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Teatro

- Publicada em 11 de Agosto de 2022 às 17:40

Um artista necessário e que vai fazer falta

Antonio Hohlfeldt
No dia 5 de agosto, data em que o ator e diretor de teatro Jofre Soares (Jô Soares) faleceu, circulou um vídeo um pouco mais antigo, em que ele apresentava um poema ao público de seu programa de televisão. O poema se iniciava assim: "Não chorem à beira do meu túmulo,/ Não chorem à beira do meu túmulo,/ Eu não estou lá!./ Estou no brilho das estrelas, perfurando a noite,/ E no cantar alegre dos pássaros", e por aí vai o poema. Antecipação de sua própria situação futura?
No dia 5 de agosto, data em que o ator e diretor de teatro Jofre Soares (Jô Soares) faleceu, circulou um vídeo um pouco mais antigo, em que ele apresentava um poema ao público de seu programa de televisão. O poema se iniciava assim: "Não chorem à beira do meu túmulo,/ Não chorem à beira do meu túmulo,/ Eu não estou lá!./ Estou no brilho das estrelas, perfurando a noite,/ E no cantar alegre dos pássaros", e por aí vai o poema. Antecipação de sua própria situação futura?
José Eugênio Soares nasceu em 1938, no Rio de Janeiro. Foi basicamente um ator de comédias, um humorista (na medida em que escreveu seus próprios textos e criou seus personagens), mais tarde um diretor de teatro - e não só de comédias - e, enfim, um homem de televisão, do show ao entrevistador. Fez cinema, fez televisão, fez teatro, e em tudo deixou uma marca inconfundível: inteligência aliada a coragem e coerência. Ele foi sempre um cidadão, no sentido mais amplo da palavra.
Em plena ditadura, criou tipos e quadros que sempre tentavam furar a barreira do que podia e do que não podia ser dito. Quando homem de rádio - cheguei a ouvi-lo, em onda curta - apresentava nos sábados um programa de jazz que marcou época. Ou seja, além de teatro, conhecia música, sabia da literatura, mas acima de tudo entendia o ser humano, e suas criações bem o atestam.
Espero que minha memória não me traia, mas, em 2008, Jô Soares resolveu dirigir um texto do grande dramaturgo Edward Albee, intitulado A cabra ou quem é Sylvia?, tendo as interpretações centrais de Denise del Vechio e José Wilker. A peça esteve no Theatro São Pedro, e causou certo frisson: não era exatamente uma peça bem comportada nem o público, que em geral enxergava em Jô Soares um sujeito bonachão, esperava que ele realizasse tal espetáculo. Era uma denúncia veemente contra preconceitos, a partir de uma situação radical: a paixão de um sujeito por uma cabra. Lembro que Eva Sopher, então diretora do teatro, ficou surpresa - ela era grande amiga de Jô que, inclusive, denunciou publicamente, a todo o Brasil, em seu programa de televisão, que o novo governador do Estado queria afastá-la da administração da casa de espetáculos. Fui assistir ao espetáculo e saí entusiasmadíssimo. Como escreveu um crítico na Folha de S.Paulo, enfim, ainda havia vida inteligente na dramaturgia norte-americana, depois de O' Neill, Williams ou Miller...
Esse foi justamente Jô Soares: nunca se deixou engambelar pela fama, pelo dinheiro ou pela popularidade. Brincou em cena, mas por trás da brincadeira, sempre falou a sério. Seus programas de entrevistas, na televisão, eram profundamente sérios: lembro quando entrevistou o dramaturgo Plínio Marcos, então perseguido pela ditadura, permitindo que o escritor denunciasse publicamente o que faziam com ele, proibindo-o de trabalhar até mesmo como cronista da revista Veja.
Eu imagino que Jô Soares, nestes últimos anos, vivesse muito acabrunhado, se ainda estivesse acompanhando nosso cotidiano. Mas esta peça que referi acima mostra o quanto ele tinha sensibilidade para apanhar, no ar, aquilo que existia escondido, e denunciar. E discutir. E iluminar. Peça escrita no ano 2000, ganhou prêmios variados nos Estados Unidos nos anos seguintes, estrearia no Brasil em 2008. Jô Soares escolheu traduzir. Escolheu dirigir. Escolheu produzir. Jô Soares queria discutir coisas que estavam escondidas, encobertas na sociedade brasileira. Esta é a minha melhor memória de Jô Soares. Ele nunca se deixou enganar pelas aparências. Ele sempre soube ver, compreender e reconhecer a sociedade brasileira.
Nesta coleção de múltiplas atividades, pode-se somar ainda a de autor de variados livros, no caso, um pouco consequência do que ele fazia na televisão, no teatro e no cinema. Mas a que ele emprestava outro ritmo, outra finalidade, ampliando sempre seus públicos, variando o modo da conversa, mas sempre tocando nos mesmos assuntos. E Jô Soares possuía um enorme senso de cidadania, o que fez dele um artista sempre responsável e necessário. Neste sentido, Jô Soares vai fazer falta.
 
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