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50 ANOS DO GOLPE

- Publicada em 19 de Maio de 2014 às 00:00

Resistência feminina em tempos de ditadura


CAMILA DOMINGUES/PALÁCIO PIRATINI/JC
Jornal do Comércio
Até hoje, a sociedade brasileira convive com notícias sobre situações de opressão à mulher. Questões como a falta de representatividade feminina no poder público são pauta recorrente no movimento feminista. Elas, contudo, não se abstiveram durante a época da ditadura militar e foram à luta.
Até hoje, a sociedade brasileira convive com notícias sobre situações de opressão à mulher. Questões como a falta de representatividade feminina no poder público são pauta recorrente no movimento feminista. Elas, contudo, não se abstiveram durante a época da ditadura militar e foram à luta.
“Houve muitas mulheres, em 1964 e durante toda a ditadura, que lutaram junto com os homens. Elas faziam, inclusive, trabalhos mais perigosos, porque eram menos visadas pela polícia, como levar informações de um lugar a outro ou ir ao Uruguai entregar cartas aos exilados”, conta a doutora em Ciência Política e professora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs), Céli Regina Jardim Pinto.
As pessoas que participaram da resistência, segundo Céli, eram muito novas. “Todos eram extremamente jovens. Esses guerrilheiros eram pessoas que estavam em universidades e até mesmo em escolas, já que havia muitos movimentos importantes de estudantes do Ensino Médio. A ditadura militar, e isso é uma coisa muito importante que se saiba, prendeu, torturou e matou principalmente jovens, de 18, 19, 20, 21 anos”, enfatiza.
Conforme a estudiosa, a ditadura brasileira foi apoiada por um setor da Igreja Católica muito conservador. “Então, evidentemente, toda a ideia de libertação e poder das mulheres era muito malvista pelos militares. Mas as mulheres foram perseguidas não por serem mulheres, e sim porque eram de esquerda”, revela.
A tortura sofrida por elas nas prisões, contudo, era praticada de forma distinta da aplicada aos homens. “Há toda uma questão de sexualidade, em que a mulher é ameaçada. Se até hoje ela é ameaçada, imagina como era em 1964. Diziam que iriam estuprá-la e, às vezes, estupravam mesmo. Se ela tinha filhos, diziam que iam matar ou fazer mal aos seus filhos”, relata Céli.
A primeira coisa feita com uma mulher prestes a ser torturada, de acordo com a professora, era despi-la e colocá-la em frente a um grupo de homens. “Usavam o corpo da mulher para torturá-la, como mulher. Se enfiava um fio no útero e se dava choque. Eles diziam que, com isso, ela nunca mais poderia ter filhos. Era uma tortura real, muito dolorosa, muito violenta contra as mulheres, e nos órgãos sexuais, particularmente”, afirma.
Apesar de haver grande participação das mulheres na resistência, Céli garante que o número não era nem próximo ao de homens. “A política sempre foi uma atividade muito masculina e até hoje é, tanto que temos uma presença muito baixa das mulheres nessa área. Temos que pensar que uma mulher daquela época tinha nascido na década de 1940 ou no início da de 1950. Essa mulher foi criada em uma sociedade muito conservadora, que esperava que ela ficasse em casa e casasse virgem. Então, é evidente que uma mulher romper com tudo isso e ir para a luta armada não era o que se queria. E elas foram para a luta armada sim, combateram, foram guerrilheiras importantes e corajosas, como a nossa presidente e muitas outras que conhecemos”, assegura.

“Não há democracia com 50% da população sendo discriminada”, diz socióloga Lícia Peres

Uma das fundadoras do Movimento Feminino pela Anistia (MFPA) no Rio Grande do Sul, a socióloga Lícia Peres faz parte desse grupo que combateu a ditadura militar. Aluna de Ciências Sociais da Ufrgs na época, ela contribuiu com a luta estudantil. “As pessoas viviam com suas liberdades cerceadas. Os estudantes eram perseguidos e impedidos de ler obras indispensáveis para as suas formações”, comenta.
Nesse contexto, em certo dia de 1975, Dilma Rousseff telefonou para Lícia, pedindo a ela ajuda para organizar o movimento. “A atual presidente tinha ido ao México participar do 1º Congresso Internacional da Mulher e, quando retornou, quis organizar a luta nos estados. Ela me trouxe os papéis do Manifesto da Anistia e perguntou se eu aceitava essa tarefa. Eu aceitei e lembrei-me de colegas da faculdade, companheiras valiosas, que teriam interesse em contribuir”, recorda.
Esposa do jornalista e político Glênio Peres, Lícia começou a se reunir com mulheres como Francisca (Quita) Brizola, irmã do ex-governador Leonel Brizola, que estava exilado, e Mila Cauduro, candidata a deputada estadual em 1974. “Ao contrário do slogan dos militares, ‘Brasil, ame-o ou deixe-o’, nós dizíamos que não; que lugar de brasileiro era no seu país. Esse foi o primeiro movimento público organizado contra a ditadura”, salienta. Em nível estadual, o primeiro MFPA a ser formalizado foi em São Paulo, ficando com as gaúchas o segundo núcleo firmado pela anistia.
Conforme Lícia, Brizola tinha grande preocupação com os direitos das mulheres, o que se apresentou na Carta de Lisboa, confeccionada em 1979 por integrantes do antigo Partido Trabalhista Brasileiro (PTB). No texto, escrito do exílio por várias personalidades, ouviu-se pela primeira vez um partido falar sobre os direitos da mulher, da criança e do negro. “Você não pode ter democracia com 50% da população sendo discriminada”, opina a socióloga.
“O movimento feminino foi pioneiro. Pela primeira vez em toda a ditadura, organizadamente, um movimento se colocou contra o regime. Os militares diziam que, se você não se envolvesse com política, você não se incomodava, mas isso vivendo do jeito que vivíamos. Só quem viveu numa ditadura pode descrever o horror que é ter tudo censurado, ser vigiado, não ter direitos. Por isso que o nosso primeiro ato foi coletar assinaturas para criar a Lei da Anistia”, diz. Das 12 mil assinaturas recolhidas em todo o Brasil, seis mil foram no Rio Grande do Sul. “Eu tinha uma amiga, a socióloga Enid Backes, que assinou e foi ameaçada de ser demitida pelo diretor do colégio onde trabalhava, caso não recuperasse a assinatura. Ela foi de uma dignidade enorme, disse que não, que mantinha. Ele a chamou no dia seguinte - ela, viúva e com sete filhos para sustentar - e a demitiu. Havia esse enfrentamento. As mulheres tiveram papel histórico na luta contra a ditadura militar”, finaliza.
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