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Teatro

- Publicada em 20 de Outubro de 2022 às 17:35

Inteligente discussão sobre o fascismo

Antonio Hohlfeldt
Evidentemente, uma obra de arte expressa um modo de ver o mundo. Mas esta expressão artística não é discursiva, não é teórica, ela é simbólica e metafórica. Aliás, por isso, sobrevive às próprias referencialidades que a sugerem. Fui assistir à peça Um fascista no divã, na sala Carlos Carvalho do Centro Municipal de Cultura, com um misto de curiosidade e de medo. A autora do texto, Marcia Tiburi, é professora conhecida, filósofa por formação, ativa defensora de direitos humanos. Tenho admiração por ela, mas temia que a dramaturga não sobrevivesse à tendência militante da autora. Meu maior erro. O texto Um fascista no divã e o espetáculo que dele resulta, direção de Alexandre Dill, para a interpretação central de Vinicius Meneguzzi e participação cênica do próprio diretor, que faz a figura de uma espécie de contrarregra e iluminador que se imiscui na cena a todo o momento, é surpreendentemente eficiente, enquanto dramaturgia.
Evidentemente, uma obra de arte expressa um modo de ver o mundo. Mas esta expressão artística não é discursiva, não é teórica, ela é simbólica e metafórica. Aliás, por isso, sobrevive às próprias referencialidades que a sugerem. Fui assistir à peça Um fascista no divã, na sala Carlos Carvalho do Centro Municipal de Cultura, com um misto de curiosidade e de medo. A autora do texto, Marcia Tiburi, é professora conhecida, filósofa por formação, ativa defensora de direitos humanos. Tenho admiração por ela, mas temia que a dramaturga não sobrevivesse à tendência militante da autora. Meu maior erro. O texto Um fascista no divã e o espetáculo que dele resulta, direção de Alexandre Dill, para a interpretação central de Vinicius Meneguzzi e participação cênica do próprio diretor, que faz a figura de uma espécie de contrarregra e iluminador que se imiscui na cena a todo o momento, é surpreendentemente eficiente, enquanto dramaturgia.
Marcia Tiburi conseguiu se distanciar de seu trabalho teórico e imaginou uma cena tão hilária quanto bem desenvolvida: um indivíduo fascista, que está sendo, por isso mesmo processado, para se safar do processo precisa consultar um psicanalista. Normalmente, a gente imagina: que bom, o sujeito quer se curar. Não, o final da peça, neste sentido, é antológico, porque atinge em cheio uma perspectiva cínica que é, justamente, o que anima o fascismo.
Vinicius Meneguzzi interpreta o fascista, enquanto o próprio diretor, Alexandre Dill, se múltipla na figura que interfere na cena a todo o momento, iluminando a personagem: iluminação metafórica, porque é a iluminação física, que permite a concretização do espetáculo, projetado numa tela ao fundo do espaço cênico e que, sem uma iluminação correta, não seria percebido pelo público. Mas é uma iluminação metafórica, porque, à medida em que o espetáculo avança e as sessões/encontros entre o psicanalista e o fascista ocorrem, sua verdadeira personalidade e objetivo é iluminado e revelado.
Meneguzzi, de certo modo, encarna um sujeito comum: a tarefa do psicanalista é ajudar o paciente, e o profissional tenta isso, efetivamente, mas gradativamente vai se dando conta de que não há o que fazer. Entenda-se: um fascista é incurável, o que, ironicamente, o final do espetáculo confirmará.
Independente do tema e de sua oportunidade evidente, o que é um mérito do GrupoJogo, responsável pelo espetáculo, temos a performance em si, competente em mesclar o espetáculo ao vivo e a tecnologia inteligentemente utilizada. É evidente que muitas das soluções aqui apresentadas devem ter sido inspiradas por estes anos de reclusão e distanciamento. O que é importante, porém, é que elas dialogam entre si e se complementam, resultando num espetáculo inteligente, competentemente comunicativo e que mostra todas as potencialidades de uma tecnologia posta à disposição de um conceito de espetáculo consistentemente constituído. Assim, inova-se a linguagem teatral, com resultado fluente e dinâmico, ao mesmo tempo em que o texto evidencia compreensão do que seja um espetáculo cênico, a ser assistido, mas não passivamente, por determinada plateia.
É evidente que a concepção de Um fascista no divã paga tributo às conquistas dramatúrgicas de Bertolt Brecht e seu teatro épico com o distanciamento obrigatório do espectador em relação ao personagem. Não é a primeira vez, em todo o caso, que o tema é explorado pelo teatro. O dramaturgo italiano, Dario Fo, escreveu uma engraçadíssima comédia intitulada Morte acidental de um anarquista que acusava, frontalmente, a Igreja e o Estado pelo eventual assassinato de presos políticos e de militantes de oposição. Prêmio Nobel de Literatura, sua companheira, em determinado momento, foi sequestrada e estuprada, numa tentativa desesperada de fazê-lo suspender sua obra, o que não foi alcançado. Fo morreu com 90 anos de idade, mas não sua obra, e a evidência está neste texto de Marcia Tiburi, que deve ser cumprimentada e reconhecida, não apenas pelo tema, quanto pela competência com que foi capaz de desenvolvê-lo num gênero que naturalmente não é o seu.
O eventual leitor da coluna não terá oportunidade imediata de assistir ao espetáculo ao vivo, pois foi curta a temporada. Mas pode fazer uma pesquisa em sites. Há muito material disponível e, sobretudo, material que dialoga com o contexto em que nos encontramos neste momento.
 
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