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Coluna

- Publicada em 14 de Outubro de 2014 às 00:00

Um musical bem brasileiro, criativo e encantador


Jornal do Comércio
A chamada ópera nasceu de um equívoco da leitura que os renascentistas e, depois, os românticos fizeram do fato de a sintaxe greco-românica estar baseada no tempo da sílaba - longa-breve - enquanto a nossa sintaxe baseia-se na sílaba tônica-átona. Assim, entendeu-se que a tragédia e a comédia eram cantadas: nascia a ópera, em suas variantes, e que Mario de Andrade abominava quanto à variante da ópera italiana. Por isso mesmo, ele idealizou uma ópera coletivista - O café, cujo libreto redigiu, esperando que Francisco Mignone escrevesse sua partitura musical, coisa que nunca aconteceu. 
A chamada ópera nasceu de um equívoco da leitura que os renascentistas e, depois, os românticos fizeram do fato de a sintaxe greco-românica estar baseada no tempo da sílaba - longa-breve - enquanto a nossa sintaxe baseia-se na sílaba tônica-átona. Assim, entendeu-se que a tragédia e a comédia eram cantadas: nascia a ópera, em suas variantes, e que Mario de Andrade abominava quanto à variante da ópera italiana. Por isso mesmo, ele idealizou uma ópera coletivista - O café, cujo libreto redigiu, esperando que Francisco Mignone escrevesse sua partitura musical, coisa que nunca aconteceu. 
Depois do romantismo, os austríacos tentaram suplantar a perspectiva trágica da ópera: nasceu a opereta, que alcançou imenso sucesso entre o público. O cinema norte-americano adaptou-a enquanto filme musical, que igualmente teve enorme receptividade do público. No Brasil, adoramos a ópera, cultivamos a opereta, assistimos com entusiasmo ao filme musical, mas raramente tentamos criar nosso próprio gênero. A borralheira, a que assistimos recentemente na ribalta do Theatro São Pedro, é um feliz e bem realizado ensaio quanto a esta criação.
A junção do trabalho de Vanessa Dantas (libretista), Wladimir Pinheiro (maestro e compositor) e Fabiana de Mello Souza (direção) resulta num espetáculo que equivocadamente surge dirigido às crianças. Na verdade, é uma inteligente, sensível e extremamente criativa obra, direcionada a todos os que tenham sensibilidade, com um levíssimo tom brejeiro bem brasileiro - neste caso, mais mineiro - que alcança excelente resultado: enredo bem organizado, trama sempre surpreendente e engraçada, personagens bem desenhados e ação dramática excelentemente bem equilibrada entre o dramático o cômico (jamais chegando ao trágico, evidentemente, que tragédia não tem como caber na terra brasílica). O resultado final é uma divertida obra que, talvez melhor que uma opereta brasileira, eu chamaria de musical brasileiro. Lembrei-me dos belos e excelentes musicais a que tenho assistido tanto em Lisboa quanto no Porto. Ali, como a referência imediata é o musical cinematográfico, ninguém duvida em referenciar este gênero. Aqui, como a referência é a ópera italiana, sobretudo - ainda bem - a de Giaccomo Rossini, fala-se em opereta, mas eu diria que a valorização do musical, quem sabe, rendesse maior atração para o público menos informado, mas que gosta deste tipo de espetáculo.
A produção carioca já havia realizado um primeiro espetáculo, explorando a musicalidade nordestina, O barbeiro sem ervilha, com excelente resultado. Agora, chegamos a esta A borralheira, que valoriza a musicalidade mineira. Dizem que o próximo espetáculo estará voltado para o Rio Grande do Sul e sua tradição sonora. Se conseguir fazer metade do que fez aqui, já terá alcançado resultado mais do que esperado.
O elenco é equilibrado, com destaque evidente para a intérprete da Borralheira, que tem bela tonalidade e segurança na frase vocal. O intérprete do pai e padrasto igualmente é bem qualificado; as duas irmãs são engraçadas e precisas em suas entonações, enquanto o herói da história, se não chega a entusiasmar, não compromete sua figura.
O conjunto musical é pequeno, mas sonoro e produtivo. O cenário de Glauco Bernardi alcança façanha admirável: com alguns poucos panos desenha e cria espaços, sugerindo profundidade e variedade de lugares; os figurinos de Heloísa Frederico são condizentes com o ambiente sugerido; o espetáculo, enfim, consegue atrair os pequenos e prender a atenção dos adultos, o que é uma vitória em si mesmo.
Em síntese, quem não viu, perdeu um grande espetáculo. Que bom tal iniciativa ter encontrado na Petrobras um apoio importante: certamente nossa estatal ganha melhor imagem com isso do que com as manchetes policiais das quais tem sido parte ultimamente. E a cultura brasileira, sobretudo, amadurece com tais experiências.
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