Com o desembarque quase a conta gotas da vacina Coronavac no Rio Grande do Sul, quem espera pela segunda dose (D2), cerca de 370 mil pessoas, busca respostas para uma pergunta: a demora na aplicação da D2 pode comprometer o efeito (proteção) da primeira (D1) vacina recebida?
"Que há prejuízo, há", afirma o infectologista do Hospital Moinhos de Vento, Paulo Gewehr, tentando esclarecer o impacto do intervalo maior que o previsto entre a D1 e a D2 e que está na bula do imunizante. O intervalo é de 21 a 28 dias. A Coronavac tem eficácia de 50,4%, após as duas doses, de 78% para casos leves de Covid-19 e 100% para casos moderados e graves.
O infectologista explica que a dificuldade de assegurar que vai ter proteção na primeira aplicação, mesmo com o atraso da segunda, deve-se a uma razão bem simples: não há estudos sobre a eficáca da primeira dose da Coronavac.
Já de outras, como Pfizer e Oxford,
que já estão sendo ofertadas e têm duas doses, já foram feitas pesquisas indicando efeito. No caso da Oxford, Gewehr lembra que houve a ampliação de intervalo, passando da aplicação de 21 a 28 dias para três meses devido à proteção da D1.
"Não há estudo que dê sustentação para dizer que não tem problema (atraso na D1 da Coronavac)", afirma Gewehr. Não quer dizer que a demora implique em perda de efeito, mas a resposta segura sobre isso apenas com acompanhamento de casos, amplia o médico do Moinhos de Vento.
Gewehr reforça que, diante de uma resposta menor ou mesmo da incerteza sobre como será a proteção após a segunda dose para completar a ação do imunizante, é preciso garantir a D2 para quem fez a D1. O médico critica a oferta de lotes para a primeira dose a grupos no Rio Grande do Sul, quando se sabia que haveria a demanda de quem já havia sido vacinado. A conduta do Estado e de municípios foi incentivada por orientação do Ministério da Saúde.
Segunda dose da Coronavac em ritmo de conta gotas
Desde que se instalou o atraso, apenas 63 mil imunizantes produzidos pelo Instituto Butantan foram entregues. Problemas no fornecimento do Insumo Farmacêutico Ativo (IFA), que é importado da China, vêm gerando a interrupção na produção e regularidade no fornecimento.
A situação deve se manter, avisou o instituto.
No Estado, houve interrupção da aplicação. Antes chegou a ocorrer confusão em filas para drive-thrus e descontentamento de quem buscou a dose. Porto Alegre tinha, no começo da semana, mais de 70 mil pessoas aguardando a D2.
O infectologista lembra que o mundo está em uma corrida contra o tempo para frear a circulação do novo coronavírus. "Para impedir a probabilidade ao acaso de aparecer uma nova mutação resistente às vacinas e se perca tudo que foi feito e se comece uma nova fase da pandemia", explica.
Outro alerta do médico é de um relaxamento de medidas de cuidado. Como a proteção não é 100%, parte da população não terá imunização. "Muitas pessoas imaginam que por receberem a vacina estarão protegidas e a pandemia acabou. Mas não acabou", avisa. os cuidados com uso de máscara, não fazer aglomeração e manter o distanciamento devem continuar.
Infectologista alerta para impactos do atraso na adesão das pessoas à campanha. Foto: Hospital Moinhos de Vento/Divulgação/JC
"Precisamos que o máximo de pessoas sejam vacinadas no menor tempo possível para que a circulação do vírus caia mais rápido", resume o infectologista. Condição que está diretamente atrelada ao volume da oferta e regularidade de entregas de imunizantes.
"Quando temos várias pessoas vacinadas ao redor conseguimos erguer um muro de isolamento para que não se contaminem. Isso é o que se chama de proteção indireta ou imunidade de rebanho", conceitua o especialista.
Como é o esquema de duas doses de uma vacina
O infectologista é bem didático ao mostrar a relação entre as duas doses, que são ministradas porque seguem os testes de uso e seus efeitos na busca da imunização e resposta celular do organismo.
"Quando utilizo uma dose, é como se fosse uma escada com dois degraus que preciso subir. Subi um degrau. Posso ter ganhado alguma proteção? Poder pode, mas não sabemos muitas vezes a eficácia de uma dose e sobre a duração dessa proteção", reforça o especialista.
"Só podemos afirmar após as duas doses, que são os dados dos estudos realizados." Na vida real, se as pessoas não receberam a dose que falta no tempo indicado pode implicar que elas estarão menos protegidas e mais expostas a riscos de contaminação ou de contágio pela Covid-19.
O atraso de doses pode gerar dúvidas e desconfiança na população, o que não é nada bom para uma campanha em plena pandemia, adverte o infectologista. A pessoa que fez uma dose e não sabe quando receberá a segunda começa a duvidar da proteção - que é a pergunta mais recorrente agora -, e quem não foi vacinado pode ficar resistente em responder ao chamado da rede de saúde.
"É o que chamamos de hesitação vacinal: as doses estão disponíveis, mas os pacientes não vão atrás para receber", descreve Gewehr.
O infectologista defende que a comunicação precisa ser clara sobre o papel da vacina e sua ação. Além disso, a população deve ser incentivada a buscar informação com profissionais de saúde que devem estar também atualizados sobre os imunizantes.
Outro aspecto que Gewehr acredita que pode ser mellhorado é a organização sobre os grupos que vão receber as doses, com uma ordem clara sobre quando buscar as doses. E, claro: "Não pode criar expectativa de chamar a população e não ter a vacina no posto. Isso abala a confiança".