Corrigir texto

Se você encontrou algum erro nesta notícia, por favor preencha o formulário abaixo e clique em enviar. Este formulário destina-se somente à comunicação de erros.

Teatro

- Publicada em 18 de Agosto de 2022 às 17:32

Tristemente necessária

Antonio Hohlfeldt
Releio minha coluna do última dia 5 de agosto, e me dou conta de que não disse tudo o que deveria e precisava dizer a respeito de Gabinete de curiosidades. Retomo, pois, o tema, e o leitor eventual vai me dar razão.
Releio minha coluna do última dia 5 de agosto, e me dou conta de que não disse tudo o que deveria e precisava dizer a respeito de Gabinete de curiosidades. Retomo, pois, o tema, e o leitor eventual vai me dar razão.
Afirmei, na coluna anterior, que Gabinete de curiosidades é um inventário. E isso fica evidente na perspectiva do texto, que se constitui, literalmente, de fragmentos que são arranjados de maneira a permitir um diálogo entre personagens e, de outro lado, a rememoração de cenas significativas de diferentes textos teatrais que, em sendo as lembranças dos personagens, revelam, evidentemente, as preferências do dramaturgo.
Mais do que isso, porém, o diálogo dos personagens também é fragmentado. A linha mestra é o fato de que o homem pretende convencer a companheira de que, em havendo um concurso de dramaturgia, ambos devem esmerar-se em escrever um texto para, ganhando o concurso, poderem abandonar o infecto lugar em que se encontram. Ao mesmo tempo, cruzam suas conversas lembranças as mais diversas, trazendo ora revelações a respeito da vida de artistas os mais variados, quer reflexões sobre processos criativos. Ou seja, o texto de Gilberto Schwartsmann se constitui de diferentes camadas que são ao mesmo tempo narrativas e reflexivas, que servem como linha mestra de desenvolvimento do enredo que, em sentido estrito, praticamente não existe, mas que acaba, apesar de tudo, se concretizando. Não vou dar spoiler para quem não viu a peça, até porque ela voltará em breve a cartaz. Mas esta engenharia textual é bastante complexa e nos leva ao fascínio, embora eu deva, uma vez mais, registrar que fica um pouco longa demais. Cortar uma meia hora de espetáculo e de texto não faria mal ao resultado final.
Mas quero abordar uma outra questão que, em se tratando de teatro, é fundamental. É a maneira pela qual o espetáculo, levado à cena, realiza, de fato, o texto dramático. Aqui, destaco três elementos fundamentais: o cenário, a iluminação e a trilha sonora, aos quais acrescento ainda um outro, o figurino.
Luciano Alabarse gosta de colocar seus atores em cena bem antes de iniciado o espetáculo. Assim, a platéia só pode ser aberta poucos minutos antes de a ação dramática se desdobrar. Isso ocorre para que haja uma adaptação e uma identificação do intérprete com o espaço em que atua e seu personagem. Mas isso também tem uma consequência no espectador, ao menos, no caso de espetáculos como este Gabinete de curiosidades: a exemplo do texto shakespeareano, também o Gabinete de curiosidades tem um cenário atopetado de objetos, mas o que salta à vista são as mais de cem peças de roupas que estão dependuradas de alto a baixo. O cenário é assinado pelo próprio Alabarse e evidencia a consistência e a logicidade de sua concepção cênica: aquelas peças de roupa traduzem, corporificam, objetivamente, todos os sentimentos, contradições, memórias e experiências. Somam-se a isto os móveis, as quinquilharias e os praticáveis de diferentes níveis que marcam o espaço cênico: Alabarse compensa, com o movimento físico, a relativa pouca ação dramática externa que o texto propõe, na medida em que a ação dramática a que assistimos é, sobretudo, interna, em relação aos personagens.
Para realçar, esconder ou relacionar o espaço cênico com os personagens, surge a iluminação. Ela vai do claro-escuro barroco ao branco chapado, agressivo, mesmo, traduzindo climas variados. A trilha sonora segue o mesmo caminho (ainda uma vez, escolha de Alabarse). Os climas emocionais são sublinhados e valorizados. E, por fim, os figurinos. Antonio Rabadan usou panos variados, que são vestidos ou desvestidos, funcionando praticamente como peles dos personagens.
Concluo com os atores. Zé Adão Barbosa e Arlete Cunha não interpretaram. Eles assumiram seus personagens, tornaram-se aquelas duas solitárias e emocionantes figuras, tão ricas em experiências que viveram mas tão pouco valorizadas pela atual sociedade, mais interessada em ter, em exibir, em fingir que...
Reitero o que escrevi antes: Gabinete de curiosidades pode não ser perfeita ou obra prima. Mas é a obra mais oportuna e envolvente das que podemos assistir nos últimos tempos. Tristemente necessária. Tristemente verdadeira.
 
Conteúdo Publicitário
Leia também
Comentários CORRIGIR TEXTO