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Cinema

- Publicada em 24 de Novembro de 2022 às 18:47

Fantasia e realidade

Hélio Nascimento
O mexicano Alejandro Gonzales Iñárritu, que no começo do século obteve repercussão mundial com um de de seus primeiros trabalhos, Amores brutos, impressionou público e críticos com o toque realista de sua narrativa, não faltando mesmo quem apontasse o surgimento, no início de um novo tempo, de um filme extraordinário, um avanço e um farol a apontar caminhos para um novo e grande cinema. Esta visão otimista nem sempre foi confirmada pelos rumos que parte do cinema tem adotado nos últimos anos. O cineasta, com o filme citado, se tornou tão conhecido que foi escolhido para dirigir um dos curtas-metragens que integraram o documentário sobre os atentados de 11 de setembro de 2001, o que resultou em um pequeno grande filme sobre a irracionalidade e o culto da devastação. Transferindo-se para os Estados Unidos, sua filmografia foi enriquecida com trabalhos como 21 gramas e Birdman, este premiado com o Oscar de melhor do ano e melhor direção. Não foram estas as únicas distinções que ele recebeu, e o nível de sua obra merecidamente o colocou entres grandes realizadores de nossa época. Portanto, qualquer trabalho seu merece atenção, pois ele é um dos que tem tentado resistir à avalanche de superproduções rasteiras, superficiais e simplificadoras, que vem substituindo qualquer tentativa de meditação diante da realidade. Seu novo filme, este Bardo, falsa crônica de algumas verdades, por um lado surpreende pela utilização de elementos oníricos e até mesmo pela utilização de cenas que não recusam se aproximar de detalhes que poderiam ser dispensáveis. Mas como nos sonhos não há censura atuante, o diretor talvez não mereça tal crítica.
O mexicano Alejandro Gonzales Iñárritu, que no começo do século obteve repercussão mundial com um de de seus primeiros trabalhos, Amores brutos, impressionou público e críticos com o toque realista de sua narrativa, não faltando mesmo quem apontasse o surgimento, no início de um novo tempo, de um filme extraordinário, um avanço e um farol a apontar caminhos para um novo e grande cinema. Esta visão otimista nem sempre foi confirmada pelos rumos que parte do cinema tem adotado nos últimos anos. O cineasta, com o filme citado, se tornou tão conhecido que foi escolhido para dirigir um dos curtas-metragens que integraram o documentário sobre os atentados de 11 de setembro de 2001, o que resultou em um pequeno grande filme sobre a irracionalidade e o culto da devastação. Transferindo-se para os Estados Unidos, sua filmografia foi enriquecida com trabalhos como 21 gramas e Birdman, este premiado com o Oscar de melhor do ano e melhor direção. Não foram estas as únicas distinções que ele recebeu, e o nível de sua obra merecidamente o colocou entres grandes realizadores de nossa época. Portanto, qualquer trabalho seu merece atenção, pois ele é um dos que tem tentado resistir à avalanche de superproduções rasteiras, superficiais e simplificadoras, que vem substituindo qualquer tentativa de meditação diante da realidade. Seu novo filme, este Bardo, falsa crônica de algumas verdades, por um lado surpreende pela utilização de elementos oníricos e até mesmo pela utilização de cenas que não recusam se aproximar de detalhes que poderiam ser dispensáveis. Mas como nos sonhos não há censura atuante, o diretor talvez não mereça tal crítica.
Certamente não há operação mais difícil do que, numa arte realista como o cinema, mesclar fantasia e realidade. Iñárritu tenta tal síntese em seu filme, obviamente inspirado em Oito e meio, de Federico Fellini, filme no qual um cineasta tentava organizar memórias, fantasias e realidade enquanto prepara a realização de um novo filme. Bardo é também um filme sobre um personagem mergulhado no passado, dominado pelas forças do inconsciente que insiste em se tornar presente e envolvido em conflitos gerados por sua opção em deixar a terra de origem. A guerra deste Ulisses não é pela posse de uma cidade e nem pela busca de algo raptado. Ele partiu para um outro gênero de combate: aquele relacionado à busca de sucesso e repercussão. Mas o filme não é bem uma autobiografia, embora um elemento, a morte do bebê, faça parte do passado do cineasta. Esse tema, por sinal, dá origem à mais bela cena do filme, aquela na qual é perfeita a utilização da fantasia (permitida pelos efeitos especiais) com imagens reais, o momento da despedida diante do mar. O filme é construído com estas duas linhas que avançam como se estivéssemos ouvindo uma obra estruturada pela técnica do contraponto. Tal opção permite ao cineasta penetrar na mente do protagonista e ao mesmo tempo reconstitui episódios da história mexicana.
O tema dos movimentos migratórios já aparece claramente na cena de abertura e serve para que o filme o desenvolva depois de várias maneiras, ora de forma realista, como na cena da discussão entre os dois amigos e no trecho em que um funcionário da alfândega americana diz ao personagem principal que ele não pode chamar o país de sua casa, ora de maneira a permitir o domínio de uma imaginação esclarecedora. E a crítica a um mundo que padece de orientação é explicitada na recusa de uma nova vida em habitar tal sociedade, satirizada em várias passagens, como na entrevista imaginada a um programa de televisão e na dança que esconde o desespero em falsas demonstrações de alegria. Nesta obra em que por vezes imaginação e realidade se confundem, é feito um cruel retrato de um mundo ao mesmo tempo em que é exposto o drama dos que nele vivem e procuram um caminho, até o ponto em que falta oxigênio para os peixes e vida para os humanos. Distribuído pela Netflix, o filme está sendo exibido nos cinemas porque os produtores pretendem concorrer ao Oscar. E talvez nem fosse necessário dizer que os efeitos sonoros e visuais empregados por Iñárritu são tão notáveis que só em salas adequadas o filme pode ser integralmente apreciado.
 
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