Corrigir texto

Se você encontrou algum erro nesta notícia, por favor preencha o formulário abaixo e clique em enviar. Este formulário destina-se somente à comunicação de erros.

Teatro

- Publicada em 15 de Dezembro de 2022 às 17:47

Provocativa e emocionante

Antonio Hohlfeldt
No término da temporada de 2022, que teve excelentes espetáculos - apesar ou, talvez, justamente por causa da crise que atravessamos - somos surpreendidos com a estreia de Paisagem marítima (Seascape), do dramaturgo norte-americano Edward Albee, de quem muito se conhecem seus dois textos de lançamento, História do Zôo (1959) e Quem tem medo de Virgínia Woolf (1962) que virou filme. O trabalho mais recente de Albee apresentado em Porto Alegre, casualmente, foi dirigido por Jô Soares, há pouco falecido, A cabra ou quem é Sylvia? (2000), texto controverso (comentei este espetáculo nesta mesma coluna). Agora, o ator e diretor Regius Brandão ousa trazer um outro texto de Albee, de 1975, e que faz estreia nacional em nossa cidade. Se A cabra... ganhara o Tony Award, este Paisagem marítima recebeu o Pulitzer.
No término da temporada de 2022, que teve excelentes espetáculos - apesar ou, talvez, justamente por causa da crise que atravessamos - somos surpreendidos com a estreia de Paisagem marítima (Seascape), do dramaturgo norte-americano Edward Albee, de quem muito se conhecem seus dois textos de lançamento, História do Zôo (1959) e Quem tem medo de Virgínia Woolf (1962) que virou filme. O trabalho mais recente de Albee apresentado em Porto Alegre, casualmente, foi dirigido por Jô Soares, há pouco falecido, A cabra ou quem é Sylvia? (2000), texto controverso (comentei este espetáculo nesta mesma coluna). Agora, o ator e diretor Regius Brandão ousa trazer um outro texto de Albee, de 1975, e que faz estreia nacional em nossa cidade. Se A cabra... ganhara o Tony Award, este Paisagem marítima recebeu o Pulitzer.
Pode-se dizer que Edward Albee sempre teve um único tema: a incomunicabilidade humana. Alguns críticos, por isso mesmo, aproximam-no do teatro do absurdo, o que talvez tivesse até maior sentido com este Paisagem marítima, na medida em que um casal humano se depara com um casal de grandes lagartos. Acho esta leitura equivocada. Desde História do Zôo, Albee aproxima seres humanos e animais, essencialmente para sublinhar certa irracionalidade dos homens ante a alegada 'bestialidade' dos animais (termo, aliás, que aparece nesta obra). Outros intérpretes de Albee pretendem que o fato de ele ter sido filho adotivo e sentir-se excluído da família influenciaria esta perspectiva. Também não assino embaixo desta leitura, demasiadamente pobre, sobretudo porque, se a aproximamos dos temas paralelos que ele desenvolve, logo ela cai por terra.
Depois da grande geração de dramaturgos que experimentou a quebra da bolsa de Nova York e revelou/denunciou que os Estados Unidos não eram mais o alegado país dos self made men - Eugene O' Neill, Tennessee Williams e Arthur Miller - Edward Albee é, sem dúvida, o mais crítico, o mais arguto e o mais orgânico dramaturgo norte-americano. De certo modo, ele continua a leitura de seus antecessores: os Estados Unidos se industrializaram, massificaram-se, perderam sua humanidade (naquela perspectiva de Aristóteles, de que o homem é um animal racional social), por causa do excessivo e desnorteante progresso industrial e pagam um alto preço, enfrentando os desafios da incomunicabilidade e a incompreensão. Inverto: a incompreensão entre os humanos gera a incomunicabilidade. Incompreensão e incomunicabilidade essencialmente políticas, pois, não apenas psicológicas. Não admitimos mais, não aceitamos, nem queremos saber do outro. Não imaginamos a diferença, não podemos conviver com quem seja diferente de nós.
Ora, nada mais oportuno do que trazer este tema à baila, justamente neste momento brasileiro e mundial. Neste sentido, Regius Brandão foi de uma felicidade ímpar. A atualidade e a oportunidade do texto e do espetáculo, tal como foi pensado, são evidentes. No caso de Paisagem marítima, Albee duplica o problema: de um lado, a incompreensão entre Nancy e Charlie, o casal humano; de outro lado, as dificuldades de compreensão entre Leslie e Sarah, o casal lagarto. O resultado é que, quando se encontram, as incompreensões e a incomunicabilidade se ampliam, até o momento em que Charlie, exasperado, provoca, com evidente violência, a Sarah, que tem uma reação inesperada - porque profundamente humana. Este é o clímax da peça. Depois disso, seu final iluminador: o casal humano se propõe a guiar o casal de lagartos para que ele não retorne ao mar. Titubeante, Sarah aceita e Leslie desafia/propõe, objetivamente: "Comece", dirigindo-se a Charlie.
O elenco está muito equilibrado e rende homogeneamente. Gisele Lery é a perfeita dona-de-casa-classe-média; Régius Brandão é um sujeito que desistiu da vida, agora apenas resmunga memórias; Fera Carvalho Leite vive uma emocionante e emocionada Sarah, enquanto Pedro de Oliveira é o objetivo e decidido macho da relação. A ambientação da praia é sugestiva: sempre em movimento, sempre em mudança, graças às dunas e ao mar. Isso não basta para Nancy, isso não afeta Charlie. Mas os lagartos que chegam do fundo do mar, estes sim, afetarão o casal humano. Regius Brandão foi feliz no corte abruto do final, que valoriza tal perspectiva. O cenário do próprio diretor é simples, poderia talvez ser mais dinamizado pela iluminação de Carlos Azevedo. Do mesmo modo, o espetáculo precisará de mais nuances, algumas quebras mais fortes de ritmo. Mas isso virá com as repetições. O que vale é que a peça nos envolve, provoca e emociona.
 
Conteúdo Publicitário
Leia também
Comentários CORRIGIR TEXTO