Corrigir texto

Se você encontrou algum erro nesta notícia, por favor preencha o formulário abaixo e clique em enviar. Este formulário destina-se somente à comunicação de erros.

Cinema

- Publicada em 15 de Dezembro de 2022 às 17:54

Cotidiano revelador

Hélio Nascimento
O domínio que o diretor James Gray tem da narrativa cinematográfica é exposto claramente da primeira à última cena de Armageddon time, filme que tem sido apontado pelos admiradores do diretor como um de seus melhores trabalhos. O cineasta é daqueles que parte do cotidiano de seus personagens para expor uma visão de mundo, no caso, marcada pelo mais amargo dos pessimismos. Desde o título, o filme procura expor através do teatro familiar uma situação de crise, como se a Humanidade estivesse à beira de um abismo, diante do qual, a fim de escapar do desastre, só resta ao ser humano a recusa e o abandono de um cenário de trevas, algo acentuado pela iluminação adotada durante o desenrolar da ação. Não há outra leitura possível do último plano da obra, quando o personagem principal abandona a festividade que celebra uma das datas icônicas dos Estados Unidos. Parece que Gray tem bem guardado na memória o plano de encerramento de O leopardo, mas estamos muito longe das argutas observações viscontianas sobre as engrenagens sociais, aqui substituídas por dores causadas no passado e que, permanecendo vivas, costumam dar origem a obras marcadas por passagens autobiográficas. Há outras referências cinematográficas no filme, que possui igualmente referências a Os incompreendidos, o primeiro longa de Truffaut e pode ser aproximado de vários filmes iranianos, nos quais, a fim de escapar da censura de um regime ditatorial, alguns cineastas utilizavam personagens de pouca idade para falar de opressão e tirania.
O domínio que o diretor James Gray tem da narrativa cinematográfica é exposto claramente da primeira à última cena de Armageddon time, filme que tem sido apontado pelos admiradores do diretor como um de seus melhores trabalhos. O cineasta é daqueles que parte do cotidiano de seus personagens para expor uma visão de mundo, no caso, marcada pelo mais amargo dos pessimismos. Desde o título, o filme procura expor através do teatro familiar uma situação de crise, como se a Humanidade estivesse à beira de um abismo, diante do qual, a fim de escapar do desastre, só resta ao ser humano a recusa e o abandono de um cenário de trevas, algo acentuado pela iluminação adotada durante o desenrolar da ação. Não há outra leitura possível do último plano da obra, quando o personagem principal abandona a festividade que celebra uma das datas icônicas dos Estados Unidos. Parece que Gray tem bem guardado na memória o plano de encerramento de O leopardo, mas estamos muito longe das argutas observações viscontianas sobre as engrenagens sociais, aqui substituídas por dores causadas no passado e que, permanecendo vivas, costumam dar origem a obras marcadas por passagens autobiográficas. Há outras referências cinematográficas no filme, que possui igualmente referências a Os incompreendidos, o primeiro longa de Truffaut e pode ser aproximado de vários filmes iranianos, nos quais, a fim de escapar da censura de um regime ditatorial, alguns cineastas utilizavam personagens de pouca idade para falar de opressão e tirania.
Os sinais exteriores encaminham o filme para uma crítica centralizada a um determinado período histórico, aquele nos qual o país do cineasta foi governado por Ronald Reagan, período este visto como o início de uma fase na qual a própria Humanidade é ameaçada de destruição. O exagero ficou exposto pelo passar do tempo. A fase é difícil, como se sabe, mas o Apocalipse não se concretizou, ao contrário do que pensa a mãe do protagonista, mesclando a dor causada por um acontecimento lutuoso com o receio diante de um governo visto com algo perigoso. Gray não aprofunda tais relações, mas deixa claro sua antipatia ao colocar em cena uma parente de Donald Trump, que, em plena década de oitenta do século passado, não procura tornar a América grande outra vez, porque exalta virtudes imaginárias já alcançadas e que necessitam ser preservadas através de frases feitas, lugares-comuns e patriotismo superficial, aquele que, citando Samuel Johnson, Stanley Kubrick já havia definido numa das admiráveis cenas de Glória feita de sangue. Como contraponto a tal discurso, o filme coloca em cena a figura do avô, que se transforma em porta-voz de todos os indignados diante de distorções e falsidades. Tudo parece um tanto esquemático, até porque diante de falhas e posições comandas pela mediocridade certamente seria melhor procurar as causas de tais distorções.
Porém é necessário mencionar a forma como filme desenvolve o tema da repressão inerente ao que se poderia se chamar de edificação da sociedade habitada por todos. As cenas iniciais, por exemplo, são precisas e relevantes ao expor paralelamente o autoritarismo do professor e a rebeldia dos alunos diante das normas e convenções, sem esquecer de colocar em cenas os sinais do racismo e a revolta por ele gerada. Depois é a vez do universo familiar ser visto como algo semelhante, um complemento, quando na verdade seria melhor se fosse visto como a origem. E o castigo exercido pela figura paterna é uma cena que pode ser incluída entre as mais reveladoras até hoje filmadas sobre certas formas utilizadas para moldas a obediência e a submissão. O que se vê em tal fragmento do filme é um resumo simbólico das mais diversas formas de tirania. É um exemplo da força que o desconhecimento adquire ao procurar deter certos processos pelo controle e o extermínio de efeitos em lugar das causas. O novo filme de Gray sintetiza em alguns momentos rituais e comportamentos que, estes sim, podem dar origem a mecanismos geradores do grande desastre. Mas o filme, certamente, seria maior, se deixasse de lado algumas simplificações que tem enfraquecido manifestações de inconformidade diante de ameaças tão ridículas quanto perigosas.
 
Conteúdo Publicitário
Leia também
Comentários CORRIGIR TEXTO