrilheiros? Ou de um sequestrado, o grupo de sequestradores pode ter torturado um sequestrado. Vamos abrir chagas muito graves na sociedade brasileira.
JC - E o resgate da história?
João Gilberto - Defendo o direito a saber de tudo. História é história. Defendo o sagrado direito das famílias de saber o que houve com seu familiar, onde foi sepultado, se o corpo foi cremado, se está em tal lugar, e o direito de dar um enterro decente. Repito, eu rejeito qualquer mudança na Lei da Anistia. Seria realmente um retrocesso e que pode até, em determinado tribunal ou circunstância, ser virada contra os próprios militantes de esquerda. Tentar criminalizar hoje o que aconteceu, eu sou contrário. Mas isso é um assunto muito complicado. Os meus melhores amigos ficam tristes quando digo isso, mas é o meu pensamento. Quando pedimos para a anistia ser irrestrita, quando lutamos para isso, era para ela ser irrestrita.

Perfil

João Gilberto Lucas Coelho, 64 anos, é natural de Quaraí. Radicado em Santa Maria, cursou Direito no Centro Universitário Franciscano e iniciou sua vida política no movimento estudantil, atuando na resistência contra a ditadura. Em 1972, elegeu-se vereador pelo MDB. Dois anos depois, foi para a Câmara dos Deputados, sendo reeleito em 1978 e 1982. Em 1986, concorreu ao Senado. Atuou no Centro de Estudos e Acompanhamento da Constituinte da Universidade de Brasília (UnB) e foi consultor no Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef). Em 1988, participou da fundação do PSDB, integrando a direção nacional por diversas vezes. Voltou ao Rio Grande do Sul em 1990 para ser o vice na chapa de Alceu Collares (PDT) ao governo do Estado. Depois de sua gestão (1991-1994), atuou no governo de Antonio Britto (PMDB) como secretário da Metade Sul. Foi presidente estadual do PSDB na década de 1990, mas afastou-se da vida partidária nos anos 2000. Em 2008, dirigiu o Fórum Democrático de Desenvolvimento Regional, da Assembleia Legislativa. Hoje, integra o Conselho Consultivo do Fórum dos Conselhos Regionais de Desenvolvimento (Coredes).

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