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Coluna

- Publicada em 19 de Outubro de 2012

Página em branco

O tema da barreira erguida entre o criador e a obra volta a ser desenvolvido neste Ruby Sparks, a namorada perfeita, o novo filme do casal Jonathan Dayton e Valerie Faris, os realizadores de Pequena Miss Sunshine, um sucesso, mesmo fora das fronteiras dos Estados Unidos, do cinema independente norte-americano. Assim como acontecia no passado, quando uma empresa como a United Artists se dedicava a financiar parcialmente e depois distribuir internacionalmente trabalhos produzidos com orçamentos reduzidos por realizadores não diretamente ligados aos grandes estúdios, atualmente produtoras como a Fox, a Paramount e a Warner têm se associado a projetos de porte reduzido, abrindo caminho, através da distribuição, para novos realizadores e também propiciando espaço para os que preferem trabalhar longe da pressão e da exigência de padrões mais elevados em termos de orçamento. Esses encontros entre as produtoras maiores e realizadores que procuram uma carreira paralela não são propriamente uma novidade. É curioso, certamente, lembrar que em 1932 Tod Browning realizou para a Metro um filme sem nenhuma das características que marcaram as produções daquele estúdio. O filme Freaks tinha nos papéis principais verdadeiros deficientes físicos. Este talvez tenha sido o primeiro encontro entre o cinema industrial com uma proposta paralela e ousada. Atualmente, além dos departamentos de grandes produtoras especializados em associações com independentes, há o Festival de Sundance, criado por Robert Redford com a função de divulgar e também financiar parcialmente produções da nova geração de realizadores, e não, apenas, realizadores americanos.

Ruby Sparks, que tem no papel principal uma neta de Elia Kazan, também autora do roteiro, não apenas por isso ostenta uma ligação entre o novo e o velho cinema americano.  Existe uma proposta respeitada, renovada e por vezes enriquecida: a da valorização da personagem. Alguns chamam a isso cinema narrativo. Na verdade, quem assim o faz, não escondendo certo desprezo pela presença em cena de criaturas verdadeiras, é adepto do artificialismo dispensável e da retórica vazia. Uma observação mais rigorosa nos conduz à constatação de que o que realmente existe é uma incapacidade de criar personagens, algo fundamental ao cinema, desde Griffith até Bergman, passando por Welles, Hitchcock e Resnais. O ensaio não é algo estranho ao cinema, como Kubrick provou em seu 2001, no qual também demonstrou que o personagem é essencial. Dayton e Faris - para falar da importância da experiência pessoal na criação da obra de arte - utilizam o tema do bloqueio e do drama gerado pela ausência de respostas diante da página em branco, espaço à espera de indivíduos e de conflitos.

Os problemas do filme começam na mescla que os realizadores - roteirista e diretores - tentam fazer entre fantasia e realidade. Se a personagem criada pela ficção do narrador é também vista pelos demais personagens, o impasse está criado e a simplificação impera. No entanto, visto por outro ângulo, o filme ostenta méritos inegáveis. A geração dos contestadores transformou-se numa caricatura, realçada, em primeiro lugar, pelo comportamento da mãe, algo que o móvel, planejado e construído pelo padrasto, sintetiza e conclui com perfeição. Autor de um romance que talvez tenha captado a essência de uma época, o personagem principal parece ter esgotado seus recursos e não consegue superar seu isolamento. A formação de um novo casal representa a volta à realidade, depois do que poderia ter sido um sonho. A sequência final, portanto, concretiza um desejo, o que também pode ser outra fantasia. A formação de um novo casal é o tema da sequência derradeira. No epílogo, a mescla de fantasia com realidade é alcançada, até porque, elaborada a primeira, a segunda faz prevalecer suas leis, um processo fundamental para o cinema.