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- Publicada em 30 de Janeiro de 2023 às 00:35

Boa vontade em ajudar Argentina terminará em animosidade

Samuel Pessôa
Pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre/FGV), sócio da consultoria Reliance e doutor em Economia pela USP
Pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre/FGV), sócio da consultoria Reliance e doutor em Economia pela USP
Um amigo foi passar uma semana em Buenos Aires. A cidade está linda, como sempre. Tem-se a impressão de que Buenos Aires aguenta outros cem anos de decadência.
Quem viaja para a Argentina não pode usar cartão de crédito. A conta será cobrada no câmbio oficial. Cada dólar vale 184 pesos argentinos pelo câmbio oficial e 382 pelo câmbio paralelo. Ou seja, o valor de US$ 1 no paralelo é o dobro do oficial.
Assim, quem viaja para a Argentina tem que levar papelmoeda e trocar em uma casa que o faça pela cotação paralela. A Argentina ainda não conseguiu superar a década de 1990.
Há forte controle de capital, o que impede a livre circulação de riqueza financeira e acaba por estabelecer um regime em que o câmbio formado pelo mercado é muito mais desvalorizado do que o câmbio oficial.
Como o comércio internacional ocorre no câmbio oficial, há forte desestímulo às exportações e estímulo às importações.
O ministro Fernando Haddad pretende instituir uma moeda comum para liquidações entre bancos centrais das operações comerciais entre os países. Já vigora hoje para diversos países latino-americano o Convênio de Pagamentos e Créditos Recíprocos. A cada quatro meses, há um acerto de contas entre dois países e é pago somente o saldo total do comércio entre países. Assim, a necessidade de liquidez em dólares é muito menor.
Para o Mercosul, há a possibilidade dada pelo Sistema de Pagamento em Moeda Local, que "permite a remetentes e destinatários, nos países que integram o sistema, para operações de até 360 (trezentos e sessenta dias), fazerem e receberem pagamentos referentes a transações comerciais ou benefícios em suas respectivas moedas".
Instrumento de pagamento de operações de comércio internacional alternativo à moeda americana já existe. O problema é que a Argentina não tem moeda e nem tem câmbio.
A proposta do governo é o Banco Central do Brasil aportar parte de suas reservas para lastrear saldos na nova moeda, o sur, e a Argentina, que não tem reservas, receberá um crédito brasileiro para fazê-lo. A cada intervalo de tempo o saldo do comércio bilateral é apurado e há uma transferência de sur para o país superavitário, no caso o Brasil.
Alguém tem alguma dúvida de que a Argentina dará calote em sur? Certamente o fará. Evidentemente o Brasil terá que defender os seus interesses e cobrar a dívida. Haverá um caso diplomático entre os países.
Os argentinos, que com frequência se amontoam na avenida 9 de Julho gritando "Fora, FMI!", passarão a se amontoar na mesma avenida para gritar "Fora, Brasil!".
Toda a boa vontade do ministro em ajudar a Argentina a ter liquidez internacional para financiar seu comércio conosco terminará em calote e animosidade entre as sociedades. Como já ocorreu no caso da invasão das refinarias da Petrobras na Bolívia ou na animosidade do Paraguai ao acordo de Itaipu feito em condições muito favoráveis ao país vizinho.
Quando se trata de América Latina, tudo que desejamos sempre é arrumar um inimigo externo para culparmos por nossas incompetências. O Brasil não tem recursos para desempenhar esse papel. Deixemos para a China.
A medida mais importante para que haja estímulo ao comércio do Brasil com a Argentina é nosso vizinho arrumar a macroeconomia. Precisa ter uma moeda e uma taxa de câmbio. Infelizmente não há nada que possamos fazer para ajudar. 
Samuel Pessôa
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