Estamos a praticamente dois meses do fechamento do ano judiciário – e a atual administração do TJRS não conseguirá sequer registrar que tenha havido a prolação de sentença em ação indenizatória que tramita desde 21 de fevereiro de 2008. É o caso mais antigo da justiça gaúcha. O processo trata de alegados erro médico e negligência hospitalar. Há pedido de tutela de urgência, ainda não apreciado! Não há sentença... naturalmente. Há, sim, escancarada inobservância do princípio da razoável duração do processo, direito fundamental expresso na Constituição Federal.
Em 10 de janeiro de 2005 uma mãe deu à luz seu filho, no Hospital da Associação Beneficente de Parobé, município gaúcho de 53 mil habitantes. Foi realizado parto com fórceps, para ajudar a puxar o menino. Alegadamente - segundo a ação - houve imprudência médica que deixou o recém-nascido com diversas sequelas. Logo que nasceu o bebê foi removido à UTI, ali permanecendo por 43 dias. O agora (incapaz) jovem tem 19 anos de idade. Sobrevive em casa, com sua mãe. E por aí se vão a desumanidade, a insensibilidade cruel, a demora cega da justiça etc.
Nesta semana, o Espaço Vital questionou o Departamento de Imprensa do TJRS sobre o fenômeno (ou a rotina?) da lentidão de 17 anos. Em síntese, a rápida resposta refere-se que “a demora na tramitação pode ser atribuída à dificuldade na realização de perícia”, requerida em 2009. Prossegue: “por se tratar de um caso que necessita de um neuropediatra, não foi possível que o Departamento Médico do TJRS realizasse a perícia, em função de indisponibilidade de servidor com essa especialidade”. Mais: “foram diversas as tentativas de nomeações de peritos ao longo dos anos (de 2010 a 2016; e de 2019 a 2023) mas não foi possível nomear um perito em função das desistências dos profissionais”.
O arremate da nota do TJRS parece trazendo uma tímida luz no fim do túnel: “Em março de 2025 foi determinada a intimação de uma empresa que realiza perícias, que aceitou a nomeação e indicou o nome da médica. Esta foi nomeada e seu prazo está em andamento, finalizando no próximo dia 6 de novembro”.
A partir daí serão mais 16 dias úteis no mês. Em seguida chegam a “dezembrada”, o recesso, as férias forenses etc. De imediato, o processo já estará com 18 anos de tramitação. O novo comando da Corte já terá tomado posse em 3 de fevereiro de 2026. E continuará “tudo como dantes no quartel de Abrantes”.
Ou a sentença será proferida antes que a ação complete 20 anos de curvas & pilhas? (Processo nº 5000052-85.2008.8.21.0157).
2 Desilusão com o Estado o Poder
O "tudo como dantes" - acima lembrado - refere-se à situação de abandono e desolação do quartel militar em Abrantes, em Portugal, durante a invasão napoleônica em 1807. A frase foi utilizada para descrever a falta de resposta da Coroa portuguesa à invasão francesa ordenada por Napoleão Bonaparte. Ante a omissão de reação, o general Jean Andoche Junot e suas tropas permaneceram tomando as terras lusas, sem oposição.
A expressão simboliza, no mundo todo, a desilusão com o contexto. E com a falta de ação do Estado em garantir a dignidade, os direitos, e a qualidade de vida da população - especialmente aos menos favorecidos.
3 Demora hospitalar
O insólito caso gaúcho de Parobé leva o colunista a evocar recente solução de outro triste caso de omissão hospitalar - só que este envolvendo famosos. A família do ministro Flávio Dino, do STF, será indenizada em R$ 1,2 milhão em uma ação contra o Hospital Santa Lúcia, de Brasília. A decisão é da Justiça de Brasília. O processo aborda a morte do jovem Marcelo Dino Fonseca de Castro e Costa, ocasionada por negligência médica.
O jovem tinha 13 anos. No Instagram, esta semana, Dino referiu o "péssimo atendimento" do centro médico e revelou que, 13 anos depois da morte do filho, a ação contra o hospital afinal transitou em julgado. O valor reparatório será doado a uma instituição de caridade.
A tramitação foi de 12 anos. A causa primária da morte foi uma crise de asma, que levou o jovem a uma parada cardíaca. Houve demora no atendimento pelo hospital, que é particular. Fundado em 1963, faz parte desde 2012 da Rede D'Or São Luiz. Esta é a maior rede de hospitais privados do país. (Processo nº 0025495-23.2013.8.07.0001).
Custeio do congelamento de óvulos
Os planos de saúde devem cobrir o congelamento de óvulos em pacientes com câncer. A jurisprudência do STJ reforça tal interpretação, reconhecendo que o rol da Agência Nacional de Saúde Suplementar possui caráter exemplificativo, e não taxativo. Em dois recentes julgamentos, a Corte superior definiu que tratamentos indispensáveis ao enfrentamento da enfermidade - ainda que não previstos expressamente no rol da ANS - devem ser custeados pelas operadoras, sob pena de esvaziamento da finalidade contratual.
Os tribunais de justiça estaduais passaram a seguir tal entendimento. Os julgados têm reconhecido "a obrigatoriedade do custeio do congelamento de óvulos em pacientes oncológicas, por considerá-lo parte integrante do tratamento global da neoplasia". (Recursos especiais nºs 1733013 e1889704).
Crescentes ações de alimentos
Conforme o IBGE, são celebrados mais de 900 mil casamentos todos os anos no Brasil. Estima-se que outras centenas de milhares de uniões estáveis sejam constituídas. E as estatísticas do registro civil contabilizam mais de 400 mil divórcios anuais. Não surpreende, portanto, o alto volume de ações judiciais que envolvem ex-cônjuges e ex-companheiros, no cotidiano forense.
A pensão alimentícia é um direito garantido por lei e essencial para a subsistência de crianças e adolescentes. Dados do Conselho Nacional de Justiça mostram que o país registrou 280 mil novos processos de pensionamento apenas no primeiro semestre de 2025. É uma média de 1.530 novos casos por dia.
Responsabilidade dos compradores
Os compradores são responsáveis pelo pagamento das cotas condominiais a partir do momento em que figuram como proprietários na matrícula do imóvel, mesmo que não tenham recebido as chaves. O precedente é da 4ª Turma do STJ, que considerou a natureza da obrigação para afastar a necessidade de demonstração da relação jurídico-material entre o promissário comprador e o condomínio. Trata-se de obrigação que surge da titularidade de um direito real sobre um bem.
A decisão reconheceu a responsabilidade dos executados - promissários compradores de um imóvel em condomínio residencial paulistano - pelos respectivos débitos condominiais. Foram afastadas as teses antes acolhidas pelo Tribunal de Justiça de São Paulo nos embargos à execução. A ação teve origem na cobrança de despesas condominiais vencidas antes da imissão na posse dos compradores. (Recurso especial nº 2147665).