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Teatro

- Publicada em 30 de Junho de 2022 às 19:32

A guerreira Ítala Nandi

Antonio Hohlfeldt
A característica de uma coluna de crítica teatral é manifestar-se a posteriori a respeito de um espetáculo ou de um artista. Esta coluna, contudo, hoje vai ser invertida, mas até certo ponto. É que na última quarta-feira, dia 29, a atriz Ítala Nandi, nascida numa colônia no então interior de Caxias do Sul, no Rio Grande do Sul, esteve no palco do Theatro São Pedro interpretando um espetáculo solista, em que ela fala a respeito de si mesma e de sua carreira. Com este trabalho, que há poucas semanas visitou Porto Alegre, durante o Palco Giratório, Ítala Nandi foi também homenageada por sua terra, em agradecimento por toda a sua carreira de atriz - quer no teatro, quer no cinema, de produtora teatral ou de diretora cinematográfica. No entanto, eu escrevo antes da homenagem, ainda que o leitor vá me ler depois, até porque já assisti ao seu trabalho e até o comentei, ainda que brevemente, em uma coluna anterior.
A característica de uma coluna de crítica teatral é manifestar-se a posteriori a respeito de um espetáculo ou de um artista. Esta coluna, contudo, hoje vai ser invertida, mas até certo ponto. É que na última quarta-feira, dia 29, a atriz Ítala Nandi, nascida numa colônia no então interior de Caxias do Sul, no Rio Grande do Sul, esteve no palco do Theatro São Pedro interpretando um espetáculo solista, em que ela fala a respeito de si mesma e de sua carreira. Com este trabalho, que há poucas semanas visitou Porto Alegre, durante o Palco Giratório, Ítala Nandi foi também homenageada por sua terra, em agradecimento por toda a sua carreira de atriz - quer no teatro, quer no cinema, de produtora teatral ou de diretora cinematográfica. No entanto, eu escrevo antes da homenagem, ainda que o leitor vá me ler depois, até porque já assisti ao seu trabalho e até o comentei, ainda que brevemente, em uma coluna anterior.
Ítala Nandi nasceu em 1942 - está, pois, completando 80 anos de vida. Em Caxias do Sul, estreou no teatro amador e veio para Porto Alegre, integrando-se ao Teatro de Equipe, sobre o qual ainda está-se devendo a produção de um bom estudo. Deste grupo, ao lado de Fernando Peixoto, ator, diretor e crítico de teatro, teórico e pesquisador - sobretudo do teatro de Bertolt Brecht - seguiu para São Paulo, onde entrou no (mais tarde, lendário) Teatro Oficina, primeiro na área administrativa e depois como atriz. Ali participou de montagens históricas como "Pequenos burgueses", de Máximo Gorki e "O rei da vela", de Oswald de Andrade, crescendo ao lado de dois nomes referenciais das artes cênicas daquela época: Eugênio Kusnet e José Celso Martinez Correa.
Assisti a ambos os espetáculos: "Pequenos burgueses" em São Paulo, quando inclusive entrevistei o Eugênio Kusnet, de quem ganhei de presente seu livro "Ator e método", devidamente autografado. Kusnet era russo de nascimento, trabalhou com o diretor do Teatro de Moscou, Constantin Stanislavski, cujos métodos de encenação trouxe para o grupo paulista. Era um gigante como ator e uma doçura como pessoa humana.
José Celso Martinez Correa propôs uma leitura revolucionária do texto modernista de Oswald de Andrade, atualizando-o politicamente e abrindo novos caminhos estéticos para a arte brasileira, nas trilhas do chamado Tropicalismo. Sem eles, a cultura brasileira não seria o que é hoje.
Lembro de Ítala Nandi, sobretudo, na boca de cena, em "O rei da vela", incorporando provocativamente a figura de Heloísa de Lesbos, em plena ditadura, chegando mesmo a dialogar e, mais que isso, a brigar com a plateia, se a mesma a vaiasse - ela, fazendo gestos obscenos e gritando as falas de sua personagem.
Assim, Ítala descobriu e construiu seus próprios caminhos. Foi para o cinema, depois chegou à televisão. Não era uma "mocinha bem comportada": em geral, seus personagens eram fortes, como a própria artista. Em um país quase tão machista e xenófobo quanto é hoje o Brasil homofóbico e racista, Ítala Nandi assumiu sua sexualidade, defendeu sua liberdade e foi para o exterior estudar mais para mais aprender.
Estava na França durante as barricadas de Maio de 1968. Não se limitou, evidentemente, a ser turista e espectadora. Aprendeu a necessidade da luta e, de retorno ao Brasil, tratou de sobreviver, mantendo-se, contudo, sempre coerente consigo mesma.
Como registrei acima, já escrevi a propósito de "Paixão viva", o espetáculo solo que ela mostrou na quarta-feira passada. É extremamente fiel à própria artista. É autobiográfico, sim, mas é uma autobiografia que não se limita à pessoa particular dela. Porque a história de Ítala Nandi é também a história do teatro, do cinema, da cultura, de cada um de nós, no Brasil, pelo menos nos últimos 50 anos. Assistir à Ítala Nandi, assim, é marcar um encontro conosco mesmo, o nosso eu subjetivo e nosso eu social. Por isso, ao final, quando ela faz uma espécie de manifesto de suas crenças e valores, a gente se emociona.
Aos 80 anos de vida, Ítala Nandi continua guerreira, admirável e credora de todo o nosso respeito, carinho e reconhecimento. Muito do que somos, certamente, devemos a ela.
 
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