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Cinema

- Publicada em 10 de Novembro de 2022 às 18:08

O retorno do passado

Hélio Nascimento
São tantos os temas abordados pela diretora Claire Denis neste Com amor e fúria de uma forma que é possível constatar que o desenvolvimento deles não está à altura da proposta e nem das ambições da cineasta ao colocá-los na tela. Ao contrário de Alain Resnais e Michael Hanneke, para citar um clássico e um nome mais recente, o que vemos agora são muitos sinais de uma crise ampla, vista de forma um tanto apressada, na medida em que o relato acumula sinais e não consegue percorrer o caminho que leva às causas do desequilíbrio e do sofrimento expostos em todas as cenas da obra. Mas tal observação não invalida o filme, que, em quase todo o desenrolar, expõe o domínio de Denis sobre os recursos narrativos, além de evidenciar que ela maneja com segurança o método de fazer com que acontecimentos do cotidiano se transformem em símbolos de um drama que permanece oculto. Toda a sequência inicial, por exemplo, coloca personagens adultos mergulhados num mar amniótico, vivendo figuras que habitam o cenário original. Logo a seguir a tela escurece e o que depois aparece não é aquela luz que a ingenuidade por vezes pensa ser a luz do fim do túnel. A luz que se aproxima é o anúncio da chegada ao real e de dramas que aos poucos vão sendo desvendados para o espectador. Um renascimento simbólico é apenas uma antecipação de conflitos não resolvidos.
São tantos os temas abordados pela diretora Claire Denis neste Com amor e fúria de uma forma que é possível constatar que o desenvolvimento deles não está à altura da proposta e nem das ambições da cineasta ao colocá-los na tela. Ao contrário de Alain Resnais e Michael Hanneke, para citar um clássico e um nome mais recente, o que vemos agora são muitos sinais de uma crise ampla, vista de forma um tanto apressada, na medida em que o relato acumula sinais e não consegue percorrer o caminho que leva às causas do desequilíbrio e do sofrimento expostos em todas as cenas da obra. Mas tal observação não invalida o filme, que, em quase todo o desenrolar, expõe o domínio de Denis sobre os recursos narrativos, além de evidenciar que ela maneja com segurança o método de fazer com que acontecimentos do cotidiano se transformem em símbolos de um drama que permanece oculto. Toda a sequência inicial, por exemplo, coloca personagens adultos mergulhados num mar amniótico, vivendo figuras que habitam o cenário original. Logo a seguir a tela escurece e o que depois aparece não é aquela luz que a ingenuidade por vezes pensa ser a luz do fim do túnel. A luz que se aproxima é o anúncio da chegada ao real e de dramas que aos poucos vão sendo desvendados para o espectador. Um renascimento simbólico é apenas uma antecipação de conflitos não resolvidos.
O casal focalizado pela diretora, aparentemente vivendo em harmonia e felicidade, acumula vivências e problemas não devidamente solucionados que são agravados à medida que o tempo passa. Há uma certa tensão no rosto de Vincent Lindon, cujas causas aos poucos vão sendo expostas. Quanto à personagem de Juliette Binoche, cujo trabalho permite que o casal se mantenha economicamente estável, fica evidente uma insegurança emocional que não lhe permite uma ruptura com o passado e a faz vítima de um temor pelo futuro. A condenação de Lindon, por participações em um esquema de corrupção, é a materialização no presente de um passado comprometedor, algo que aparece em duas cenas, quando o personagem se depara com exigências burocráticas. Além disso, o tema do colonialismo chega à tela através do filho criado pela avó, depois do casamento inter-racial ser desfeito. O passado colonial da França surge como uma sombra ameaçadora, como uma ferida ainda aberta. Ao colocar em cena três gerações, a mais jovem oculta e se revelando apenas através de um olhar acusador, na cena que se inicia com os latidos irritantes de um cão, Denis acentua conflitos e ressentimentos. Estamos, portanto, diante de personagens expostos à ação de forças geradas por determinação de um poder que domina e controla seres humanos, algo que merecia tratamento mais profundo.
Tudo parece corretamente exposto, mas o filme de certa forma se iguala a seus personagens. Quando a memória se apaga, em processo simbolizado pela queda do celular na banheira - outra vez o tema da água - não resta à mulher um cenário sombrio e sem perspectiva, no último plano da narrativa. Mas há uma cena que acompanha os créditos finais que aponta para soluções superficiais. A ligação entre indivíduo e sociedade são praticamente ignoradas, dando lugar a conselhos paternos e a uma discussão - muito bem encenada e interpretada - do casal no prelúdio da separação. E se o problema é o passado, cumpre expô-lo com veemência e clareza, como fizeram os dois diretores citados no início. Porém, tais argumentos não invalidam um filme que tem o mérito de ser dirigido com segurança, mostrar interesse por aspectos reais e revelar compromissos com personagens verdadeiros. Parece, no entanto, faltar uma visão que revele com maior intensidade o relacionamento entre seres humanos e um mundo que parece os ter colocado em nível inferior. Mas certamente, procurar o equilíbrio no mar original não é bem uma solução, pois a água que tranquiliza pode ser aquela que aniquila a memória indispensável no processo de elucidação de enigmas e extinção de sombras que impedem o surgimento da lucidez.
 
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