Porto Alegre,

Anuncie no JC
Assine agora
Cinema
Hélio Nascimento

Hélio Nascimento

Publicada em 09 de Janeiro de 2025 às 20:00

Tempos modernos

Confira a coluna de cinema desta semana do Jornal do Comércio, assinada por Hélio Nascimento

Confira a coluna de cinema desta semana do Jornal do Comércio, assinada por Hélio Nascimento

/FESTIVAL CINEMA DE GRAMADO/DIVULGAÇÃO/JC
Compartilhe:
Hélio Nascimento
Numa das cenas de O leopardo, um dos maiores filmes da História do Cinema, realizado em 1963 por Luchino Visconti, o personagem principal, vivido por Burt Lancaster, respondendo a um pedido de dirigente político para ser nomeado senador numa nova fase da história italiana, responde negativamente, acrescentando que a Sicília, cenário do romance de Lampedusa no qual o filme é baseado, nunca mudará. Porém, logo em seguida, resolve alterar sua sentença dizendo que mudará sim, mas para pior.
Numa das cenas de O leopardo, um dos maiores filmes da História do Cinema, realizado em 1963 por Luchino Visconti, o personagem principal, vivido por Burt Lancaster, respondendo a um pedido de dirigente político para ser nomeado senador numa nova fase da história italiana, responde negativamente, acrescentando que a Sicília, cenário do romance de Lampedusa no qual o filme é baseado, nunca mudará. Porém, logo em seguida, resolve alterar sua sentença dizendo que mudará sim, mas para pior.
Visconti, que além do filme em questão realizou outras obras-primas, como Os deuses malditos, que deveria chamar-se O crepúsculo dos deuses, numa referência a Richard Wagner, algo não aceito pelos produtores, era um descendente de nobres que além de cineasta foi um encenador de óperas, tendo dirigido algumas interpretadas por Maria Callas, e inúmeras peças teatrais. Foi também um homem de esquerda, o que certamente explica a correção feita pelo príncipe, reconhecendo a inevitabilidade da mudança, mas a olhando com a ironia e a inteligência que faltam a muitos militantes da atualidade. Uma contradição certamente criada para constatar que mudanças que esquecem os avanços passados terminam em desastre. Esperto é o sobrinho, interpretado por Alain Delon, que, ao comunicar ao tio que vai se aliar aos rebeldes, acrescenta, num dos momentos muito citados do filme, que a "modificação é necessária para que tudo fique como está".
Aqui em Porto Alegre, no setor de exibição cinematográfica, houve tentativas e transformações que indicavam a busca de melhorias, mas, segundo os sinais indicam, o príncipe Salinas tinha razão, na sua correção. Há alguns anos, foi inaugurado um complexo exibidor, com a programação e o ritual do espetáculo regidos por cineclubistas de São Paulo, com o apoio de uma instituição bancária. O objetivo era manter as exibições de sucessos de bilheteria e também reservar espaço para filmes destinados a um público mais atento ao cinema. Recentemente, houve transferências de comando e o resultado, até agora, tem se mostrado decepcionante.
Em primeiro lugar, tudo começa com ridículos e pequenos filmes que imitam a televisão e tratam os espectadores como se fossem decoradores de nomes e outras coisas dispensáveis. Há em um filme de Blake Edwards, que foi um dos grandes comediógrafos do cinema americano, uma cena na qual um dos personagens, ao contemplar uma cena típica de nossos tempos, diz, dirigindo-se a um amigo, "veja, milhares de anos de civilização para se chegar a isso". E há também a questão da projeção. No mesmo complexo e também em outros, avanços permitidos pela tecnologia têm sido mal utilizados e a luminosidade da tela é insuficiente, a ponto de em certas cenas os rostos dos intérpretes se transformarem em sombras. Um convite para que o espectador desista de acompanhar o filme projetado.
Numa fase em que o streaming se transformou em um concorrente perigoso e que por isso não deve ser ignorado, o cinema não pode se transformar num espetáculo mambembe, marcado por deficiências e afastado do essencial, que á uma projeção perfeita tecnicamente. A decisão recente da Warner de lançar um filme de um dos maiores diretores do cinema apenas para telas domésticas é uma clara evidência de que tempos sombrios aguardam os frequentadores das salas de projeção. Mas se o objetivo é transformar o espectador apenas num consumidor de filmes, então é melhor apelar para a resistência e continuar prestigiando espaços como as salas das cinematecas Paulo Amorim e Capitólio e também o administrado pelo Sindicado dos Bancários. Resta esperar que o príncipe e seu sobrinho estejam enganados e que ninguém tenha que constatar que mediocridade e decadência são palavras que resumem um tempo. Também seria necessário que fosse maior o número de pessoas a perceberem como cinema é instrumento precioso para falar de uma época e da necessidade de interpretá-la. Mas, sem dúvida, o sucesso de público de um filme como Ainda estou aqui, de Walter Salles, é um sinal de que ainda há luzes na cidade.
 

Notícias relacionadas