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Livros

- Publicada em 19 de Janeiro de 2023 às 19:21

A vida, a morte, as pessoas e os relacionamentos

Quando os pássaros voltarem (Editora Intrínseca, 544 páginas, R$ 99,90, E-book R$ 69.90, tradução de Ari Roitman e Paulina Wacht) é o novo romance do premiadíssimo Fernando Aramburu, autor, entre outros, do aclamado Pátria, ganhador de vários prêmios europeus importantes e lançado no Brasil pela Editora Intrínseca.
Quando os pássaros voltarem (Editora Intrínseca, 544 páginas, R$ 99,90, E-book R$ 69.90, tradução de Ari Roitman e Paulina Wacht) é o novo romance do premiadíssimo Fernando Aramburu, autor, entre outros, do aclamado Pátria, ganhador de vários prêmios europeus importantes e lançado no Brasil pela Editora Intrínseca.
Aramburu nasceu em San Sebástian em 1959, estudou na Universidade de Saragoza, mora na Alemanha desde 1985, escreveu onze romances e a HBO lançou uma série inspirada no aclamado romance Pátria, monumental saga familiar que atravessa três décadas de conflito no País Basco.
Quando os pássaros voltarem, com uma linguagem envolvente, densa e bem humorada, narra, com ternura, carinho, desgosto e pitadas de humor ácido as memórias do solitário Toni, professor de história da filosofia que, aos 54 anos, cansou e acha que nada mais o prende nesse mundo. A mãe está num asilo e não o reconhece. A relação com o irmão azedou e não tem volta. Ele não consegue se desvencilhar da ex-mulher, apesar dos incontáveis atritos. Seu filho problemático na adolescência chegou a tatuar uma suástica nas costas para imitar os colegas.
Toni marca o dia 31 de julho do ano seguinte para sua morte voluntária, o que lhe dá tempo para acertar pendências e tentar descobrir as verdadeiras razões por trás de sua polêmica decisão. O prazo autoimposto para Toni bater finalmente o martelo é o fim da migração dos andorinhões na primavera espanhola.
Ele gradualmente vai se desfazendo de seus pertences, no apartamento que divide com sua cachorrinha Pepa, e fica escrevendo memórias e anotações pessoais, duras, desesperançadas , mas não menos ternas e espirituosas. Na espécie de diário ele revela intimidades, infância, turbulências históricas da Espanha, relacionamentos com os pais, a ex-mulher, o melhor amigo, o filho e uma inesperada ex-namorada de juventude. Será que Toni regressará com os pássaros?
 

Lançamentos

E fomos ser gauche na vida (Pubblicato Editora, 176 páginas, R$ 45,00), já em segunda edição, da consagrada jornalista e assessora de comunicação Lelei Teixeira, fala de sua experiência e de sua irmã com o nanismo. As belas narrativas mostram o preconceito e apontam para novos e necessários caminhos quanto ao tema.
A ideologia paulista e os eternos modernistas (Editora da Unesp, 270 páginas, R$ 54,00), de Francisco Foot Hardman, professor da Unicamp, desafia o consenso fácil e a hegemonia de pensamento que, de modo geral, os modernistas paulistas obtiveram no país. O modernismo paulista não é o modernismo brasileiro, diz o autor.
Orgulho e Preconceito (Faro Editorial, 320 páginas, R$ 79,90), romance clássico imortal da escritora inglesa Jane Austen (1775-1817) ,em edição especial, mostra a protagonista Elizabeth vivendo um amor à frente de seu tempo, numa sociedade machista . O romance reflete com profundidade sobre amor, o que o torna sempre atual.
 

O velho e o mar

Manhã de inverno, vento frio, sol tíbio, algumas nuvens, luz pousando na praia como se ela fosse tela de pintor impressionista. O velho de longas barbas chega caminhando lento, sozinho, trazendo nas mãos um pedaço de bambu. Na cabeça a velha boina acinzentada, que fora preta. Ele simplesmente caminha. Sem se agitar ou animar demais, ouve o canto das mil sereias que vem das ondas. Ouve as vozes do mar, do vento e dos pássaros e isso é como um mantra feito especialmente para ele, naquele momento.
Então respira lento, sereno, e medita. Pensa que ainda não desacreditou de todo da existência de sereias e outros seres misteriosos do oceano. Acredita que ainda tem algum tempo, curte a sensação de que os calendários deram uma parada e reflete que é melhor nem pensar sobre o tempo. Tempo, só um ponto de vista dos relógios, como disse o atemporal Mario Quintana.
O velho começa a recolher latas de refrigerante, garrafas, pedaços de madeira, restos de brinquedos e outras sobras do veraneio, espalhadas na areia. Sabe que não vai conseguir limpar tudo, mas fica feliz, sente-se melhor fazendo sua pequena parte. Depois da aposentadoria e da pandemia resolveu morar à beira-mar, na casa simples mas aconchegante. Enquanto caminha, lembra do dinheiro que ganhou e que perdeu na vida como representante comercial. Lembra do que comprou e do que vendeu, das vezes em que levou a melhor e das que saiu vencido nos negócios.
Pensa que sempre existe alguém mais esperto do que a gente. Mas isto agora não importa muito. São apenas lembranças, sombras longínquas. No final do jogo o rei, a rainha, os peões, os bispos, os cavalos e as torres vão para a mesma caixa, pensa, lamentando que os senhores dos poderes diversos, públicos e privados, que estão por aí, se achando muito espertos, achem que são eternos, imbatíveis e que nunca vão fracassar ou morrer. Vaidade das vaidades, tudo é vaidade, bem como está na Bíblia.
Enquanto observa as garças e as gaivotas, pensa com carinho na mulher, nos filhos, nos netos e nos bisnetos que estão na capital. Um brilho diferente surge nos olhos fundos: lembra que eles ficaram de aparecer. Abaixa-se para pegar um concha grande, para sortear entre os netos. Sente, então, que não caminha sozinho. Corpo aquecido, acelera um pouco o passo e sente os bons efeitos da caminhada no coração e nos neurônios.
Pensa mais uma vez que não ficou rico, célebre e não produziu grandes obras artísticas, filosóficas ou científicas e não se tornou personagem de Hemingway, nome de rua ou estátua em alguma praça. Mas está em paz, reflete que fez o melhor que podia e ainda tem pequenas tarefas diárias a realizar. Contempla o brilho do sol na areia, e uma intuição boa lhe diz que algum cronista municipal vai lhe dedicar sete ou oito dúzias de linhas. Ou não. Mas não se preocupa com isso. O que tiver que ser, será. Está escrito.

A propósito...

Esses dias um amigo do velho perguntou: o que tu achas do governo, do antecessor e da situação toda que está aí? O velho respondeu, meio brincando, meio sério: "Eu não acho nada. Tinha um amigo que achava e agora não acho o meu amigo. Deixa passar mais um tempo, deixa eu cuidar da minha cabeça, da minha saúde, da família e dos amigos. Deixa eu ver o mar e viver em paz esses meus últimos tempos. Daqui a pouco te digo o que penso sobre esses pretensos poderosos e sobre essas loucuras, mentiras e verdades que andam aí, mundo afora. Só te digo uma coisa: ou acabamos com a polarização exagerada, ou a polarização acaba conosco e com o Brasil. E tomara que nem eu, nem o Brasil acabem tão cedo."