Corrigir texto

Se você encontrou algum erro nesta notícia, por favor preencha o formulário abaixo e clique em enviar. Este formulário destina-se somente à comunicação de erros.

Teatro

- Publicada em 15 de Setembro de 2022 às 18:11

Um feliz reencontro que prenuncia permanência

Antonio Hohlfeldt
Edgar Morin, por volta de 1962, escreveu um livro que ainda hoje é referencial, L'esprit du temps, que, no Brasil, chamou-se Cultura de massas no século XX. Ali, ele antecipa, entre outros temas que depois nos ocupariam na dita pós-modernidade, a mitificação da eterna juventude. Numa espécie de corolário desta mitificação, haveria uma vergonha de mostrar uma idade mais avançada, e os idosos como que eram "apagados" do cotidiano. Mais adiante, houve uma virada de tendência e surgiu o conceito, igualmente falso, de "melhor idade", esquecendo que sobreviver sem saúde ou com dificuldades financeiras nada tem a ver com este paraíso dos mais velhos.
Edgar Morin, por volta de 1962, escreveu um livro que ainda hoje é referencial, L'esprit du temps, que, no Brasil, chamou-se Cultura de massas no século XX. Ali, ele antecipa, entre outros temas que depois nos ocupariam na dita pós-modernidade, a mitificação da eterna juventude. Numa espécie de corolário desta mitificação, haveria uma vergonha de mostrar uma idade mais avançada, e os idosos como que eram "apagados" do cotidiano. Mais adiante, houve uma virada de tendência e surgiu o conceito, igualmente falso, de "melhor idade", esquecendo que sobreviver sem saúde ou com dificuldades financeiras nada tem a ver com este paraíso dos mais velhos.
Na verdade, certo avanço na qualificação dos vários aspectos da vida, os remédios, as condições de higiene e cuidados, o decréscimo da natalidade, tudo isso fez com que a sociedade esticasse cada vez mais os conceitos de infância, juventude, idade adulta e até mesmo velhice, muitas vezes falsificando ou romantizando tais etapas.
Por todas estas questões, desde logo fiquei interessado em assistir a Novos velhos corpos 50, espetáculo que quatro bailarinos coreógrafos propunham ao público. Tenho acompanhado todos eles ao longo de décadas e, assim como eu, constatei, talvez surpreso, que eles também tinham envelhecido. Envelhecido, sim, mas não ficado velhos. Eva Schul, Lima Duarte, Eduardo Severino, Suzi Weber e Mônica Dantas propunham uma exposição pública desafiadora: com idades que vinham dos 54 anos (a mais moça) aos 74 anos - um arco de vinte anos de diferença que, para nossos corpos, nestas etapas, é muita diferença e significa muita mudança, biologicamente falando - estes cinco artistas apresentar-se-iam em um espetáculo coreográfico.
Para compor o atrativo deste trabalho, foi escolhida uma trilha sonora realizada ao vivo, por intérpretes que ficam no próprio palco, ao lado da cena. O espetáculo se completava com uma série de projeções de videodanças criados por Alex Sernambi, tudo isso articulado com a direção de cena de Lisandra Belotto e Cláudia Sachs. O espetáculo, por tudo isso, transformou-se numa verdadeira e emocionante celebração da vida. Sem exibicionismos, com coreografias cuidadosamente medidas para as possibilidades que cada corpo de bailarino é capaz de enfrentar, resolver e vencer. A passagem mais bela e até mesmo provocativa surge quando os bailarinos ao vivo alternam suas performances com eles mesmos, trocando de figurinos, nas projeções do vídeo, mostrando que cada um é capaz de fazer o que o outro realiza.
O trabalho (concepção e direção geral de Suzi Weber) ficou muito valorizado pela música autoral ao vivo (de autoria de Flávio Santos), extremamente sensível, que funciona como uma marcação rítmica do que estamos assistindo, valorizado pelo desenho de iluminação de Bathista Freire (assisti ao espetáculo na parte de cima do teatro de Santa Casa) e os alegres e vibrantes figurinos de Luciana Soares: o resultado final é uma lição de humildade de cada um dos bailarinos, tanto quanto de camaradagem e trabalho coletivo (que a dança sempre exige), permitindo que os cinco intérpretes formassem um verdadeiro conjunto, um só corpo em movimento, com muita vibração, que chega ao auge no movimento final, quando jovens bailarinos (alunos dos professores e dançarinos?) entram em cena e ajudam a despregar o grande tapete branco que estava no chão e que é então transformado em pedaços, minuciosamente picado e fragmentado, como a simbolizar toda a experiência e a herança deixada por estes artistas a seus sucessores. É um apogeu da defesa da dinâmica vital, do encontro das vontades, das inspirações e das criações que, ao longo de tanto tempo, cada um deles foi capaz de transmitir a todos nós. Não houve quem não se emocionasse às lágrimas, e os aplausos que se seguiram apenas traduziram, objetivamente, o agradecimento, de cada um e de todos, àqueles artistas: sim, cada um reafirmou naquele momento, na prática, a pujança da criação artística e a importância social do artista.
Por tudo, tenho certeza que este espetáculo deverá cumprir novas temporadas em nossas mais diferentes salas (surpreendi-me com o teatro absolutamente lotado, e não era nem estreia: uma pequena temporada anterior já havia sido cumprida). Isso significa, sobretudo, que este trabalho não é uma despedida, mas é um reencontro, para nossa alegria e felicidade.
 
Conteúdo Publicitário
Leia também
Comentários CORRIGIR TEXTO