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Entrevista Especial

- Publicada em 24 de Setembro de 2012 às 00:00

Roberto Robaina propõe corte de CCs e controle da saúde pública


MARCO QUINTANA/JC
Jornal do Comércio
Com menos recursos financeiros e menos tempo no horário eleitoral do que candidaturas de partidos mais tradicionais, o candidato do P-Sol à prefeitura de Porto Alegre, Roberto Robaina, aposta nos debates como melhor forma de conquistar os eleitores. A principal bandeira de campanha tem sido o combate aos privilégios, corte nos cargos em comissão (CCs) e a melhor destinação dos recursos públicos, principalmente para a saúde, que considera ser o tema que mais preocupa a população no momento. O partido defende ainda mudanças na cobrança de impostos e uma política de estímulo voltada mais para os pequenos negócios do que para os grandes investidores.
Com menos recursos financeiros e menos tempo no horário eleitoral do que candidaturas de partidos mais tradicionais, o candidato do P-Sol à prefeitura de Porto Alegre, Roberto Robaina, aposta nos debates como melhor forma de conquistar os eleitores. A principal bandeira de campanha tem sido o combate aos privilégios, corte nos cargos em comissão (CCs) e a melhor destinação dos recursos públicos, principalmente para a saúde, que considera ser o tema que mais preocupa a população no momento. O partido defende ainda mudanças na cobrança de impostos e uma política de estímulo voltada mais para os pequenos negócios do que para os grandes investidores.
Robaina não tem medo de fazer críticas aos adversários, inclusive ao PT, do qual saiu junto com outros colegas. Ele acredita que a experiência ajudou a traçar o caminho do P-Sol. “Temos condições de construir uma esquerda que não cometa os erros que o PT cometeu.” Na entrevista ao Jornal do Comércio, o candidato e dirigente partidário destacou o crescimento da legenda desde a fundação, em 2004, tanto no Estado quanto nacionalmente, com destaque para o bom desempenho de Marcelo Freixo na disputa pela prefeitura do Rio de Janeiro.
Jornal do Comércio - O primeiro ponto do programa é reduzir em 70% os CCs na prefeitura. É possível manter os serviços?
Roberto Robaina - Os servidores públicos de carreira são qualificados e em número suficiente para dar conta dos trabalhos que os cargos em comissão executam. Não são só da administração direta da prefeitura, aí entra Carris, Dmae, DMLU... Esses cargos são fruto de esquemas políticos, do apadrinhamento de todos partidos que se aliam. Nossa medida tem dois motivos. Um é econômico, porque são R$ 80 milhões, o dobro do que se investe em habitação. Outro é o peso moral, porque o P-Sol defende uma nova forma de fazer política. O corte dos CCs, o combate ao parasitismo, é uma concretização dessa nova forma de fazer política. É a medida mais eficaz para dar moral ao funcionalismo público, para mostrar à população que chegou um governo de caráter diferente, para convocar a população para que ela se auto-organize e comece a ajudar de modo mais efetivo na gestão da máquina pública.
JC - De que forma pretende lidar com o Orçamento Participativo (OP), diante das críticas de não execução das prioridades?
Robaina - O OP tem limitações tremendas, como esta de obras aprovadas e não executadas. Tem ainda um problema grave que é discutir só 6% do orçamento da prefeitura. A população deve debater também as questões estruturais da cidade, como o salário dos vereadores. Por que não? Por que a Câmara vai legislar sobre salários? Em 2011, os vereadores queriam promover para si o reajuste em 75%, um escândalo, e fomos contra. Essas medidas, além de serem injustas, porque os vereadores não merecem esse reajuste, afastam ainda mais a população da política. Felizmente conseguimos fazer o contraponto e barrar a proposta.  Fomos para a rua dizer que os vereadores não tinham direito de legislar sobre o próprio salário e o  Tribunal de Contas do Estado decretou que era ilegal. A administração pública deve ser discutida. Também tem grande importância ouvir os conselhos municipais. O Conselho Municipal de Saúde não tem sido respeitado na gestão atual. O Instituto Municipal de Estratégia de Saúde da Família (Imesf) foi criado contra a posição do conselho. É preciso que os conselhos sejam integrados na administração pública, aproveitando o que já existe para administrar com participação popular mais efetiva.
JC – O senhor sugere cobertura de 80% para o Programa de Saúde da Família. Há recursos?
Robaina - O Ministério da Saúde sempre definiu isso. A primeira medida é que não podem haver entidades criminosas à frente da administração das equipes do PSF, como foi o caso do Sollus, que era o instituto que administrava as equipes e deixou rombo de R$ 10 milhões. Essa empresa não vai ter condições de aumentar o atendimento. Também na área da saúde, havia a empresa Reação, que fazia a vigilância dos postos de saúde. Aí o rombo foi de cerca de R$ 5 milhões. Se combatermos a corrupção, os privilégios dos cargos em confiança, e se realmente fizermos uma gestão que priorize a saúde, se pode aumentar e muito o número de equipes, sem terceirização, fazendo com que o governo municipal assuma essa responsabilidade, contratando mais médicos, mais enfermeiros, garantindo que o serviço seja mais eficiente.
JC - Uma queixa frequente é a falta de médico para consultar. Qual a saída?
Robaina - Não dá para entregar para empresas terceirizadas. Foram buscar em Sorocaba uma pessoa para administrar a saúde de Porto Alegre. Se o governo municipal assumir essa responsabilidade, vai dar certo. Não é só controlar se os médicos estão indo ou não. Os governos estadual e municipal não pensaram que, chegando o inverno, teria que ter vacina pra gripe A, por exemplo. O problema é que a saúde é tratada como mercadoria. A metade dos recursos que vem para Porto Alegre, de mais de R$ 1 bilhão, vai para hospitais privados. Precisa uma mudança de modelo geral. Os recursos têm que ser para o serviço de saúde pública, o governo tem que controlar a saúde.
JC – E a área da educação?
Robaina - Queremos discutir muito com os professores, coisa que o governo municipal não faz. A secretária é de um autoritarismo total e não constrói nenhuma política junto com os professores. Nós sabemos que faltam professores, os que estão se aposentando não são substituídos. As escolas se encontram nos locais mais difíceis e periféricos, portanto, pensar o problema da escola pública na cidade está ligado ao planejamento da vigilância, da assistência social. Acredito que com debate com os professores, mudança de governo, o combate aos privilégios, os funcionários públicos vão ter outro moral para trabalhar, porque vão ver governantes que trabalham também, lado a lado com eles. Não terá recurso para resolver todos os problemas, mas é preciso ter um governo com moral para, com o funcionalismo, definir como atacar cada um dos problemas da cidade.
JC - Pensa em fazer licitações para novas linhas de ônibus?
Robaina - Tem que fazer, há quase 30 anos que não há licitação. O transporte público está todo operando na ilegalidade, mas apesar disto, os empresários têm muito poder. Têm tanto poder que a tarifa já aumentou muito mais que a inflação, sem que haja real controle público. Os ônibus circulam sem horário e as empresas não são cobradas e multadas. O setor tem tanto poder que impede que exista uma coisa básica que é o transporte hidroviário. Descobriram a América com o catamarã de Guaíba para Porto Alegre. Com sistema hidroviário, o transporte melhora bastante para a zona Sul, as ilhas e Guaíba. Se pode avançar muito com este tipo de transporte e, evidentemente, com o metrô. A cidade já tem um belo escritório para o metrô, ali perto do Beira-Rio, mas ainda não tem obra. Os governos fazem escritório, mas não fazem metrô.
JC - Na área ambiental, cita a coleta seletiva. A melhoria depende de organizar os catadores ou de conscientizar moradores?
Robaina - É preciso trabalhar com os catadores, buscar alternativa para essas pessoas que vivem das carroças, que é um trabalho penoso. Organizar cooperativas ajuda muito, mas tem que ter recursos para elas, uma associação real com o governo. Também é preciso aparelhar o DMLU. A gente nem consegue gravar o nome das empresas que prestam o serviço de coleta de lixo na Capital, as terceirizadas são substituídas de seis em seis meses por escândalos de corrupção. É evidente que terceirizar a coleta não funciona. Tem que aliar o DMLU com os catadores, que já fazem esse serviço, de forma cooperativada e vinculada com a prefeitura.
JC - Retomando a comparação sobre gastos com CCs e investimentos em moradia: como reduzir o déficit habitacional?
Robaina - No Minha Casa, Minha Vida, a iniciativa privada não tem feito construções para renda até três salários mínimos, tanto que o déficit é de 50 mil unidades. A melhor medida é fazer um plano de obras públicas, em parceria com a própria população, em mutirão. É um desafio, mas também é uma possibilidade de atacar o desemprego. Temos em Porto Alegre 7% de desemprego e déficit habitacional. Construção civil é sempre o ramo que tem mais condições de gerar empregos. Se a iniciativa privada não está investindo porque a taxa de lucro é pequena, por que então a prefeitura não pode entrar e fazer parceria com o governo federal, em vez de o governo federal dar dinheiro para uma Delta, que ganhou praticamente todas as licitações, todos contratos das obras rodoviárias do País?
JC - Na construção civil e em alguns outros setores, há queixas quanto à demora para liberar investimentos.
Robaina - Nós não apostamos numa economia dos grandes negócios, que está em crise na Europa e nos Estados Unidos. Porto Alegre é uma cidade de serviços e de pequenos negócios. É preciso fazer com que o recurso público seja bem usado para dinamizar a economia, e o desafio é escolher os setores em que o poder público pode fazer isto. Eu sustento que uma das formas é fazer obras que ajudem a defender a economia popular. Por isso investir em habitação é tão importante, porque ajuda ao mesmo tempo a geração de renda, de emprego e o combate ao déficit habitacional, que é gravíssimo. Eu não vejo que o Poder Público deva aceitar todo tipo de pressão de grandes empreendimentos. Porto Alegre não vai conseguir crescer com os grandes empreendimentos, porque são pensados para poucos, com lucratividade para poucos e não para o conjunto da sociedade. Não tem porque ter isenção para os grandes. A cidade é um mercado aberto para grandes investimentos, mas não é o Poder Público que vai sustentar os grandes investidores.
JC - O senhor sugere adotar o IPTU progressivo. Já sabe como fazer e qual será o impacto na arrecadação?
Robaina - O que anunciamos é o princípio da política, o impacto financeiro depende de estudos técnicos que só a prefeitura pode fazer. O peso do IPTU na arrecadação está há muito tempo estagnado. Não é possível que as pessoas em grandes moradias paguem proporcionalmente a mesma coisa que a pessoa pobre. Quem ganha mais, paga mais, mas não para os pequenos e médios, para estes, de preferência, tem que baixar o IPTU. Temos que combater o vazio dos apartamentos que estejam sem utilização nenhuma e sem o pagamento dos tributos. Vi dados da Secretaria de Habitação que falam em 30 mil imóveis que os proprietários não usam, deixam sem alugar, para que a especulação imobiliária continue, e sequer pagam os tributos. A prefeitura tem que fazer o controle de quais imóveis estão nessa situação.
JC - Que erros e acertos há nas últimas administrações?
Robaina - É demagogia dizer que a prefeitura possa alterar sozinha a condição econômica da cidade, ela pode atuar em um nível limitado, que depende do contexto nacional. Já que a prefeitura não pode mudar o País, pode escolher defender a economia popular. Porto Alegre hoje tem cerca de 100 mil pessoas que vivem em situação de extrema pobreza. Cerca de 70% dos chefes dessas famílias são mulheres de 20 a 24 anos. Um governo municipal deve ter preocupação central com essas pessoas mais pobres e com o serviço público para elas. Infelizmente, os governantes, como regra, têm se preocupado mais em como utilizar os recursos públicos para financiar interesses privados. A prova mais absurda disso são as obras da Copa. Eu vi o prefeito em um debate dizendo que os recursos da Copa não saem da saúde, da educação, que são novos. Isso não é verdade, os recursos são endividamento, a prefeitura está se endividando, chega a R$ 800 milhões esse valor. Com quem eles discutiram as prioridades? A prioridade era duplicar a Avenida Tronco ou construir um hospital? Eu não sou contra a Copa, mas acho que temos que ter prioridade e não é possível que os governantes não discutam minimamente a compensação social disso.

Perfil

Roberto Robaina disputa pela primeira vez a prefeitura de Porto Alegre, onde nasceu em 1967. Em 2006, foi o candidato a governador pela legenda, obtendo 68 mil votos. Formado em História pela Unisinos, começou a atividade política no movimento estudantil, onde se envolveu na campanha das Diretas Já, e atuou no Sindicato dos Bancários. Preside o diretório estadual do P-Sol desde sua fundação, após a saída do PT, que teve como estopim divergências sobre a reforma da Previdência. É casado com a enfermeira Inês, com quem vive em uma casa na Ilha da Pintada, mas mantém até hoje a parceria política com Luciana Genro, mãe de seu filho Fernando, de 24 anos. A campanha alterou sua rotina, mas ainda permite manter alguns hábitos, como ler no ônibus no trajeto entre a casa e o trabalho. As obras de não-ficção têm sido as preferidas: no dia da entrevista, o candidato lia Um Basta à Depressão Econômica, do economista Paul Krugman. O espaço da ficção é ocupado com mais frequência pelos filmes, outro lazer do candidato.  O lugar que mais gosta na Capital é a Esquina Democrática, onde desde o tempo de estudante participa de manifestações populares.
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