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Coluna

- Publicada em 25 de Abril de 2014 às 00:00

Aproximações e diferenciações


Jornal do Comércio
Como brasileiro, tive uma estranha reação ao chegar a Portugal, nestes dias, e assistir às grandes comemorações que marcam a passagem dos 40 anos da Revolução dos Cravos, o 25 de abril de 1974, quando acabou a ditadura do Estado Novo. No Brasil, lembramos os 50 anos de um acontecimento lamentável, o golpe de abril de 1964, mas estamos com uma certa expectativa positiva quanto à democracia, à situação econômico-financeira (apesar de tudo) e ao desenvolvimento imediato do País. Em Portugal, comemora-se um grande acontecimento, mas sob uma expectativa ainda negativa: se a situação democrática está consolidada, a questão econômico-financeira é altamente problemática e, de modo geral, os cidadãos portugueses são profundamente negativistas quanto ao futuro, mesmo que Portugal tenha retornado aos mercados financeiros internacionais.  

Como brasileiro, tive uma estranha reação ao chegar a Portugal, nestes dias, e assistir às grandes comemorações que marcam a passagem dos 40 anos da Revolução dos Cravos, o 25 de abril de 1974, quando acabou a ditadura do Estado Novo. No Brasil, lembramos os 50 anos de um acontecimento lamentável, o golpe de abril de 1964, mas estamos com uma certa expectativa positiva quanto à democracia, à situação econômico-financeira (apesar de tudo) e ao desenvolvimento imediato do País. Em Portugal, comemora-se um grande acontecimento, mas sob uma expectativa ainda negativa: se a situação democrática está consolidada, a questão econômico-financeira é altamente problemática e, de modo geral, os cidadãos portugueses são profundamente negativistas quanto ao futuro, mesmo que Portugal tenha retornado aos mercados financeiros internacionais.  

Os dois países enfrentam, além dessa profunda diferenciação, uma situação semelhante referente à preocupação quanto ao conhecimento que os jovens tenham sobre aos acontecimentos do passado relativamente ainda recente, mas aparentemente muito distante, quase jurássico, graças à maneira pela qual os jovens hoje sentem o tempo e seu decorrer. Neste sentido, as programações alusivas a ambos os acontecimentos têm maior preocupação de informar do que apenas relembrar. Claro que, neste sentido, cabem sempre novas interpretações, e a disputa pelas versões sobre os acontecimentos é mais do que evidente. No Brasil, a esquerda deita e rola: de modo geral, é a versão da esquerda, ou seja, de quem foi derrotado, perseguido, torturado e assassinado que tem prevalecido. Em Portugal, a direita igualmente tem espaço muito reduzido para se expressar, mas existe uma evidente disputa entre os diferentes grupos de esquerda e de centro-esquerda para fazerem suas próprias versões prevalecerem. 

Participando de recentes congressos no campo da comunicação social no país lusitano, tive a oportunidade de revisitar manchetes de jornais da época, cartazes alusivos aos acontecimentos, edição de dezenas de novas obras que procuram abordar a revolução. O acontecimento que mais me chamou a atenção, contudo, é o fato de o Legislativo português ter programado uma sessão solene para o dia 25 de abril, justamente esta sexta-feira, tendo convidado aos representantes dos antigos capitães da revolução, mas sem lhes conceder a palavra, o que levou a uma crise política: liderados pelo mesmo Vasco Lourenço, que comandou muitas das ações revolucionárias e hoje é o presidente da associação dos antigos capitães, negou-se a ir à Assembleia e preferiu marcar um ato paralelo (mesmo dia e mesmo horário) a ser realizado em praça pública. 

No entanto, à semelhança do Brasil, dezenas de livros encontram-se nas vitrinas de Lisboa e do Porto, como A flor e a foice, de J. Rentes de Carvalho; Os rapazes dos tanques, álbum de fotografias, de Alfredo Cunha e Adelino Gomes, repórteres testemunhas da época; País de abril, com poemas de Manuel Alegre; a antologia A revolução de abril, coordenada por Raquel Varela; Um homem tem que lutar, de Clara Pinto Correia; os romances de Lídia Jorge Os memoráveis (já nas livrarias) e de António Lobo Antunes, Caminho como uma casa em chamas; Otelo Saraiva de Carvalho teve a veleidade de publicar uma edição limitada de 1974 exemplares do livro Alvorada em abril (alusão ao ano, por certo), com autógrafo original em cada volume; Ana Sofia Fonseca assina Capitães de abril, recordando os acontecimentos.

Como no Brasil, também em Portugal multiplicam-se debates, projeções de filmes, edições especiais de jornais, exposições, e assim por diante. Por exemplo, a revista Visão histórica, de março do ano corrente, dedica toda a sua edição, sob o título Operação fim-regime, aos episódios de abril, mostrando dia a dia e hora a hora, a partir de documentos e entrevistas exclusivas, “as principais ações contadas pelos militares que as protagonizaram”, felizmente, boa parte ainda viva. 

Pessoalmente, li há pouco tempo o livro da historiadora Maria Inácia Rezola, intitulado 25 de abril - Mitos de uma revolução, que se propõe a fazer uma revisão daqueles acontecimentos, inclusive tendo acesso a documentos até então inéditos.

Tive a oportunidade, agora, de assistir a uma exposição de jornais do dia 25 de abril e da semana que se seguiu, a que se somaram cartazes comemorativos. A exposição é realmente emocionante, porque nos mostra as manchetes vivas dos jornais daqueles acontecimentos, a estupefação da população portuguesa e, ao mesmo tempo, a sua alegria ao descobrir que, enfim, de fato, estava a acabar o Estado Novo. Selecionei algumas dessas imagens, que ilustram esta página. Foi um momento importante para mim: recordei a emoção de ouvir Grândola vila morena, de Zeca Afonso, sobretudo porque, no Brasil, ainda estávamos sob a ditadura; de, quando trabalhando na sessão brasileira da Rádio Canadá Internacional, produzir um programa inteiro dedicado à Revolução dos Cravos que, então, completava seu primeiro ano de vida: era abril de 1975. O Brasil ansiava pelo fim da ditadura, mas em seguida sofreria o trauma dos assassinatos do jornalista Vladimir Herzog (recentemente rememorado) e do operário Manuel Ferreira Filho, que levaria Ernesto Geisel a demitir o general Frota do comendo do II Exército, em São Paulo, o que evidenciava o envolvimento formal dos militares com ações de tortura e de terror, como hoje, algumas vezes, se tenta negar. Tudo isso me passou pela memória. Ao ver as famosas fotos dos soldados homenageados pelos populares, que se apressaram a lhes oferecer flores e comida. Tudo isso passou: os militares estão recolhidos a seus quartéis. Aquelas lideranças, já aposentadas ou mortas. As aposentadas, sofrendo os mesmos cortes em seus proventos que os aposentados civis. 

Do mesmo modo que no Brasil, por certo, com uma diferença: lá, os militares são lembrados como libertadores que se limitaram a uma ação e garantiram a democracia. Aqui, ao contrário, os militares derrubaram um governo legítimo e, com ele, cassaram a democracia.    

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