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Saúde

- Publicada em 27 de Agosto de 2012 às 00:00

Após três décadas de pesquisas, vacina brasileira é apresentada


GUTEMBERG BRITO/IOC/DIVULGAÇÃO/JC
Jornal do Comércio
Em plena segunda década do século XXI, o Brasil continua sendo uma nação de contradições. Apesar de abrigar um dos principais centros de pesquisa em biomedicina do mundo, a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), o País registra a maior endemia de esquistossomose do planeta - uma doença parasitária própria de áreas sem saneamento básico e que chegou ao Brasil no tempo do tráfico de escravos.
Em plena segunda década do século XXI, o Brasil continua sendo uma nação de contradições. Apesar de abrigar um dos principais centros de pesquisa em biomedicina do mundo, a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), o País registra a maior endemia de esquistossomose do planeta - uma doença parasitária própria de áreas sem saneamento básico e que chegou ao Brasil no tempo do tráfico de escravos.
Depois de mais de 30 anos de pesquisa, o Instituto Oswaldo Cruz (IOC, ligado à Fiocruz) anunciou a criação da vacina contra a doença. É um feito histórico: em vez de comprar tecnologia, o Brasil vai vender e, em vez de tratar a doença com remédio, a saúde pública vai poder prevenir com a vacina.
Nesta entrevista, a médica Miriam Tendler, especialista em doenças infecciosas e parasitárias e pesquisadora chefe do Laboratório de Esquistossomose Experimental do IOC, onde a vacina foi desenvolvida, fala sobre os testes realizados no Brasil e a importância do desenvolvimento de uma vacina segura.
Por que a esquistossomose é uma doença associada à pobreza?
Miriam Tendler - A doença infecta hoje 200 milhões de pessoas, mas existem 800 milhões expostas ao risco. É a segunda maior endemia no mundo (atrás da malária). É uma doença dos países pobres, associada à miséria. Ela é endêmica em países africanos. O Brasil é o maior país endêmico. Ela está em outras regiões da América Central também, mas é mais significativa na África e para o Brasil.
No caso do Brasil, os focos estão na área rural ou urbana?
Miriam - Hoje em dia, com a migração da população para diferentes áreas, temos focos em regiões menos rurais. Mas não é tanto pelo fato de ser rural. A endemia no Brasil é mais na região Nordeste e em Minas Gerais. Mas é bastante ligada à história da esquistossomose, que veio para o Brasil na época do tráfico de escravos, havendo uma concentração nessas regiões. Então, a entrada da esquistossomose no Brasil tem mais de um século, é muito longa e bem conhecida. Até no Sul há focos, com menos importância pelo volume, mas com importância epidemiológica, pois indica a possibilidade de migração para regiões que ainda não têm.
Essa vacina pode ser associada à prevenção de outras doenças?
Miriam - A vacina já está sendo desenvolvida segundo dois eixos, que chamamos de vacina bivalente. Potencialmente, ela é multivalente. Isso não tem mistério. Nada nesse projeto tem magia, não tem nada fortuito ou do acaso. É um projeto muito bem definido e estruturado, focado desde o início, usando toda a metodologia disponível. Talvez a única (coisa) que a gente não esperava era exatamente essa multivalência. Isso foi evidenciado a partir do momento em que se teve acesso à estrutura do DNA do clone (da proteína) SM14. Ela pertence a uma família de proteínas que tem a capacidade de ligar gorduras a ácidos graxos, e esses helmintos (parasitas) não têm a capacidade de sintetizar lipídeos, gorduras que são a principal forma de energia do metabolismo. Então, eles precisam pegar isso do hospedeiro. Esse transporte é feito por essas moléculas, que transportam lipídeos. Isso talvez seja a razão de estarem presentes em todos os helmintos de importância humana e veterinária. O primeiro que identificamos é o que causa a fascíola do gado. Passamos a desenvolver a vacina desde 1991 sob uma ótica bivalente: para uma doença humana, que é a esquistossomose, que era o objeto real, e uma doença veterinária do gado, que é a fascíola hepática, principal parasitose bovina no mundo.
A descoberta da vacina é muito importante para o Brasil, mas tem grande impacto mundial. A senhora pode fazer uma comparação com a descoberta da vacina contra a poliomelite?
Miriam - A poliomielite foi uma das piores mazelas, que matou milhões de crianças, e a vacina contra a pólio fez um benefício à humanidade sem precedentes, pela mortalidade, e pelo impacto que a vacina pode ter. Mas as doenças por helmintos têm outra face de crueldade. São crônicas, atingem as crianças e os adultos jovens, não mata igual à pólio, então não chama muito a atenção. As pessoas têm até remédio, mas se tratam e são reinfectadas. É uma doença que causa anemia nas crianças e comprometimento das capacidades cognitivas de aprendizado. É um grupo de doenças da mais alta crueldade, fazendo parte também de uma parcela de doenças negligenciadas. Como elas não são altamente mortais como a pólio, e fazem parte das áreas pobres, a demanda por uma vacina é incomparável. As doenças que têm alta mortalidade chamam mais atenção e foram as primeiras para as quais fizeram vacinas.
O Brasil vai exportar a tecnologia? Vamos explorar comercialmente ou seguir a tradição de fornecer vacinas e medicamentos como ajuda humanitária? Há um plano de negócios?
Miriam - Existe um desenho. Hoje em dia, a Fiocruz tem um parceiro industrial, que é a Ouro Fino, uma indústria brasileira que assumiu o licenciamento, principalmente da vertente veterinária (da vacina), que é um produto de aplicação comercial. Na verdade, a gente chegou a um ponto que tinha uma vacina para gado de país rico e para gente de país pobre. Existe o compromisso forte de transformar em uma vacina humanitária, que vai ser administrada da melhor maneira possível, sem vistos a ganhos comerciais. Ela tem uma possibilidade de retorno financeiro através do eixo veterinário, que é muito importante, porque é a principal doença parasitária do gado - representa mais de US$ 3 bilhões de prejuízo no mundo inteiro. Então ela tem interesse comercial muito forte, principalmente na relação com a qualidade e a segurança dos alimentos, porque atinge o gado de consumo.
Será possível em uma década imunizar a população da África e do Brasil?
Miriam - Menos, menos.
Menos de cinco anos?
Miriam - No máximo.
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