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Reportagem especial

- Publicada em 29 de Janeiro de 2023 às 16:04

Artesanato gaúcho movimenta ruas, ateliês e redes sociais

As 14 casinhas que reúnem há 39 anos os 21 integrantes da Associação Canelense de Artesãos são um dos pontos mais visitados pelos turistas na Região das Hortênsias

As 14 casinhas que reúnem há 39 anos os 21 integrantes da Associação Canelense de Artesãos são um dos pontos mais visitados pelos turistas na Região das Hortênsias


/Associação Canelense dos Artesãos/divulgação/jc
  
  

Eduardo Torres, especial para o JC*
Não são raros os turistas que há mais de 30 anos viveram momentos especiais na serra gaúcha e, agora, ao retornarem a Canela, fazem questão de fotografar e levar uma lembrança ao se depararem, no centro da cidade, ao lado da Casa de Pedra, com aquelas mesmas casinhas delicadas, que mais parecem de bonecas.
São as 14 casinhas que reúnem, há 39 anos, os 21 integrantes da Associação Canelense de Artesãos. A maior parte deles é especialista na arte em madeira e tecido, mas com um ingrediente extra, como explica a presidente da associação, Juliana Graziola.
"A nossa arte tem a missão de garantir essa memória afetiva ao turista e a todos que frequentam aqui. Faço artesanato desde os nove anos, e quando era criança, morava em Encantado, mas visitava Canela e ficava fascinada com essas casinhas. Marcou a minha memória. Então, o artesanato para nós precisa ser bem mais do que só uma lembrancinha ou um objeto. É uma experiência. E isso geralmente traz este cliente de volta", conta a artesã.
O artesanato é um setor da economia completamente transversal. Transita da cultura ao turismo, da geração de renda à indústria criativa, da economia circular ao comércio movido pela memória afetiva.
De acordo com a Fundação Gaúcha de Trabalho e Ação Social (Fgtas), há 97,5 mil artesãos cadastrados no Rio Grande do Sul. Entre 2020 e 2021, foram comercializados mais de R$ 60 milhões em mais de 3,5 milhões de peças, conforme o levantamento de vendas por notas fiscais.
No entanto, a formalização de artesãos ainda é um processo em evolução. A estimativa da presidente do Colegiado Setorial do Artesanato, na Secretaria da Cultura, Rejane Verardo, é de que a comercialização anual ultrapassa os R$ 100 milhões.
Se forem considerados os valores movimentados em toda a cadeia produtiva do artesanato, desde o fornecimento da matéria-prima, a estimativa é de que o setor responda por mais de 2% do PIB do Estado. Para a coordenadora do Programa Gaúcho do Artesanato (PGA), da Fgtas, Luciana Pêss, o momento é de amadurecimento do artesanato como uma força econômica, de fato, no Rio Grande do Sul.
"Durante o último ano, agimos principalmente em três frentes: a participação dos artesãos em feiras nacionais, estaduais e regionais como forma de fomentar o mercado; a qualificação dos artesãos, principalmente em relação à gestão dos negócios; a facilitação da formalização, com a nota fiscal eletrônica do artesão. Sabemos que temos ainda bastante a avançar, principalmente em relação ao registro de artesãos no meio rural, indígenas e quilombolas, por isso, teremos em 2023 uma parceria com outros atores sociais, como a Emater", explica Luciana.
 

Artesanato em números

  • 97,5 mil artesãos cadastrados pela Fgtas no Rio Grande do Sul
  • Entre 2020 e 2021, o setor comercializou mais de R$ 60 milhões (levantamento de notas fiscais emitidas)
  • Em toda a cadeia produtiva do artesanato, estima-se a movimentação de 2% do PIB
    do Rio Grande do Sul

Comércio do Brique da Redenção gera R$ 5,4 milhões ao ano

Delaine de Oliveira trabalha com cuias e itens que valorizam o porongo como matéria-prima

Delaine de Oliveira trabalha com cuias e itens que valorizam o porongo como matéria-prima


Delaine de Oliveira/Arquivo pessoal/JC
Se não o principal, o mais conhecido palco do artesanato gaúcho reúne até 50 mil pessoas a cada domingo, no Parque da Redenção, em Porto Alegre. É local para vendas, sim, mas também é o ponto em que o verdadeiro sentido deste tipo de comércio, como define Rejane Verardo, se faz presente. "Não é uma feirinha. O local de exposição do artesanato é uma experiência. Você vive e sente ela".
Foi ali, no Brique da Redenção, que Luiz Jardim, hoje com 70 anos, encontrou o espaço para expor e garantir a prosperidade para a sua arte em madeira. Morador de Alvorada, ele garante uma renda média de dois salários mínimos por mês, com praticamente todas as vendas aos domingos, na sua banca.
 
Luiz Jardim/arquivo pessoal/jc
Jardim leva sua arte em madeira pra o Brique da Redenção. Eduardo Torres/Especial/JC
Não há valores exatos, mas, conforme os rendimentos médios dos 180 expositores de artesanato cadastrados para o Brique da Redenção, é possível considerar pelo menos R$ 450 mil comercializados a cada mês - R$ 5,4 milhões por ano.
"Se não fosse pelo brique, eu não sei se conseguiria me manter no artesanato. Hoje, as vendas pela internet até ajudam, mas ter este espaço, este contato com o público, é fundamental", aponta Jardim, que há mais de 30 anos atua no Brique.
Criado em 1978 - desde 1982 com a participação de artesãos -, em 2005, o Brique da Redenção foi oficialmente reconhecido como patrimônio cultural de Porto Alegre. Um título que, para a artesã Delaine Oliveira, de 62 anos - há 39 no Brique - , poderia ser melhor aproveitado pelo setor.
"Essa é uma atração turística do nosso Estado. Quando o turista sabe da existência do Brique, ele vem e fica encantado. Mas precisa ser melhor divulgado. Eu vendo muito para as pessoas de fora daqui, justamente pela curiosidade e para levarem para casa o que produzimos aqui", diz.
 

Atividade não é apenas uma 'renda extra'

Potencial de Morro Reuter no cultivo de lavanda é explorado nas peças

Potencial de Morro Reuter no cultivo de lavanda é explorado nas peças


/Anelise Bredow/arquivo pessoal/jc
Não à toa, Anelise Bredow abriu mão da carreira que tinha, há 17 anos, no desenvolvimento de produtos em uma indústria de pisos cerâmicos, para investir na sua arte. Formada em artes visuais e especialista no trabalho com cerâmica, ela hoje mantém seu ateliê com visitações e vendas ao público no Vale do Sinos. "Nunca me arrependi da decisão de vir para Morro Reuter e trabalhar exclusivamente com a arte, o artesanato", explica ela.
O ateliê e o artesanato, que incluem outros artistas do município, são um dos pontos altos no roteiro turístico da cidade, que aposta no potencial do cultivo da lavanda. No caso deste ateliê, o visitante encontra peças decorativas em cerâmica adequadas para a aromatização com a lavanda. De acordo com Anelise, 90% das suas vendas são para turistas.
Quem visita o local, no centro da cidade, tem a oportunidade de vivenciar como é produzida cada peça, desde o manuseio da cerâmica até o forno onde as peças são finalizadas e resultam, como faz questão de salientar Anelise, em peças únicas. Nenhuma é igual à outra. No final, é quase inevitável levar algo para a casa.
Nascida em Cachoeira do Sul, em 2006, a artista desenvolveu um plano de negócios com o Sebrae para abrir o seu ateliê no Estado, já apostando no potencial que o artesanato tem associado ao turismo. "Tinha pensado em Gramado, mas percebi que o caminho para lá era também muito atrativo. Foi aí que vi o potencial em Morro Reuter. Vivo da arte e do turismo, com essa aposta na experiência do visitante", garante.
A Rota da Lavanda é considerada pela turismóloga Fernanda Silva como um dos bons exemplos de como pode ser positiva a relação entre o turismo e o artesanato local. Há quase 10 anos ela é extensionista da Emater, trabalhando especialmente na concretização do turismo rural e de rotas que valorizem características de cada região do Estado.
"Ainda é algo incipiente e em desenvolvimento no Estado as estratégias para estimular o que temos aqui. No Rio Grande do Sul, o potencial é imenso, justamente porque temos muita diversidade de materiais e formas de arte, com muitas vertentes regionais. São potenciais tanto para o turismo criativo, de experiência, quanto para um serviço complementar a uma rota, com itens de venda e lembrança", explica a turismóloga.
Fernanda destaca características do artesanato regional como a arte em lã na Campanha, a arte em madeira característica nas Missões e nas áreas indígenas, as escamas de peixe no Litoral Norte ou as bonequinhas tradicionais em áreas quilombolas. Ou ainda a valorização de rotas, como acontece em Morro Reuter, ou em Montenegro, onde o artesanato é associado à produção dos cítricos.
Conforme o último diagnóstico do turismo rural, organizado pela Emater, somente 6% das propriedades envolvidas neste setor relataram ter comercialização de produtos relacionados ao turismo. O Rio Grande do Sul tem 106 roteiros turísticos divulgados pelo portal da Secretaria Estadual de Turismo, destes, somente 10% destacam em sua descrição as atividades de artesanato encontradas pelos visitantes nestas localidades.
 

Mais feiras podem potencializar o espaço de exposição e aumentar as vendas

Juliana diz que turistas buscam, além de presentes, reviver a memória afetiva

Juliana diz que turistas buscam, além de presentes, reviver a memória afetiva


/Associação Canelense dos Artesãos/divulgação/jc
Quando é potencializado em seu espaço de exposição, o artesanato dá resultado. A partir de 2015, por exemplo, a Emater desenvolveu formas de qualificar os artesãos rurais que participam da Expodireto. Em 2022, o artesanato respondeu por R$ 1,5 milhão comercializados em um dos pavilhões da feira. Fenômeno parecido acontece na Expointer, com R$ 1,7 milhão comercializados - contando com os produtos da agricultura familiar.
"Estamos aguardando uma data para nos reunirmos com o governador tendo como pauta exatamente a evolução do Programa Gaúcho de Artesanato. Precisamos de fomento e, principalmente, mais espaços qualificados para a comercialização. Temos uma grande diversidade de técnicas, somos geradores de dinheiro para a economia, mas ainda falta visibilidade", explica Rejane Verardo.
Uma das líderes da Federação de Entidades de Artesãos do Estado do Rio Grande do Sul (Fedargs), que reúne 18 entidades, Rejane diz que nasceu no artesanato. O pai era ferreiro, o irmão artesão, e ela, que é especialista na arte com couro, também casou com um artesão. E há muito tempo entendeu a importância que tem a existência de pontos de venda que relacionem essa arte à cultura, à memória e ao turismo de cada local. Ela criou a Feira da Praça da Alfândega.
A feira, nos finais de tarde de sábado, é o local que tem garantido o crescimento da Associação dos Artesãos da Praia do Barco, em Capão da Canoa. Criado há quatro anos, o grupo conta com 30 artesãos. "Também participamos de outras feiras, mas queremos consolidar as feiras de sábado como uma grande atração de Capão. Estamos investindo para aumentar a propaganda e atrair o povo para cá", explica a vice-presidente da associação, Rita de Cássia Silveira.
Outro exemplo está na Associação Canelense de Artesãos, que completou 40 anos e tem naquelas casinhas um ponto de referência na comunidade. "Muitas vezes o turista está em Gramado, por exemplo, mas faz questão de vir até Canela para comprar lembranças e peças artesanais. É um reconhecimento pelo trabalho e cuidado que temos com este espaço", avalia a presidente, Juliana Graziola. As casinhas foram montadas depois da doação do terreno pela Prefeitura de Canela, em 1979.
De acordo com Rejane Verardo, o alinhamento entre entidades de artesãos e os governos municipais, principalmente em localidades com o turismo forte, é o que garantirá um salto na importância do setor.
Para a coordenadora do PGA, Luciana Pêss, ampliar as possibilidades de comercialização e exposição do artesanato gaúcho é prioridade. Em 2022, a Fgtas levou artesãos gaúchos a cinco feiras nacionais, estaduais e regionais. Há ainda 16 Casas do Artesão, que servem como referência para qualificação e vendas, espalhadas pelo Estado.
 

Quem não é visto, com criatividade, não é lembrado

Fernanda Marques enfatiza que é preciso chamar a atenção nas redes sociais

Fernanda Marques enfatiza que é preciso chamar a atenção nas redes sociais


/Fernanda Marques/arquivo pessoal/jc
A pandemia escancarou aos artesãos a necessidade de se adaptar aos meios virtuais para seguir produzindo. Mas não basta criar um perfil em rede social e mostrar o artesanato. Quem começa a se dar bem com as vendas online dá uma dica que não é assim tão nova, mas adaptada às novas plataformas: a propaganda é a alma do negócio.
"Há muitos estímulos nas redes sociais, então é preciso chamar a atenção e se fazer ser visto usando de criatividade. Mesmo que você ache que o material não está assim tão bom, divulgue, apareça", recomenda a ilustradora Fernanda Marques, de 26 anos, que vive da arte e é formada em produção multimídia pela Faculdade Senac.
O perfil da Fable Ilustras, mantido por ela no Instagram, está próximo dos 10 mil seguidores, e em um dos vídeos mais recentes, que mostram o processo de criação de um dos desenhos da Fernanda, chegou a nove mil visualizações.
"Ainda garanto mais vendas nas feiras porque a interação é diferente, mas senti que precisava estar nas redes e criar uma loja online durante a pandemia", diz ela, que já trabalha em mais uma inovação. Neste ano, abrirá um projeto de financiamento coletivo do seu Tarô Ilustrado, pela plataforma Catarse.
Mas estar presente no mundo virtual não é exclusividade de quem vende por este meio. Mesmo tendo decidido que não venderia online, para preservar a originalidade e exclusividade de cada peça, a artista visual Anelise Bredow não descuida das redes sociais.
"A rota turística pode ser atrativa mas, por si só, não garante o interesse do visitante. Eu trabalho para atrair essa visita pela qualidade e os diferenciais da arte que eu produzo", conta.
No perfil do Ateliê Anelise Bredow no Instagram, com pouco menos de cinco mil seguidores, ela expõe os produtos e produz vídeos com a produção, mas principalmente, reforçando o ambiente que o turista encontrará no ateliê e na rota da lavanda. É a imagem que atrairá o visitante.
 

A tradição na arte de cada região do Estado

Associação Pampa Caverá utiliza lã das ovelhas da região para criar peças

Associação Pampa Caverá utiliza lã das ovelhas da região para criar peças


/pampa caverá/divulgação/jc
A importância cultural do artesanato é um traço que não passa despercebido pelas empresas que investem no Estado. Em 2022, a Associação Pampa Caverá, de Rosário do Sul, que trabalha com a arte a partir da lã de ovelha, foi selecionada no edital do Fundo de Desenvolvimento da CMPC. A entidade receberá R$ 50 mil para investir em tecnologia, qualificação de jovens da região para o artesanato com a lã e a divulgação do trabalho da Pampa Caverá.
"A associação surgiu em 2012, com a intenção de valorizar a criação do artesanato de crochê, tricô, feltragem, tear, trançagem e biscuit, tendo como matéria-prima a lã de ovinos da nossa região. É um modo sustentável de produção e que representa uma herança cultural", explica a presidente da associação, Cláudia Nascimento.
São 19 artesãos envolvidos no processo, que tem origem no fornecimento de lã in natura e em outros formatos de produtores rurais da Campanha. O maior ponto consumidor dos produtos da Pampa Caverá é São Paulo e, a partir de uma parceria com a designer Adriana Fortunato, a arte de Rosário do Sul também chega a Milão. 

Comunidade Kaingangue comercializa obras de cipó trançado no Brique da Redenção

Luiz Salvador, da comunidade Kaingangue, leva as criações da tribo para comercializar em Porto Alegre

Luiz Salvador, da comunidade Kaingangue, leva as criações da tribo para comercializar em Porto Alegre


Luiz Jardim/arquivo pessoal/jc
Em Porto Alegre, é o Brique da Redenção a maior - e praticamente única - oportunidade de venda e manutenção da tradição da comunidade Kaingangue do Morro do Osso no artesanato a partir da palha de cipó. "Aprendi a trançar o cipó com a minha mãe, e ensinamos para os mais novos. Nossa venda é quase toda aqui no Brique", conta Luiz Salvador, de 59 anos, que há 20 leva os cestos e ornamentos com cipó trançado para a feira do Brique.

Mas, assim como boa parte do artesanato tradicional, há dificuldade cada vez maior em encontrar matéria-prima. Com o avanço urbano, encontrar o cipó no Morro do Osso já não é tão simples. Lugares como a Lomba do Pinheiro têm sido a alternativa. É que o artesanato, além de movimentar a economia e manter vivas culturas locais, também tem papel na conservação dos recursos naturais.

Se na Campanha empresas como a CMPC tornaram-se apoiadoras desta iniciativa, uma saída institucional para atrair outros investidores e jogar luz sobre a produção artesanal é a consolidação do patrimônio cultural imaterial do Estado. Atualmente, há dois patrimônios imateriais reconhecidos listados no Rio Grande do Sul: a Tava, lugar de referência para a memória e a identidade do povo Guarani, e as Tradições Doceiras da região de Pelotas.

Entre os processos em andamento, há pelo menos quatro diretamente relacionados ao artesanato, com destaque para a tradição da arte em palha de butiá, mantido em comunidades de Torres, no Litoral Norte. E outros em que o artesanato pode ser beneficiado, como o do reconhecimento da produção da erva-mate, para vitaminar as vendas da arte a partir do porongo.

Há ainda a listagem de Indicação Geográfica, que, em relação ao artesanato, ainda não contempla ainda o Rio Grande do Sul. Ainda assim, como salienta a turismóloga Fernanda Silva, este é um setor que precisa ser estimulado e qualificado para acompanhar os movimentos do turismo. O Vale dos Vinhedos é um exemplo de sucesso, pois chega a receber cerca de 450 mil pessoas por ano.

O que era lixo na indústria se transformou em artigo de exportação

Produção das Redeiras do Extremo Sul, de Pelotas (fotos à esquerda e ao centro), e o trabalho do Grupo Canoa, de Canoas (foto à direita), estão no Top 100 do Artesanato 2022 do Sebrae

Produção das Redeiras do Extremo Sul, de Pelotas (fotos à esquerda e ao centro), e o trabalho do Grupo Canoa, de Canoas (foto à direita), estão no Top 100 do Artesanato 2022 do Sebrae


/Associação Redeiras do Extremo SUl/divulgação/jc
O artesanato gaúcho tipo exportação tem a marca da responsabilidade ambiental e da parceria com a indústria e outros setores produtivos na sua essência. As associações Grupo Canoa, de Canoas, e Redeiras do Extremo Sul, da Colônia São Pedro, em Pelotas, estão na lista de 2022 do Top 100 do Artesanato Brasileiro, organizada pelo Sebrae.
"Eu atribuo o nosso destaque ao compromisso que nós temos com a sustentabilidade e a geração de emprego e renda. Temos um papel fundamental para garantir que o mundo não vire um lixão e para que a indústria garanta a circulação de materiais que seriam descartados na natureza", explica Edy Ferreira Ribeiro, presidente da Associação Grupo Canoa, que faz parte da lista desde o início desta premiação, há seis anos.
A partir do trabalho de pelo menos 20 artesãs a cada mês, tendo a borracha reutilizada da indústria como principal matéria-prima, bolsas e outros acessórios semelhantes, hoje chegam à Espanha, França, Alemanha e diversas lojas no Brasil, especialmente na região de São Paulo.
"O nosso público é aquele que valoriza um produto diferenciado, com preocupação ambiental. Foi isso que nos levou, por exemplo, uma universidade na Espanha em 2014, para contar a nossa experiência no artesanato", conta a artesã, ao recordar da participação, como palestrante em um seminário internacional de cooperação artesanal, em Extremadura.
A iniciativa para que Canoas se tornasse um polo inovador em artesanato partiu de uma sugestão da Refap, em parceria com a Prefeitura de Canoas e o Sebrae. O desafio era criar alternativas de economia circular. Após um período de seis meses de qualificação com um grupo que chegou a 50 interessadas, em 2007 as borrachas provenientes da indústria automobilística começaram a ser transformadas em acessórios atrativos. E a primeira linha foi lançada na Mercopar.
 
sebraers/divulgação/jc
Grupo Canoa, de Canoas, também faz parte da lista do Sebrae. Grupo Canoa/Divulgação/JC
 
"A cada semana conseguimos reaproveitar mais de 20 quilos de materiais que iriam para o lixo. Hoje, as câmaras de ar estão entre as nossas principais matérias-primas. Temos ainda parcerias com indústrias de Cachoeirinha e Capela de Santana, que fornecem sucatas e panos de guarda-chuvas, ou ainda de Porto Alegre, que doam sobras da produção de persianas para virarem ecobags", conta Edy.
Costureira, ela aprendeu com a mãe a trabalhar com o tear e o artesanato. Quando surgiu a oportunidade de se qualificar para o projeto que surgia em Canoas, não pensou duas vezes.
 

Renda gerada também contribui para a preservaçEntre 2008 e 2009, uão ambiental

Entre 2008 e 2009, grupo de artesãs da Colônia de Pescadores São Pedro passou por qualificação

Entre 2008 e 2009, grupo de artesãs da Colônia de Pescadores São Pedro passou por qualificação


/Associação Redeiras do Extremo SUl/divulgação/jc
No Sul do Estado, a articulação com o Sebrae também foi fundamental para que a Associação Redeiras do Extremo Sul transformasse em arte antigos problemas ambientais na região de pesca em Pelotas. Entre 2008 e 2009, um grupo de artesãs da Colônia de Pescadores São Pedro passou por um processo de qualificação e gestão de negócios, organizado pelo Sebrae.
Em 2010, lançaram sua primeira coleção de bolsas e acessórios como colares a partir de redes usadas e escamas de peixe. Dois anos depois, a bolsa "Lagoa dos Patos" conquistou o segundo lugar na categoria "objeto de produção coletiva", do Prêmio Objeto Brasileiro, promovido pelo Museu A Casa.
A produção é sazonal. Atualmente, por exemplo, o grupo que reúne nove artesãs e até 20 famílias envolvidas em todo o processo, tem uma encomenda que deve retirar do ambiente pelo menos 80 quilos de redes.
"Comecei como consultora do projeto e me apaixonei. O Sebrae saiu e eu continuei. Passei a fazer a integração entre o que era produzido na colônia e a transformação disso em geração de renda", explica a diretora da associação, Rosani Raffi Schiller. A associação tem papel de destaque nos projetos de promoção do turismo em Pelotas.
Enquanto os produtos são comercializados em uma das bancas do Mercado Público da cidade, as visitações à colônia também entraram no roteiro turístico local. Em março, está previsto um desfile de lançamento de uma nova linha.
 

* Eduardo Torres é jornalista, com passagens pelos jornais Zero Hora, Diário Gaúcho e Correio de Gravataí