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Opinião Econômica

- Publicada em 15 de Agosto de 2022 às 20:53

O mês dos pais

Cecilia Machado
Economista, professora da EPGE (Escola Brasileira de Economia e Finanças) da FGV
Economista, professora da EPGE (Escola Brasileira de Economia e Finanças) da FGV
Apesar do progresso na redução das desigualdades de gênero das últimas décadas, algumas normas sociais ""padrões, atitudes e comportamentos tácitos aceitos em determinado tempo e lugar"" permanecem intactas. Entre elas, o papel de pais e mães no cuidado dos filhos.
Mesmo em países progressistas, onde o afastamento remunerado de ambos os pais após o nascimento do filho é permitido, a licença segue sendo exercida pelas mães. E o tempo dedicado às tarefas domésticas, incluindo o tempo com os filhos, permanece maior entre as mulheres.
Considerando que o nascimento de um filho impacta adversamente a trajetória salarial e carreira profissional das mulheres (mas não dos homens), e que pais e mães são igualmente aptos aos cuidados dos filhos, haveria algum espaço para intervenções ou políticas públicas que tornem socialmente aceitável o afastamento do trabalho dos pais para o cuidado de filhos pequenos? E será que o exercício da licença pelos pais levaria a uma divisão mais igualitária das responsabilidades entre homens e mulheres ao longo do tempo, fomentando a igualdade de gênero nas esferas privadas (domicílio) e públicas (trabalho)?
Um exemplo importante vem da Suécia, que, em 1995, aumentou os incentivos para que pais usufruíssem da licença paternidade. A reforma reservou um mês da licença (de um período total de 15 meses) para cada um dos pais, de forma de que se a licença não fosse exercida por algum deles, a família como um todo perderia o direito a um mês de licença remunerada.
O incentivo introduzido pela reforma mudou as escolhas feitas pelas famílias: em resposta a ela, os pais passaram a tirar licença no exato tempo reservado a eles, o mês dos pais ("daddy month").
Mas, ainda que a reforma tenha induzido maior participação dos pais nos cuidados dos filhos pequenos, os efeitos de longo prazo decepcionaram. A reforma não foi capaz de sustentar mudança na alocação de tempo dos pais após o fim da licença. Além disto, a reforma foi responsável pelo aumento de divórcios que acontecem até 3 anos após o nascimento do bebê. No caso em questão, a intervenção pode ter levado a conflitos adicionais dentro da família, afetando a estabilidade dos relacionamentos quando os casais são obrigados a desviar de seus planos originais ditados por normas sociais enraizadas.
Uma leitura equivocada desses resultados parece indicar ser pouco provável que políticas públicas sejam capazes de mudar as normas sociais, e que mesmo políticas bem intencionadas podem gerar consequências distintas e não antecipadas. Mas esse foi só o início uma enorme transformação, ainda em curso, nas normais sociais do país.
Uma nova reforma, em 2002, que ampliou os incentivos para que os pais tirassem o segundo mês de licença ""reservando, de forma semelhante, dois meses de licença para cada um dos pais"" não identificou efeitos adversos em divórcios conforme visto na reforma de 1995.
A experiência sueca mostra que mudanças que antagonizam com o que é socialmente aceito levam a alterações comportamentais importantes dentro do domicílio, e que essas mudanças precisam ser levadas em consideração na elaboração de políticas públicas. Mas é também apenas através destas mudanças que a convergência de normas passa a ser socialmente aceita. Afinal, o aumento do tempo dedicado aos filhos (de um para dois meses) em famílias onde o pai já tira a licença representa mudança social pequena perto daquela no qual o aumento do tempo (de zero para um mês) de cuidado se dá em famílias no qual os pais não tiram nenhuma licença.
Vale lembrar que a Suécia já praticava uma política de licença que é neutra ao gênero ""tanto pai quanto a mãe podem tirar a licença"" desde 1974. Mas foi apenas com os incentivos fornecidos pela legislação recente que as normas sociais puderam evoluir. No Brasil, as políticas de afastamento seguem específicas ao gênero (licença maternidade de 120 dias e paternidade de 5 dias), reforçando o estereótipo de que as mulheres ainda são as maiores responsáveis pelo cuidado dos filhos.
Fica difícil ver aqui alguma convergência nas normas sociais em prol de maior igualdade entre os gêneros enquanto a licença paternidade seguir seu curso de 5 dias, sem nenhum incentivo à maior participação dos pais no cuidado de filhos pequenos.
 
Cecilia Machado
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