A crescente preocupação com o meio ambiente tem levado governos, órgãos multilaterais e multinacionais a planejar uma revolução na economia mundial, na qual os combustíveis fósseis seriam progressivamente eliminados das cadeias mundiais de consumo. Porém, desde meados de 2020, a indústria automotiva voltou a apostar em pesquisas com um outro combustível ecologicamente correto. Trata-se do elemento químico mais abundante no universo: o hidrogênio. Em Santa Maria, um projeto realizado com recursos do Programa Rota 2030 está pesquisando como tirar maior vantagem dessa tecnologia e, principalmente, como resolver os problemas que um motor de combustão interna apresenta quando movido a hidrogênio.
Esse projeto intitula-se "Desenvolvimento de motor automotivo movido a biohidrogênio para o mercado brasileiro". É realizado pelo Grupo de Pesquisa em Motores, Combustíveis e Emissões (GPMot) da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). O projeto ganhou financiamento de aproximadamente R$ 1 milhão do Rota 2030, após ser aprovado em chamada pública lançada pela Fundação de Desenvolvimento da Pesquisa (Fundep)
Como o projeto da UFSM tem em vista o mercado brasileiro, decidiu-se que a pesquisa teria como foco o motor de combustão interna a hidrogênio. Além disso, a matéria-prima para a pesquisa é de mais fácil aquisição, visto que com o hidrogênio é possível (dependendo de adaptações) ligar e manter em funcionamento um motor originalmente movido a gasolina, diesel ou álcool. Isso acontece porque, independentemente do combustível, o princípio de um motor de combustão é o mesmo. No caso, o hidrogênio queima dentro de um cilindro, e a consequente liberação de energia movimenta o pistão.
Apesar de o hidrogênio ser um elemento tão abundante, é necessário que a sua forma molecular (H2) - ou seja, quando não participa de outros compostos químicos - seja obtida por meios sintéticos quando a sua finalidade é o uso industrial ou laboratorial. Esse hidrogênio produzido através da queima de combustíveis fósseis, com a liberação simultânea de grandes quantidades de monóxido (CO) e dióxido de carbono (CO2) na atmosfera, foi apelidado de "hidrogênio cinza". Do ponto de vista ambiental, existem ainda diversas classificações do hidrogênio sintético, das quais o hidrogênio "azul" e o "verde" são as mais representativas.
De acordo com o professor Thompson Lanzanova, um inconveniente do veículo elétrico, que tem aparecido como alternativa, é que ele precisa de um hidrogênio com alto grau de pureza, que pode chegar a até 99,999%. Diversamente, um motor de combustão interna não exige um hidrogênio puro para funcionar. O GPMot vai testar no Laboratório de Motores (Labmot) da UFSM o quanto a queima "pobre" de hidrogênio (ou seja, de combustível H2 misturado a uma grande quantidade de ar) na câmara de combustão pode diminuir a temperatura de queima do combustível, mas sem afetar de forma considerável a sua potência, buscando-se ainda aumento de eficiência. Outra forma pesquisada de baixar a temperatura de combustão - e, por conseguinte, de reduzir as emissões de NOx - é a injeção da água resultante da própria queima do hidrogênio.
O GPMot vai também investigar soluções para outros problemas recorrentes em motores de combustão interna a hidrogênio (devido à alta reatividade desse combustível), como o knock e o backfire. O primeiro consiste em uma detonação que ocorre quando a combustão no interior do cilindro resulta da ignição espontânea da mistura ar/combustível, e não da chama formada pela vela de ignição; a explosão provocada pela autoignição resulta em uma onda de choque que aumenta consideravelmente a pressão no interior do cilindro, podendo causar a quebra do motor. Quanto ao backfire, trata-se de uma combustão que migra de um ponto quente do cilindro para o sistema de admissão do motor, podendo ocasionar a explosão do coletor de admissão e outras quebras de componentes.
Testes desse tipo, entre outros, serão realizados no Labmot em um motor monocilíndrico modelo Ricardo Proteus doado pela Brunel University, da Inglaterra, o qual tem como finalidade específica a realização de testes e pesquisas em laboratório. Posteriormente, os modelos de calibragem obtidos nos ensaios feitos com o motor monocilíndrico serão aplicados às configurações de um motor multicilíndrico veicular.
Por sua vez, as empresas parceiras, Marelli e TCA/Horiba, serão responsáveis pelo fornecimento de peças, equipamentos e assistência técnica durante os três anos previstos para duração do projeto. Para armazenar o hidrogênio necessário para o projeto, também está prevista a construção de uma câmara de gases do lado de fora do Labmot.