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Cinema

- Publicada em 29 de Dezembro de 2022 às 00:40

Trapaceiros

Hélio Nascimento
O divertimento que expande seu espaço para adotar instrumentos que lhe permitam comunicar ao espectador dados que possam contribuir para que mais luzes iluminem o palco da realidade é algo cada vez mais raro nos dias de hoje. A comicidade feita de realidade tem sido substituída nos últimos anos, no cinema, por um humor grosseiro, desprovido de inteligência e com o objetivo de transformar quem o assiste num devoto da superficialidade e daquela forma que apenas tem apequenado tanto a sátira quanto a irreverência mais saudável.
O divertimento que expande seu espaço para adotar instrumentos que lhe permitam comunicar ao espectador dados que possam contribuir para que mais luzes iluminem o palco da realidade é algo cada vez mais raro nos dias de hoje. A comicidade feita de realidade tem sido substituída nos últimos anos, no cinema, por um humor grosseiro, desprovido de inteligência e com o objetivo de transformar quem o assiste num devoto da superficialidade e daquela forma que apenas tem apequenado tanto a sátira quanto a irreverência mais saudável.
A verdade é que estão distantes os anos em que Lubitsch, Wilder, Wyler e até Bergman, sem esquecer os britânicos dos anos 50 do século passado, enriqueceram o gênero, ao expor contradições, sonhos desfeitos e até conquistas para realçar as lições e as riquezas expostas pela realidade. Porém, nada de saudosismos, Woody Allen será sempre um gigante em um gênero no qual Chaplin foi uma espécie de criador e sempre um inovador em cada filme.
São poucos, porém, numa época em que nulidades são transformadas em obras-primas e até recebem reconhecimento em premiações e festivais. Assim, é possível dizer que A farsa (Mascarade), de Nicolas Bedos, é uma surpresa e ao mesmo tempo algo bastante agradável de ser visto na sua mescla de comédia sofisticada hollywoodiana e intriga organizada de uma forma que à medida que o tempo passa vai sendo esclarecida. E antes de chegar ao final há um desfile de observações que nos colocam diante de uma grande mentira e um esquema que se aproveita de fraqueza e ingenuidade humanas par atingir seu alvo.
O filme começa com uma citação de Somerset Maugham e nas primeiras cenas, inclusive pela utilização de um plano que não deixa dúvida quanto a tal referência, a atmosfera é aquela de Ladrão de casaca, do mestre Hitchcock, que sempre era brilhante ao mesclar humor e suspense. Falar em teatro ao abordar o filme não é um despropósito e não apenas por tal forma de arte transformar o palco em microcosmo, síntese reveladora.
Um dos personagens principais é um ex-bailarino, cuja carreira foi encerrada após um acidente de motocicleta e que agora usa seu poder de sedução para percorrer os caminhos ascendentes proporcionados pelos rituais que escondem verdades e intenções. O filme é cruel com as afetações de algumas divas e estrelas, e certamente não é por acaso que cada participação da personagem vivida por Isabelle Adjani é acompanhada de árias de óperas. É certamente também curioso que algumas cenas, sem que a realidade seja distorcida, sejam filmadas em cenários de peças que estão sendo encenadas. Sem dúvida, há em tais fragmentos a evidencia de que Bedos tem entre suas admirações o grande Joseph L. Mankiewicz, que, em uma cena de A malvada, utilizou a mesma técnica, a fim de acentuar que algo de artificial está comandando as ações no momento.
Porém, estão presentes no filme vários recursos que provam ser Bedos um cineasta ser seguido com atenção. Um desses recursos é empregado através da personagem vencedora de tal jogo de mentiras, vivida por Marine Vacth. Ela pode triunfar nesse jogo de máscaras, mas em seu corpo estão expostos os sofrimentos decorrentes de tal luta. Primeiro a cicatriz na testa. Depois, o ferimento no rosto. E, finalmente, o tiro no ombro. Todos os três deixam sinais e revelam as marcas e as dores produzidas pela luta pelo poder em tal mundo.
Os méritos de A farsa não se limitam a tais acertos. Direção de intérpretes, fotografia, montagem e todos os demais recursos são utilizados com perfeição para que seja criado uma narrativa que focaliza as encenações destinadas a ocultar verdades, e que também abre espaço para que sejam mostradas ingenuidades e infrutíferas tentativas de volta ao passado. E talvez pela presença do personagem vivido por François Cluzet, Bedos também esteja interessado em revelar uma espécie de vingança edipiana, a concretização da derrota da figura paterna, cuja filha real também presente expõe com palavras duras e eloquentes. 
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