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Coluna

- Publicada em 26 de Abril de 2013

O terror e a tristeza

No ano de 1962, o mundo esteve à beira de uma catástrofe, depois que a então União Soviética instalou em Cuba mísseis com potencial de atingir com armamento nuclear os Estados Unidos. Foi o momento mais dramático e perigoso da chamada Guerra Fria. Depois de alguns dias de tensas negociações, o governo soviético retirou tal armamento, após os americanos garantirem a integridade do território cubano e retirarem da Turquia armamento semelhante. Mas nunca antes as duas nações estiveram tão perto de um conflito que certamente colocaria em risco toda a civilização. Os anos cinquenta e sessenta do século passado foram marcados por um embate ideológico iniciado logo após a Europa, finda a Segunda Guerra Mundial, ter sido dividida em dois blocos. Enquanto políticos e militantes dos dois lados se empenhavam em demonstrações destinadas a impor suas razões e interesses, havia também os que atuavam em causas pacifistas, descrentes dos argumentos e das ações dos lados em conflito. A diretora inglesa Sally Potter, neste Ginger e Rosa, recria aqueles dias de angústia, colocando em cena duas jovens, cujas vidas, unidas por grande amizade, são perturbadas menos pelo que acontece no mundo exterior do que por fatos que abalam a estrutura familiar. O ponto de maior interesse do filme é que a realizadora, sem diminuir o papel dos acontecimentos externos, procura aprofundar o que realmente se encontra na raiz do sofrimento da jovem que, embora o título do filme, termina se transformando na protagonista da obra.

Ginger é uma menina sensível, que anota em seu caderno suas vivências em forma de poesia. Assim, ela contempla a realidade e tem seus dias perturbados pelos noticiários de rádio, então o grande meio de comunicação da época. O filme tem a acompanhá-lo não apenas uma rica trilha sonora, que vai de Schubert a jazz, porque a todo o momento são ouvidas notícias referentes aos fatos, não faltando mesmo um dramático pronunciamento de Kennedy.  Mas a realizadora não permanece naquele terreno no qual costumam vicejar, como erva daninha, a superficialidade e o maniqueísmo, quando não as palavras de ordem. Potter procura uma visão bem mais ampla do tema. Assim, a crise dos mísseis e o tumulto e o medo por ela gerados funcionam como uma metáfora da crise familiar, criada por ausência de valores e perspectivas. O cenário nesse sentido é muito bem utilizado. Estradas e praças transmitem essa sensação de insegurança. Nada parece sólido e tudo expressa visualmente a crise familiar, que o filme resume numa cena admirável e a qual o olhar da atriz sintetiza de forma perfeita.

Quando o casal discute diante da filha, tudo se concentra. Naquele olhar de Ginger para os pais está expresso um gênero de sentimento que só o cinema pode expressar. Se Nicholas Ray dizia que o cinema é a melodia do olhar, aqui se pode afirmar que ele também é o sofrimento da alma recriado nos olhos e no rosto de um ser humano. Pode ser uma melodia, mas é uma melodia intensamente dramática, aquela que em outra cena faz um dos personagens chorar. Esta fragilidade emocional, traduzida em ações que procuram acobertá-la, é que transforma em algo diferenciado o trabalho de Potter. Ela não nega a importância dos fatos exteriores que cercam a protagonista e nem o papel deles no comportamento dos personagens mas, ao colocar na tela uma Electra cujo Agamenon não é um pai assassinado e, sim, destruído, está falando ao espectador sobre a grande crise, aquela que enfraquece e desfaz o cenário no qual habita o ser humano. O personagem do pai, inimigo das convenções e das guerras e que assim esconde o sofrimento exposto ao ouvir música, parece simbolizar o indivíduo prisioneiro das algemas da civilização. O terror diante da destruição se mescla com a tristeza causada pelo desmoronamento do universo familiar. No último plano, o pai derrotado é colocado ao lado da protagonista, que através da palavra procura encontrar um caminho salvador e um futuro.