Corrigir texto

Se você encontrou algum erro nesta notícia, por favor preencha o formulário abaixo e clique em enviar. Este formulário destina-se somente à comunicação de erros.

INOVAÇÃO

- Publicada em 07 de Abril de 2014 às 00:00

A hora da verdade para as startups


MARCELO G. RIBEIRO/JC
Jornal do Comércio
Mais que boas ideias, startups, ou empresas nascentes com o fator inovação, precisam ter bons planos, convencer sobre os produtos, formar rede de clientes e provar que são atraentes para investidores. As tarefas são facilitadas por ferramentas de gestão e ações de organismos públicos e do setor privado que ajudam a superar barreiras.

Mais que boas ideias, startups, ou empresas nascentes com o fator inovação, precisam ter bons planos, convencer sobre os produtos, formar rede de clientes e provar que são atraentes para investidores. As tarefas são facilitadas por ferramentas de gestão e ações de organismos públicos e do setor privado que ajudam a superar barreiras.

As empresas nascentes, populares startups, caíram na real do mercado brasileiro. Depois de ganhar fama e atenção de potenciais investidores e merecerem programas exclusivos de aporte financeiro de governos e organismos de fomento, o setor precisa agora mostrar serviço. O que é exigido de uma empresa madura, que é dar resultado, também entra no radar quando se trata das novatas. Aumentou a cobrança sobre a veracidade de planos e de organização para dar lucro. Para isso, ferramentas disponíveis na internet ou desenvolvidas por instituições que atuam com o segmento tornam mais digeríveis as ações de gestão.

“O maior peso hoje está no modelo de empresa, depois vem solução tecnológica e time (que atua na empresa)”, avisa o diretor de tecnologia da informação (TI) do Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), Rafael Moreira. A ressalva de Moreira não é à toa. Depois de testar programas como o Prime (Primeira Empresa Inovadora), em 2009, com repasse de verbas a fundo perdido e que expôs despreparo de parte das beneficiadas, o governo resolveu formatar o Startup Brasil, lançado em 2013 e que terá a terceira seleção neste ano, que valoriza estratégia para ter clientes, potencial de gerar mais receita e como transformar tudo isso em dinheiro. Três rodadas somarão quase R$ 60 milhões para cerca de 180 negócios. 

O diretor de TI da pasta aponta que um dos trunfos da iniciativa foi construi-la com o ‘ecossistema’ das startups – empresas, entidades do setor, aceleradoras e mercado que acessa investidores. Outra mudança foi repassar recursos para custear bolsas a profissionais de alto nível (mestres e doutores), custo que determina sustentação dos planos. Na curadoria do programa, aceleradoras são selecionadas e colam nos projetos. “Elas acompanham a execução, o faturamento e a base de clientes”, explica o gestor do MTCI. 

Entre as plataformas mais populares para desenhar um modelo de negócios está o Canvas, disponível gratuitamente na internet e idealizado pelo suíço Alexander Osterwalder. O instrumento virou sensação porque dispõe os itens a serem atendidos de forma mais lúdica e em sequência nada usual. O circuito do Canvas, estampado na parede do escritório da Superplayer (uma sala, compartilhada com outra empresa, e duas mesas repletas de notebooks), expõe as descrições de produto, mercado, clientes, estratégia comercial e receitas, e não é abandonado por nada. Os donos da Superplayer acreditam que a disciplina para seguir o que está escrito na parede fez a diferença para ser uma das 62 empresas brasileiras selecionadas — e única gaúcha — pela segunda rodada do Startup Brasil em 2013. O prêmio é um aporte de R$ 200 mil para remunerar profissionais.

Com um ano de operação completado em 1 de abril, a Superplayer já é uma das líderes de plataformas de rádio on-line no País, com pacotes de programação musical sob medida para cada momento do dia da rotina dos seus 2 milhões de assinantes. O sócio da empresa Gustavo Goldschmidt, engenheiro mecânico de formação, é adepto das métricas e metodologias. A plataforma foi idealizada pelo irmão Cassio, que atua na área de TI e reside há 20 anos no Vale do Silício (Estados Unidos). Antes de lançar o negócio, testado na rede para medir a aceitação, Goldschmidt revela que um aprendizado é ter resposta rápida do que o usuário quer. “Nunca fazemos o mesmo produto, no mesmo lugar e ao mesmo tempo. Lançamos, e os indicadores ajudam a medir resultado rapidamente”, detalha o sócio da rádio on-line. 

A diretora de operações da Associação Brasileira de Startups (Abstartup), Rosi Rodrigues, opina que não há capacidade de gestão dos empreendedores. “Falta mesmo maturidade para entregar o que prometem. Hoje, têm recursos para boas ideias, com planos de negócio”, rende-se Rosi. A Abstartup surgiu em 2011 para ajudar a acelerar a solução dessas limitações. “Vemos projetos com muita inovação, mas, na hora de argumentar sobre mercado, há muito desequilíbrio”, detecta a dirigente. Lidar com investidores de risco que exigem retorno rápido de olho na saída do negócio pode ser mais viável se os inovadores também ajustarem sua gestão. “E não adianta reclamar que mesmo sendo startup precisa sair fazendo dinheiro do momento zero. Essa é a vida de toda empresa.” Sócio e diretor executivo da CRP Companhia de Participações, com fundo de venture capital com R$ 100 milhões em caixa, Dalton Schmitt Junior confirma que estágio inicial não pode prescindir de planejamento e dimensão dos riscos do potencial envolvido. “Mas construir um plano com todos os elementos não é algo óbvio”, compartilha Schmitt.

Rede de apoio preenche deficiências de projetos

Os sócios Vinicius Dittgen e Daniel Hartmann recebem orientação de Peroni (esquerda), da Semente Negócios | FREDY VIEIRA/JC

Enquanto não consegue cair nas graças de um investidor disposto a correr riscos, os sócios da Simbio, Vinicius Dittgen e Daniel Hartmann, armam-se de curadores e cumprem uma das primeiras etapas da escalada de uma startup. Eles contam com apoio e recursos financeiros aportados por uma aceleradora (formada por pessoas que ajudarão a desenvolver os negócios e que aportam investimento para isso). E não foi páreo fácil — a empresa foi uma das quatro escolhidas entre 145 candidatas. A startup, com sede em Porto Alegre, desenvolveu um sistema de gestão para facilitar negócios em rede para o segmento de micro e pequenas empresas.

A Simbio, que já venceu prêmios de inovação como o da IBM, mas não conseguiu emplacar vaga na peneira rigorosa do Startup Brasil (programa do governo federal), terá R$ 150 mil da aceleradora gaúcha  WOW para desenvolver a operação por prazo de seis meses. O teste para provar que consegue entregar receita pode definir o futuro do projeto e dos empreendedores, que em 2013 também tiveram recursos de um investidor anjo, quando é pessoa física que aposta na inovação. “O primeiro recurso serviu para desenvolver o projeto, mas ficamos muito tempo nele. É hora de gerar resultados, e sabemos agora como fazer”, confia Dittgen, que admite as fragilidades. “Tínhamos a ideia clara de como fazer, mas sem estudo do negócio ou estratégia de como andaria. O nosso problema era comunicar e provar que o sistema era inovador”, descreve o sócio da Simbio.

A nova fase envolve formar uma equipe qualificada e que deve atuar em sintonia, desafio de toda empresa nascente, adverte Bruno Peroni, diretor da Semente Negócios. A startup, criada para promover a educação empreendedora, atua junto a universidades gaúchas e organismos de apoio como Sebrae para formar modelos e uma cultura ajustados ao universo desses novos negócios. A Semente firmou acordo com a WOW para reforçar a gestão. “Formamos a categoria de base”, traduz o diretor da Semente. Na base, está manejar metodologias de gestão, acompanhar métricas, desenvolver marketing e ação comercial e ter uma equipe de trabalho afinada. “De cada dez startups, uma explode, é esta que ajuda a pagar as outras”, ilustra Peroni, referindo-se a resultados de quem aporta recursos nos negócios e quer ver o dinheiro render.

Garantia aportada pelos pais permite acesso a crédito em banco

A família costuma ser decisiva nos primeiros anos de vida de uma pessoa e, agora, nos primeiros e decisivos passos de uma empresa nascente. Para o empresário novato da Egalitê em Porto Alegre, Marcelo Rodrigues, 26 anos, foi o apoio do pai, que colocou um imóvel como garantia real, que abriu caminho para acessar financiamento do programa Inovacred, do Badesul. O caso foi inusitado até para a diretoria da agência de fomento. Entre as barreiras no aporte a negócios inovadores está atender a requisitos de garantias reais, exigência padrão de instituições financeiras para reduzir riscos. “Garantia pode ser problema para um negócio nascente, e a solução do pai surgiu após muita negociação”, informa o diretor de participações e inovação do Badesul, Luis Felipe Maldaner, que lembra: “Quando o empreendedor acredita no projeto, dá certo.”   

“O banco queria garantia, e usamos a relação de família”, traduz Rodrigues, que foi o primeiro a contratar o Inovacred no Estado, em 2013, fator que deu condições para escalar um novo patamar do negócio. A Egalitê (adaptação de ègalitè, que é igualdade, em francês) surgiu em 2007 como projeto do então estudante de Direito em uma maratona de empreendedorismo. A ideia, que conseguiu ingressar na incubadora Raiar, da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (Pucrs), propôs um sistema digital para aproximar empresas com vagas para deficientes dos potenciais candidatos. A legislação brasileira prevê cotas para  pessoas com deficiência de acordo com o quadro de funcionários. Uma das dificuldades é preencher os postos de trabalho, e a inovação da Egalitê foi dar a solução para o problema. “Depois de muitos estudos, criamos uma plataforma on-line para encontrar o perfil adequado a cada oportunidade”, explica Rodrigues. 

O empresário novato destaca que o crédito permitiu um novo estágio do negócio, ampliando profissionais e tecnologia, principais custos das startups. Foi possível abrir uma unidade em São Paulo para atender contas nacionais. Hoje, a carteira tem 80 empresas, como Ambev e fraqueados da Pizza Hut, e um cadastro de dez mil trabalhadores. “A meta é chegar a 50 mil candidatos a vagas até 2018, consolidar a receita e atrair um investidor que acredite na causa social”, revela o jovem, que aplica cada parte dos R$ 290 mil obtidos do banco seguindo o plano de negócio e demonstrando serviços.

O case de Rodrigues serviu para dosar regras de contratação de recursos e entender à dinâmica de startups no Badesul.  “É outra forma de pensar quando se fala neste setor”, aprende Maldaner. Entre os mecanismos, está tolerar menor nota de risco. Também é dado suporte para detalhar a ideia. “Não tem outro jeito. É uma empresa sem história de venda”, justifica o diretor do banco. Mas nada é solto. O Badesul formou um comitê de aconselhamento, com especialistas de universidades. “Eles atestam o que é inovação”, assegura-se o diretor. Telmo Strohaecker, professor de Engenharia da Ufrgs, diz que o exame previne aventuras frustradas. “O foco é o potencial de inovação. Avaliamos se o projeto tem chance de retorno e como está estruturado”, explica Strohaecker. Cristiano Rischter, diretor de negócios e relações internacional da Unisinos, que está no comitê, ressalta que as empresas precisam de ambiente para inovar, que deve unir as universidades e centros de pesquisa. “Não é só crédito ou talento de empreender.”

Gestores de recursos e universidades reforçam apoio a empreendedores

Programas ajudam startups a moldar estratégia e avaliar potencial de mercado

Gestores de investimento e universidades reforçam estruturas e atuação para ajudar empreendedores a preencher requisitos de formatação do negócio. O foco é aumentar as chances da operação nascente na hora de pleitear capital e brigar por mercado. As ações unem mentores (que podem aportar experiência e abrir canais de potenciais investidores), expertise de centros de pesquisa e de suporte a incubadores e avaliações sobre eventuais riscos associados à inovação, que costumam estar no visor de gestores de capitais dispostos a correr mais riscos. A diretora de operações da Associação Brasileira de Startups (Abstartups), Rosi Rodrigues, ressalta que formar uma rede de apoio e de troca de experiências (espécie de networking) pode minimizar um mal comum ao setor. 

“As startups abrem e fecham muito rápido, só não podemos deixar o potencial empreendedor morrer”, endereça Rosi. A Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (Pucrs) criou o Programa de Aceleração de Empreendimentos (Proa), que reúne na mesma plataforma instrumentos de estruturação do projeto, centros de pesquisa e aconselhamento e um time de empreendedores. São canais existentes na Pucrs. O Proa é operado pela Agência de Gestão de Empreendimentos (AGE), que uniu três pontas para criar o ambiente favorável ao desenvolvimento de projetos nascentes — braço público, por meio do Banco Regional de Desenvolvimento do Extremo Sul (BRDE), a universidade e um grupo de consultores (que desempenham o papel de mentores) de primeira linha — empresários de grandes empresas que voluntariamente avaliam e auxiliam os pretendentes a um dia fazer a diferença no mercado.

O diretor da AGE, Leandro de Lemos, assinala que é a chance de submeter a ideia a empresários de companhias como Randon, Gerdau e Zaffari, que integram o conselho da agência. É comum que mentores percebam o potencial dos projetos e facilitem na ativação de eventuais investidores. Ao Proa, recorrem candidatos de todo o País e exterior, com o atrativo de ser gratuito. Hoje, são 24 participantes.  Qualquer empresa pode enviar carta de intenção à AGE. “As startups são geralmente excelentes ideias, mas que precisam de aconselhamento e interação com universidades”, justifica Lemos. O período de permanência no programa é de 24 meses.  

O mecanismo adotado, segundo Lemos, instaurou uma etapa de preparação das candidatas. “Antes de levar ao conselho da AGE, onde estão os três braços, aplicamos modelos de concepção do negócio e sistema de avaliação do potencial da inovação”, explica o diretor da agência. No estágio inicial, a equipe técnica insere os empreendedores na metodologia exclusiva do programa (a strategic design) e processa o valuation (técnica do ramo financeiro para precificar o potencial de geração de valor, a partir do exame de fluxo de caixa descontado e outros parâmetros, como múltiplos de mercado para comparar o potencial do projeto com outros de mercado). “Com as duas ações, conseguimos dimensionar o potencial, que não seria possível apenas com instrumentos tradicionais, pois se trata de mercados novos. Como projetar cinco anos de algo que não tem uma história?”, justifica Lemos. 

O sistema é alternativa aos planos de negócios e modelos como o Canvas, disponível gratuitamente na internet. “Nem sempre é dinheiro que a startup precisa, mas de inteligência, eficiência e estratégia, e cada uma tem uma caminhada própria”, resume o diretor da AGE. O sócio e diretor executivo da CRP Companhia de Participações, Dalton Schmitt Junior, que opera fundos de investimento e tem a tarefa de encaixar expectativa de ganhos com promessas de retorno, reforça que a decisão sobre startups é tarefa mais difícil por se tratar de áreas novas ou segmentos inovadores. “A leitura dos riscos e retornos são bem mais difíceis e complexas”, observa o executivo. A CRP costuma se aprofundar no ambiente do negócio. “O empresário deve saber o que quer e ter crença nos caminhos de execução, e visão dos riscos envolvidos”, ressalta Schmitt, que aponta ser comum a gestora ajudar na definição dos caminhos de execução do plano.

Conteúdo Publicitário
Leia também
Comentários CORRIGIR TEXTO