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50 ANOS DO GOLPE

- Publicada em 03 de Abril de 2014 às 00:00

Imprensa seguia determinações da censura no regime militar


GILMAR LUÍS/JC
Jornal do Comércio
Em 1975, o jornalista Paulo Markun, com pouco mais de 20 anos de idade, substitui Vladimir Herzog no jornal Opinião, que fazia parte da imprensa alternativa da época. Quando Herzog volta dos Estados Unidos com a mulher e os filhos, assume a direção da TV Cultura, nomeado pelo governo do estado de São Paulo, e convida Markun para ser o chefe de reportagem. Markun lembra do que chama “de olho do furacão” numa época em que atuava no Partido Comunista Brasileiro. Herzog também atuava no partidão, que, na época, era clandestino, mas não tinha um papel de militância direta ou estratégica.
Em 1975, o jornalista Paulo Markun, com pouco mais de 20 anos de idade, substitui Vladimir Herzog no jornal Opinião, que fazia parte da imprensa alternativa da época. Quando Herzog volta dos Estados Unidos com a mulher e os filhos, assume a direção da TV Cultura, nomeado pelo governo do estado de São Paulo, e convida Markun para ser o chefe de reportagem. Markun lembra do que chama “de olho do furacão” numa época em que atuava no Partido Comunista Brasileiro. Herzog também atuava no partidão, que, na época, era clandestino, mas não tinha um papel de militância direta ou estratégica.
Nesta entrevista ao Jornal do Comércio, Markun fala do assassinato do colega e amigo Herzog, da atuação da imprensa e de sua prisão no DOI-Codi de São Paulo, onde o amigo foi morto pelos militares, no dia 25 de outubro de 1975. Dias depois do assassinato, na época travestido de suicídio pelos agentes da repressão, reuniu mais de 5 mil pessoas em um ato na Catedral da Sé. Foi a primeira manifestação popular mais expressiva contra a tortura e os assassinatos e marcou a distensão política que culminou no retorno dos exilados ao Brasil, em 1979.
Jornal do Comércio - Quando você foi preso, dia 17 de outubro, o jornalista Vladimir Herzog, não tinha noção de que poderia ser o próximo?
Paulo Markun – Por intermédio do meu pai e da minha irmã, mandei um recado dizendo que ele seria preso. Ninguém imaginava que ele seria preso. Deve ter pensado: “Se eu tenho este cargo aqui oficial (foi indicado por José Mindlin, então secretário da Cultura de São Paulo, que era da Arena, partido que deu sustentação política ao regime), os caras não vão me matar. Posso ser preso, perder o emprego”. Mas não se tinha a noção clara de que isso ia acontecer. E não existia uma organização que pudesse abrigar essas pessoas. Quem conseguiu fugir foi por meios amadores, se escondendo na casa de um primo, num sítio. Os que se safaram só se apresentaram depois da morte do Vlado, porque a tortura tinha parado temporariamente.
JC - Associar Herzog à KGB foi um factoide para justificar a versão de suicídio ou, realmente, a repressão tinha esta linha de investigação?
Markun – Pois é, não tenho a menor ideia. Acho, e é pura especulação da minha parte, que a morte dele parece ter sido um acidente mesmo, por ele (o torturador) ter se irritado por Vlado eventualmente ter rasgado o bilhete de sua confissão, ou qualquer coisa do gênero. Haveria duas hipóteses para esta morte. Uma seria algo intencional para criar um caso grave, que não me parece consistente. E outra é a de que o cara (torturador) errou a mão, o Vlado tinha algum problema cardíaco ou outra fraqueza e morreu. E, quando morreu, eles tinham que limpar a área da forma mais apressada possível. Isso resultou na retirada do corpo de onde foi morto, na construção daquela cena que virou uma foto forjada e uma explicação de que ele era agente da KGB. A participação do Vlado no PCB era lateral, era uma militância consciente, mas sem relevância do ponto de vista da estrutura. E muito menos o Partido Comunista tinha força para ter agente da KGB.
JC – Como se portou a cobertura da imprensa no caso Herzog?
Markun – A cobertura do caso Herzog só decolou depois da morte de Manuel Fiel Filho (metalúrgico morto pelos militares no DOI-Codi de São Paulo, em 1976. A versão oficial do Exército dava conta que ele se enforcou com as próprias meias). Antes disso, é muito modesta a cobertura. A matéria boa mesmo foi a que a revista Veja fez, na gestão de Mino Carta, e que foi inteiramente censurada. O jornal Opinião, onde Vlado foi editor, não pode dar uma linha sobre o assunto, apenas reproduzir a nota oficial do II Exército. As televisões e rádios seguiam as determinações da censura. Às vezes, eu lembro de colegas que militaram na área (jornalismo) com “outros crachás” e que hoje se apresentam como grandes baluartes da democracia e da liberdade, mas que, naquela época, faziam o jogo direitinho. Eu lembro de uma recomendação que recebi de três ou quatro jornalistas importantes a quem eu fui pedir emprego depois de ser demitido sumariamente da TV Cultura: “olha, você tem que sair do Brasil, aqui ninguém vai te dar emprego”.  Eu tinha 23 anos, então, não era muito mole a coisa.
JC - A mesma imprensa que sustentou o início do golpe sentiu o revés com a morte de Herzog?
Markun – De 1968 a 1975, houve muita censura nas redações, que depois foi suspensa. No próprio episódio do Vlado, o jornal O Globo, entre outros, publicou uma versão produzida pelos órgãos de repressão com a explicação da morte dele, de que  teria se suicidado porque tinha sido identificado como agente da KGB sem que isso fosse caracterizado como uma nota oficial do Exército, ou seja, O Globo assumiu a autoria do que publicou. A reação à morte do Vlado se dá em função da mobilização dos jornalistas e estudantes e um pouco da ação do grupo do Estado de S. Paulo, que deu espaço para contestar a versão oficial do suicídio. O Jornal Nacional, por exemplo, noticiou a nossa libertação, éramos cinco jornalistas presos (Rodolfo Konder, George Duque Estrada, Frederico Pessoa da Silva e Antony de Christo), para acompanhar o enterro do Vlado. Ele não noticiou e não colocou em dúvida a versão oficial de que teria sido suicídio, mas a repercussão do caso pela mobilização dos jornalistas foi tamanha – e pelo fato que envolvia uma briga interna do governo entre a extrema direita com a direita menos extrema – que fez com que o assunto se tornasse público pelos jornais.
JC – Como avalia o papel da imprensa durante o regime militar?
Markun – Estou terminando um livro sobre a ditadura, e o capítulo reservado à imprensa alternativa, por exemplo, na qual eu militei, se reserva a dois parágrafos. Porque as consequências efetivas da ação resistente da imprensa foram modestas por conta da violência com que a censura atuou. A censura à imprensa sai do Estado de S. Paulo – porque, em outros veículos, como a Veja e na televisão, ela continuou – dentro da concepção de uma distensão política de Golbery (do Couto e Silva, chefe da Casa Civil) e do (presidente Ernesto) Geisel. Só a partir daí algumas denúncias começam a ser reverberadas pela imprensa. A censura se dava de duas maneiras: em alguns veículos, com a presença do censor. Mas, em muitos veículos, havia a anuência de seus proprietários às regras estabelecidas. Havia tentativas... Eu trabalhei no jornal Opinião, tinha o jornal Movimento, vários órgãos alternativos foram trincheiras de lutas. Mas, se você pegar hoje e tentar ler a história do Brasil por intermédio destes jornais, você não encontrará. Hoje, é completamente diferente. Hoje, o cerceamento da imprensa se dá, de um lado, pelo Judiciário e, de outro, por decisões empresarias que fazem, por exemplo, que não haja um jornal ou revista pujante sequer de apoio ao governo, se é que o governo é de esquerda hoje. Às vezes, a gente tende a enxergar o passado com uma cor dourada que ele não teve.
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