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Cinema

- Publicada em 30 de Junho de 2022 às 19:34

O cidadão e o jangadeiro

Hélio Nascimento
A passagem de Orson Welles (1915 - 1985) pelo Brasil deixou marcas no País e no cinema. Famoso pela realização de "Cidadão Kane", produzido em 1941, o cineasta foi integrado ao grupo de artistas enviados pelo Departamento de Estado com o intuito de fortalecer a chamada política de boa vizinhança criada pelo governo americano, preocupado por manifestações de simpatia de alguns integrantes do Estado Novo pelo regime nazista. O episódio é relembrado por Petrus Cariry e Firmino Holanda em "A jangada de Welles", onde são utilizados registros da época, entrevistas, cenas de outros filmes e trechos encenados, tudo de acordo com um padrão bastante conhecido. É um trabalho instigante, ao relacionar o destino de Welles com o líder dos jangadeiros, conhecido como Jacaré. Antes da dupla de cineastas, Rogério Sganzerla (1946-2014), outro fascinado pela presença do diretor americano no Brasil, realizou uma trilogia sobre o tema, integrada por "Nem tudo é verdade" (1986), "A linguagem de Orson Welles" (1990) e "Tudo é Brasil" (1997). Sganzerla, com a irreverência costumeira, realizou ensaios sobre como reagiram a sociedade e os admiradores do cineasta diante da presença daquele que, graças ao filme de estreia, ao seu trabalho no teatro e a programas radiofônicos, um desses baseado em "A guerra dos mundos", de seu quase homônimo H. G. Wells, havia se transformado em nome famoso com pouco mais de 20 anos de idade.
A passagem de Orson Welles (1915 - 1985) pelo Brasil deixou marcas no País e no cinema. Famoso pela realização de "Cidadão Kane", produzido em 1941, o cineasta foi integrado ao grupo de artistas enviados pelo Departamento de Estado com o intuito de fortalecer a chamada política de boa vizinhança criada pelo governo americano, preocupado por manifestações de simpatia de alguns integrantes do Estado Novo pelo regime nazista. O episódio é relembrado por Petrus Cariry e Firmino Holanda em "A jangada de Welles", onde são utilizados registros da época, entrevistas, cenas de outros filmes e trechos encenados, tudo de acordo com um padrão bastante conhecido. É um trabalho instigante, ao relacionar o destino de Welles com o líder dos jangadeiros, conhecido como Jacaré. Antes da dupla de cineastas, Rogério Sganzerla (1946-2014), outro fascinado pela presença do diretor americano no Brasil, realizou uma trilogia sobre o tema, integrada por "Nem tudo é verdade" (1986), "A linguagem de Orson Welles" (1990) e "Tudo é Brasil" (1997). Sganzerla, com a irreverência costumeira, realizou ensaios sobre como reagiram a sociedade e os admiradores do cineasta diante da presença daquele que, graças ao filme de estreia, ao seu trabalho no teatro e a programas radiofônicos, um desses baseado em "A guerra dos mundos", de seu quase homônimo H. G. Wells, havia se transformado em nome famoso com pouco mais de 20 anos de idade.
O objetivo principal era realizar um documentário sobre o carnaval. Porém, em vez de se interessar por bailes e fantasias ele resolveu dar realce à realidade das primeiras favelas. O documentário de Cariry e Holanda lembra que Welles chegou a dizer a assessores que o Brasil estava criando um enorme problema que terminaria num drama terrível no futuro. Foi contestado, mas o tempo lhe deu razão. O documentário dos realizadores cearenses não esquece de tal profecia e por isso merece ser incluído entre aqueles filmes brasileiros mais interessados em encontrar causas do que mostrar indignação diante de efeitos. O carnaval passa a ser assim uma espécie de cortina a esconder cenários e ocultar criaturas sinistras e ameaçadoras, estas aparecendo pela utilização de cenas de clássicos alemães realizados antes o nazismo e também pela presença de Adolf Hitler. Mas foi um outro acontecimento que interessou mais a Welles: a jornada entre Fortaleza e o Rio de Janeiro empreendida pelos jangadeiros comandados por Manuel Olímpio Meira, o Jacaré, realizada um ano antes e cujo objetivo era entregar uma série de reinvindicações para Getúlio Vargas. O interesse foi tanto que Welles se transferiu para Fortaleza, a fim de realizar as primeiras cenas sobre um documentário que iria reconstituir tal jornada. Este filme, que não foi concluído pelo diretor, teve muitas cenas preservadas, cenas estas que registram parte da vida brasileira ignorada pela propaganda oficial, além de se constituírem em imagens de grande beleza.
O documentário não foi concluído, devido a morte de Jacaré quando da reconstituição da cena da chegada ao Rio. Foi um acontecimento que marcou a vida de Welles, mas não impediu que esquecesse a temporada que passou em Fortaleza, lembrada num diálogo de "A Dama de Shangai", que ele realizou em 1948. Depois da temporada brasileira, Welles nunca mais teve o controle total sobre seus filmes, como havia acontecido em Kane. É uma pena, portanto, que o filme da dupla cearense não focalize o drama vivido pelo cineasta ao ver a RKO mutilar seu segundo longa-metragem, Soberba, e a ele impor um final ridículo. De certa maneira, a vida de Meira e Welles representam o resultado de políticas nefastas, sufocadoras do conhecimento e causadoras de terríveis distorções sociais. A atualidade do documentário é, portanto, esta: as reinvindicações dos homens da jangada não foram atendidas e a obra de um artista existiu de forma incompleta. E quando a câmera focaliza o concreto reinando ostensivamente e de uma maneira deformante, o símbolo que resume um mundo se torna um clamor marcado de indignação e revolta.
 
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