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Opinião Econômica

- Publicada em 23 de Novembro de 2022 às 21:21

O pobre e o orçamento público

Marcos Mendes
Economista, pesquisador associado ao Insper, é autor de “Por que é difícil fazer reformas econômicas no Brasil?”
Economista, pesquisador associado ao Insper, é autor de “Por que é difícil fazer reformas econômicas no Brasil?”
O presidente eleito tem repetido que "é preciso incluir os pobres no orçamento público". Até que ponto eles estão excluídos?
O FMI criou uma estatística fiscal em que classifica os gastos por "função de governo". A categoria "proteção social" se aproxima do que seria a participação dos pobres no orçamento. Ali estão despesas com: idosos, doentes, deficientes, pensionistas, famílias, crianças, desempregados, habitação, proteção social e populações excluídas.
Dentre 58 países para os quais há dados referentes a 2019, o Brasil desponta como o quarto colocado, com 14,3% do PIB, ficando atrás apenas de San Marino (18,2%), Espanha (15,8%) e Noruega (15,6%).
Portanto, já gastamos muito com "proteção social". Como esses dados são de antes da pandemia, e desde então houve a ampliação do Auxílio Brasil de R$ 32 bilhões para R$ 106 bilhões, atualmente estamos gastando ainda mais.
Isso não garante que os pobres estejam plenamente contemplados no orçamento. Pode ser que nossos gastos em "proteção social" não cheguem até eles.
Abrindo os dados brasileiros nas diversas categorias de "proteção social", observamos que quase 70% referem-se à Previdência (idosos e pensionistas): temos o quinto maior gasto previdenciário entre os 58 países da base de dados. Diversos estudos -entre eles o relatório "Um ajuste justo", do Banco Mundial- mostram que o gasto com Previdência beneficia principalmente a classe média, e não os pobres.
Quando excluímos da conta os gastos previdenciários, ainda ficamos entre os 20% que mais gastam com outras políticas de "proteção social". Mas também nesse conjunto há programas que não chegam aos mais pobres, como o abono salarial e o salário-família.
A forma mais cômoda de tentar beneficiar os miseráveis é aumentar o gasto em programas que conseguiriam atendê-los, não mexer em outras despesas do orçamento, sejam elas voltadas a "proteção social que não chegam aos pobres" ou a outras finalidades. Assim, não seria preciso tirar benefícios de ninguém, e a resistência política seria menor.
Mas essa estratégia tem custo para os pobres. Ela requer aumento de impostos, da dívida pública ou da inflação. O sistema tributário atual pune excessivamente os pobres. A inflação é uma máquina de fabricar pobreza. A dívida aumentará a despesa com juros, pagos às pessoas que têm poupança e que, obviamente, não são as mais pobres.
Por isso, um debate sério sobre incluir os pobres no orçamento deve começar não pelo aumento de despesas, que já é alta, e sim por substituir as de pior qualidade por programas eficazes de redução da pobreza.
As primeiras da fila da exclusão deveriam ser as emendas parlamentares -todas elas, não só as de relator. Em artigo no Blog do Ibre, em coautoria com Fabio Giambiagi e Paulo Hartung, mostramos que não há um argumento sequer que dê sustentação técnica a essas despesas. Elas alimentam a corrupção e empobrecem o Brasil.
Na mesma linha, é preciso diminuir benefícios fiscais, tributários e financeiros que consomem recursos públicos, beneficiam ricos e derrubam o potencial de crescimento da economia. Uma reforma do Imposto de Renda que o torne mais progressivo também ajudaria.
Outra linha de atuação deve ser a reforma dos gastos em "proteção social". A Previdência ainda custa caro e mantém privilégios, como os das profissões que se aposentam mais cedo. Programas sociais anacrônicos precisam dar lugar aos mais eficazes.
A transformação do Bolsa Família em Auxílio Brasil, a despeito de ter quase triplicado o valor gasto, piorou a capacidade de chegar aos mais pobres. Como mostram Pedro Nery no jornal O Estado de S. Paulo de 15/11 e Cecilia Machado, na Folha de 7/11, as famílias são estimuladas a se dividir para receber mais; um indivíduo sozinho recebe o mesmo que uma mãe solo com muitos filhos; e aquelas que têm renda R$ 0,10 acima da linha de pobreza não recebem nada, enquanto quem está R$ 0,10 abaixo recebe R$ 600. O desenho tem que ser refeito, antes de se colocar ainda mais dinheiro no programa.
Esse é o debate sério que efetivamente colocará os pobres no orçamento. Pedir licença para gastar mais, sem corrigir as distorções atuais, só agravará a nossa mediocridade econômica e atenderá o interesse dos não pobres.
 
Marcos Mendes
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