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50 ANOS DO GOLPE

- Publicada em 31 de Março de 2014 às 00:00

Em clima de Guerra Fria, militares derrubaram Jango


MUSEU DE PORTO ALEGRE JOAQUIM JOSÉ FELIZARDO/DIVULGAÇÃO/JC
Jornal do Comércio
Com o plano internacional cada vez mais dominado pelo clima bipolar de Guerra Fria, na década de 1960, marcado por áreas de influência dos Estados Unidos e do ideário capitalista, de um lado, e, de outro, pela incidência dos países do bloco socialista, com a liderança da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS), o Brasil não estava imune, e as disputas ideológicas se reproduziam no plano interno do País, chegando ao clímax na passagem de 31 de março para 1 de abril de 1964.
Com o plano internacional cada vez mais dominado pelo clima bipolar de Guerra Fria, na década de 1960, marcado por áreas de influência dos Estados Unidos e do ideário capitalista, de um lado, e, de outro, pela incidência dos países do bloco socialista, com a liderança da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS), o Brasil não estava imune, e as disputas ideológicas se reproduziam no plano interno do País, chegando ao clímax na passagem de 31 de março para 1 de abril de 1964.
Foi quando o general Olympio Mourão Filho, da 4ª Região Militar e da 4ª Divisão de Infantaria do I Exército, sediados em Juiz de Fora (MG), deu início ao movimento de tropas - logo seguido pelas Forças Armadas em quase todo o Brasil - que culminaria com a derrubada do presidente João Goulart (PTB) e colocaria a nação sob uma ditadura.
O preâmbulo do golpe já havia sido dado em agosto de 1961, quando o presidente Jânio Quadros (PTN) renuncia, com sete meses de governo, e os militares declaram-se contrários à posse do vice-presidente João Goulart, popularmente conhecido como Jango, que estava em viagem oficial à China e era do antigo PTB, herdeiro do populismo de Getúlio Vargas. O movimento da Legalidade, capitaneado pelo então governador do Rio Grande do Sul, Leonel Brizola, na época também do PTB, defendeu a posse de Jango, que só foi possível com uma articulação política no Congresso Nacional que lhe tirou poderes, instituindo no Brasil o regime parlamentarista.
Segundo o professor Enrique Serra Padrós, do Programa de Pós-graduação em História da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs), havia uma certa instabilidade política originada por várias causas. “De um lado, havia uma crise econômica e social que se arrastava desde o governo JK (Juscelino Kubitschek)”, lembra o historiador, apontando ainda “uma certa perplexidade” entre os apoiadores de Jânio Quadros, com sua renúncia, pois Jango era da chapa opositora.
“Cabe lembrar que, naquela época, a eleição era separada. É evidente que a UDN e o PSD, que haviam apoiado Jânio, fizeram de tudo para evitar a posse de seu maior inimigo político (em 1961), pois representava interesses econômicos bastante antagônicos”, avalia. O presidencialismo só retornaria em 24 de janeiro de 1963, após sair vitorioso em um plebiscito realizado em 6 de janeiro daquele ano.
Março de 1964 foi um mês conturbado, com os quartéis, a classe média e os partidos conservadores, com a União Democrática Nacional (UDN) à frente, em extrema ebulição, especialmente depois do histórico comício da Central do Brasil, realizado em 13 de março, no centro do Rio de Janeiro, quando Jango anunciou as “reformas de base” a um público estimado em 200 mil pessoas. “Não apenas pela reforma agrária, mas pela reforma tributária, pela reforma eleitoral ampla, pelo voto do analfabeto, pela elegibilidade de todos os brasileiros, pela pureza da vida democrática, pela emancipação, pela justiça social e pelo progresso do Brasil”, declarou o presidente, para delírio dos presentes. Padrós observa que Jango governou sem maioria no Congresso Nacional e foi buscar apoio nas massas para sensibilizar o Parlamento.
Porém, se, por um lado, as palavras de Jango agradavam aos sindicatos de trabalhadores e aos segmentos mais populares da nação, por outro, foram a força catalisadora da reação conservadora. A voz do presidente era considerada provocadora demais: “Dirijo-me a todos os brasileiros, não apenas aos que conseguiram adquirir instrução nas escolas, mas também aos milhões de irmãos nossos que dão ao Brasil mais do que recebem, que pagam em sofrimento, em miséria, em privações, o direito de ser brasileiro e de trabalhar sol a sol para a grandeza deste país”, disse, logo no início da fala, para depois denunciar uma “campanha de terror ideológico e sabotagem” contra seu governo.
Como se antevisse o desfecho, o presidente trabalhista apontou o perigo dos movimentos conservadores que se diziam guardiões da democracia. “Democracia para esses democratas não é o regime da liberdade de reunião para o povo: o que eles querem é uma democracia de povo emudecido, amordaçado nos seus anseios e sufocado nas suas reivindicações”, previu. Não tardaram a pipocar em cidades brasileiras passeatas de um movimento intitulado Marcha da Família com Deus pela Liberdade - ideia retomada, mas sem adesão expressiva nos atos realizados neste ano -, de cunho conservador e anticomunista. A primeira delas aconteceu na capital paulista, em 19 de março de 1964, e reuniu cerca de 500 mil pessoas, mostrando o nível de cisão que dominava a sociedade brasileira naquele momento. Esteve presente na marcha de São Paulo o governador Carlos Lacerda (UDN), do estado da Guanabara (atual território do município do Rio de Janeiro, era o antigo Distrito Federal do País, deixando de sê-lo com a mudança da capital federal para Brasília em abril de 1960; permaneceu como estado até 1975, quando foi incorporado ao estado do Rio de Janeiro). Com outros governadores, como o gaúcho Ildo Meneghetti (PSD), o mineiro Magalhães Pinto (UDN) e o paulista Adhemar de Barros (PSP), Lacerda viria a apoiar o golpe desencadeado a partir de 31 de março de 1964. Ironicamente, Lacerda e Barros tiveram os mandatos cassados pouco tempo depois, quando perceberam que a ditadura estava instaurada e que não haveria eleições tão cedo, passando a criticar o regime.
Segundo o professor Padrós, setores que apoiavam Jango esperavam que houvesse uma reação organizada por lideranças políticas, como em 1961, na Campanha da Legalidade. “A ausência dessa iniciativa fez com que muitas manifestações de apoio, promovidas por sindicalistas, estudantes, militantes do PTB, ou até algumas unidades de marinheiros e sargentos, acabassem engolidas diante da ação golpista e, rapidamente, sofressem um processo de refluxo.”

‘O presidente da República converteu-se em chefe de um governo comunista’

Proclamação do General Olympio Mourão Filho, que deu início ao golpe de 1964
“Faz mais de dois anos que os inimigos da ordem e da democracia, escudados pela impunidade que os escudou o primeiro mandatário nacional, estão atuando sem respeitar as instituições, desmoralizando as Forças Armadas, diluindo o respeito devido às autoridades públicas em qualquer nação civilizada, e, inclusive, lançando o povo num ambiente de temor. As espúrias organizações do sindicalismo político, manobradas por inimigos do Brasil, comunistas confessos, mas audazes desde que foram estimulados pelo presidente da República, procuram infundir em todo o mundo a certeza de que falam em nome do trabalhador brasileiro, quando o certo é que falam em nome de um Estado estrangeiro, cujos interesses imperialistas servem em caráter criminoso e subversivo para trair a Pátria brasileira. (...)
Na certeza de que o chefe do governo está a ponto de executar mais um de seus passos do processo de anular as liberdades cívicas, as Forças Armadas e, em seu nome, o humilde soldado que firma este manifesto, não podem guardar silêncio ante semelhante crime, sem estar com ele ou ser seu cúmplice.
Por esta razão, chamamos todos os brasileiros, civis ou militares, a unirem-se conosco e ajudar-nos a restaurar no Brasil a soberania da Constituição e o predomínio da boa fé em sua execução. O presidente da República, que abertamente se nega a cumprir seus deveres constitucionais, converteu-se em chefe de um governo comunista, com o objetivo de solapar a continuidade da lei, mantida pela ordem judicial.”
Juiz de Fora (MG), 31 de março de 1964.
General Olympio Mourão Filho, comandante da 4ª Região Militar e da 4ª Divisão de infantaria.

‘Não recuarei, não me intimidarei e reagirei’

Pronunciamento de Jango na Rádio Nacional, na noite de 1 de abril
“Da capital da República, dirijo-me à Nação, no momento em que as forças reacionárias desencadeiam, mais uma vez, o golpe contra as instituições democráticas e contra a liberdade econômica da Pátria. Na plenitude dos poderes constitucionais que o povo me legou, que o povo ratificou em memorável pronunciamento, reafirmo a minha inabalável decisão de defender intransigentemente, numa luta sem trégua, este mesmo povo contra as arremetidas da prepotência política e da opressão do poder econômico.
Sei que o povo reconhece o verdadeiro significado das pressões a que meu governo está atento. Meios para salvaguardar os mais legítimos interesses da Nação tive que adotar no plano internacional, na política externa independente, e, no plano interno, medidas inadiáveis de proteção a sua espoliada economia. Arrastei assim o ataque odiento dos impatrióticos interesses contrariados. (...)
Exploram o sentimento religioso, como se meu governo não fosse daqueles que, na história da República, mais se empenharam em contar com o prestígio, consideração e respeito dos dignatários do episcopado, do Clero da Igreja Católica e dos demais credos religiosos. Mistificam com a superexploração do perigo comunista, como se não fossemos uma democracia plantada irremediavelmente no coração da nossa gente.
Estou firme na defesa e do lado do povo, no povo em quem acredito e deposito a certeza da vitória da nossa causa. Não recuarei. Não me intimidarão. Reagirei aos golpes dos reacionários, contando com a bravura, lealdade e a honra das forças militares e a sustentação das forças populares do nosso País.”
Presidente da Repúbica, João Goulart.
Trecho do discurso proferido por meio da Rádio Nacional, direto de Brasília, às 23h30min de 1 de abril de 1964.
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