A abertura oficial do Fórum Mundial de Educação Temático – Pedagogia, Região Metropolitana e Periferias (FME-PRMP), realizada ontem, coincidiu com uma data muito importante para os professores brasileiros – a celebração dos 50 anos do Programa Nacional de Alfabetização, criado por Paulo Freire. O sistema consiste numa proposta de alfabetizar adultos. Na época, o educador ensinou 300 cortadores de cana a ler em apenas 40 horas de aula, sem cartilha. O presidente do Instituto Paulo Freire, Moacir Gadotti, esteve presente na ocasião para falar sobre a trajetória percorrida pelo Brasil na educação, durante esse meio século. Gadotti, que também é professor na Universidade de São Paulo (USP), concedeu uma entrevista para o Jornal do Comércio após a cerimônia, dando seu parecer sobre o evento e a relação da territorialidade com o assunto.
Jornal do Comércio - Como foi a abertura do evento, da qual o Instituto Paulo Freire participou?
Moacir Gadotti - Foi um excelente começo, com falas muito boas do prefeito de Canoas, Jairo Jorge, com um discurso incisivo a favor de uma educação emancipadora, e da ministra-chefe da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, Maria do Rosário, lembrando que neste ano o Programa Nacional de Alfabetização, de autoria do educador Paulo Freire, celebra 50 anos. E isso ocorre exatamente hoje (ontem): 21 de janeiro de 1964, quando foi realizado o primeiro programa, desenvolvido desde 1962. Ele organizou 62 mil ciclos de cultura, apoiado por um gaúcho chamado João Goulart (o presidente), que esteve na experiência do plano piloto, em Angicos. Ele disse: temos que fazer isso no Brasil inteiro. E o Jango realmente tinha vontade e disposição política para fazer. Vivíamos um momento histórico fantástico, com todo um fervor revolucionário, transformador, que acho que o fórum resgata um pouco. Claro, é outro momento histórico, mas a gente percebe que as pessoas vêm para o fórum com muita vontade de aprender, com muita disposição de trocar e expor suas ideias de forma autônoma.
JC - Qual a importância de falar sobre a territorialidade no âmbito da educação?
Gadotti - A gente sabe que, quando o território está degradado, as relações sociais estão degradadas, então a qualidade é pior. Em um bairro com estabilidade econômica, com menos contradições, com certo grau de desenvolvimento, a escola reflete também o território. Nas periferias pobres, as escolas têm dificuldade de acompanhar as de bairros mais ricos. Não poderiam existir escolas públicas diferenciadas, elas deveriam ser iguais para todos. O direito à educação está associado ao direito à moradia, ao transporte, à saúde, e tudo isso resulta em melhor qualidade na educação. E a nossa pergunta: será que estamos fazendo realmente a escola que a gente da periferia está querendo? Nos relatos de experiências, ouvimos que há muita evasão, sobretudo na educação de adultos. Há muita gente que repete, depois volta, mas não se adequa mais àquela série, há uma defasagem de idade, aí a pessoa não sabe se vai para o noturno, ou se já é adolescente, com 17, 18 anos, e vai sentar junto com criança de dez anos.
JC - De que forma pode haver essa adequação?
Gadotti - O que Canoas está fazendo é muito importante. Eu ouvi que a experiência, aqui, é agrupar os repetentes que já não estão com 18, 20 anos, na educação de adultos, e não em outra série. Segundo essa experiência, a evasão, que antes era de quase 60%, de repente passou para 5%. É uma solução muito boa, porque agrupa pessoas que têm idades próximas. O que a gente quer? Melhorar a educação. E o fórum está aqui para isso. Os grupos de trabalho aprofundam esses assuntos. Eu fiz a abertura para quase três mil pessoas, então não dá para debater, mas, em compensação, são seis grupos de trabalho, o que faz com que sejam grupos menores de pessoas e haja um diálogo maior. Foi muito positivo esse primeiro dia.
JC - Como o senhor acredita que a teoria encontra a prática, depois do fórum?
Gadotti - Eu acho que, aqui, há muitos relatos de práticas. Os seminários são feitos em cima das práticas. Tem uma moça com quem eu conversei, por exemplo, que veio de Fortaleza. Ela é deficiente e vai exatamente relatar sua prática. Nós queremos melhorar a prática, essa é a ideia, e não só pensar a educação. A teoria é importante, quando reflete a prática. Paulo Freire, com o qual convivi 23 anos, dizia que a melhor maneira de pensar certo, é pensar criticamente a sua própria prática.
JC - Hoje, de que maneira o senhor acha que o método Paulo Freire se encaixa na educação, dentro de uma ótica interdisciplinar?
Gadotti - A interdisciplinaridade foi um grande sonho do Paulo Freire quando foi secretário municipal de Educação, de 1989 a 1991, em São Paulo. Ele colocou muito isso como um princípio da sua gestão. Em Angicos, há 50 anos, ele fazia ciclos de cultura, trabalhando de segunda a quinta-feira, e, na sexta-feira, os professores não trabalhavam junto com os alunos. Eles se reuniam para examinar a prática no final de semana e mudar a prática na segunda-feira. Então, eu acho que esse é um trabalho que a nossa escola não faz muito bem. Ela recebe muitos discursos, mas a gente precisa escutar mais a prática dos professores. E não só escutar, os professores precisam se reunir e analisar essa prática, para melhorá-la.