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Entrevista especial

- Publicada em 01 de Maio de 2022 às 11:00

Combate a fake news cabe à Justiça Eleitoral e à sociedade, diz representante do MP Eleitoral

"O ideal seria que o usuário da internet e das redes sociais estivesse aberto a diferentes fontes de informação e opiniões", avalia o promotor Freitas Xavier

"O ideal seria que o usuário da internet e das redes sociais estivesse aberto a diferentes fontes de informação e opiniões", avalia o promotor Freitas Xavier


fotos: Divulgação MPRS/JC
O coordenador do Gabinete de Assessoramento Eleitoral do Ministério Público (MP) do Rio Grande do Sul, promotor de Justiça João Pedro de Freitas Xavier, acredita que o combate às fake news não é um desafio apenas da Justiça Eleitoral, mas também da sociedade. Assim como ocorreu nas eleições de 2018, o promotor projeta que a desinformação será um desafio no pleito de 2022. Ele também alerta que as notícias falsas sobre o próprio processo eleitoral são passíveis de punição.
O coordenador do Gabinete de Assessoramento Eleitoral do Ministério Público (MP) do Rio Grande do Sul, promotor de Justiça João Pedro de Freitas Xavier, acredita que o combate às fake news não é um desafio apenas da Justiça Eleitoral, mas também da sociedade. Assim como ocorreu nas eleições de 2018, o promotor projeta que a desinformação será um desafio no pleito de 2022. Ele também alerta que as notícias falsas sobre o próprio processo eleitoral são passíveis de punição.
Recentemente, o presidente da República, Jair Bolsonaro (PL), voltou a atacar a confiabilidade do processo eleitoral brasileiro, especialmente o uso de urnas eletrônicas. O coordenador do Gabinete de Assessoramento Eleitoral do MP, entretanto, defende a lisura das eleições brasileiras. "O Tribunal Superior Eleitoral (TSE), em inúmeras publicações e eventos públicos, demonstrou a integridade, segurança e a auditabilidade das urnas eletrônicas. Esses procedimentos são realizados com participação de partidos, candidatos, coligações, MP, Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), entidades da sociedade civil e dos próprios eleitores", pondera.
Ele explica ainda algumas novidades nas regras das eleições marcadas para outubro. Uma delas é a que "prevê que os votos dados a candidatas mulheres ou a candidatos negros para a Câmara dos Deputados nas eleições de 2022 a 2030 serão contados em dobro para efeito da distribuição dos recursos dos fundos partidário e eleitoral". Isso tende a estimular a participação das mulheres e negros na eleição.
Nesta entrevista ao Jornal do Comércio, Freitas Xavier também explica que os eleitores poderão fazer doações aos candidatos através de chaves Pix, e que o horário de votação vai ocorrer de 8h às 17h, apenas no horário de Brasília (sem levar em conta os fusos de alguns estados brasileiros). Ele comenta ainda a destinação de cerca de R$ 4,9 bilhões ao Fundo Eleitoral.
Jornal do Comércio - Os temas da corrupção, fake news e a própria polarização política marcaram as últimas eleições gerais, em 2018. O que espera do pleito em 2022? O que deve marcar esse processo eleitoral?
João Pedro de Freitas Xavier - Alguns temas, como estes citados no questionamento - além de outros, como a credibilidade das pesquisas de intenção de voto, por exemplo -, têm sido recorrentes nas últimas eleições. É de se esperar que, de alguma forma, se repitam, ainda que em novas roupagens. De outro lado, a experiência e o debate público levado a efeito nos últimos anos têm propiciado mecanismos para combater a desinformação, a distorção das informações, contribuindo para o aprimoramento da conscientização do eleitor.
JC - Como as federações, uma das novidades do pleito de 2022, devem impactar na eleição?
Freitas Xavier - A união de partidos em federações foi instituída com o objetivo de permitir às legendas atuarem de forma unificada em todo o País, como um teste para uma eventual fusão ou incorporação. Com a criação das federações, os partidos poderão se unir em apoio a candidaturas para qualquer cargo, desde que permaneçam assim durante todo o mandato (de quatro anos) a ser conquistado, valendo para eleições majoritárias (presidente, governador e senador), bem como para as proporcionais (deputados federal e estadual). Pela obrigatoriedade de permanecerem em um mesmo bloco por, pelo menos, um mandato, o cenário ideal seria o de formação de federações entre partidos com afinidade programática.
JC - Além das federações, quais outras mudanças vão ser implementadas nas regras eleitorais em 2022?
Freitas Xavier - Dentre elas, eu destacaria quatro. Primeiro, a questão dos votos em dobro e a distribuição do Fundo Eleitoral (que é distribuído apenas nos anos de eleição, para financiar as campanhas partidárias). A Emenda Constitucional número 111 e a resolução do Fundo Eleitoral preveem que os votos dados a candidatas mulheres ou a candidatos negros para a Câmara dos Deputados nas eleições de 2022 a 2030 serão contados em dobro para efeito da distribuição dos recursos dos fundos partidário e eleitoral. Segundo, há horário de início e término das eleições. O Tribunal Superior Eleitoral decidiu que haverá apenas um horário de início e término das eleições, que será centralizado no horário de Brasília. Dessa forma, estados com fuso horário - como o Acre, Amazonas, parte do Pará e Mato Grosso do Sul e o território de Fernando de Noronha - terão que seguir o horário da capital federal, previsto para ocorrer entre 8h e 17h. Terceiro, haverá a possibilidade de usar Pix para as doações de campanha. Os candidatos poderão receber recursos por meio do Pix, sendo que a chave para identificação deve ser sempre o CPF ou o CNPJ. E, nesta eleição, o showmício vai ser permitido. O TSE regulamentou a realização de eventos musicais, permitindo apresentações artísticas e shows em eventos que tenham o objetivo específico de arrecadar recursos para as campanhas eleitorais.
JC - As notícias falsas geraram grande polêmica nas eleições de 2018, desencadeando até investigações e uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) no Congresso Nacional. Como avalia o impacto das fake news em 2018?
Freitas Xavier - A velocidade da propagação das fake news nas eleições 2018 exigiu do TSE uma atuação rápida e efetiva no julgamento das liminares em representações com pedidos de retirada de conteúdos da internet. Das 50 ações sobre o assunto protocoladas na corte durante o período eleitoral, 48 foram respondidas prontamente. Em média, o tribunal levou menos de dois dias para decidir os pedidos de liminar nas demandas levadas à sua apreciação. A celeridade foi claramente uma meta perseguida pelos juízes responsáveis pela análise da propaganda presidencial no TSE.
JC - O combate à desinformação é um dos principais desafios do pleito de 2022?
Freitas Xavier - A Câmara dos Deputados e o TSE assinaram um termo de cooperação para combater a disseminação de notícias falsas, as fake news, durante as eleições de 2022. Entre as medidas definidas no termo, estão o desenvolvimento de ações e projetos, conjuntamente, para o enfrentamento da desinformação no processo eleitoral, além de atividades voltadas à conscientização da ilegalidade das práticas de desinformação. Também ficou definido que as instituições adotarão medidas para desestimular e denunciar a criação e a utilização de redes de desinformação e condutas ilegais, bem como o envio de disparo em massa de mensagens de propaganda política durante as eleições. Além disso, também foi definido que o TSE e a Câmara vão atuar "na defesa da integridade do processo eleitoral e da confiabilidade do sistema eletrônico de votação".
JC - Há estrutura suficiente para coibir a propagação da desinformação? Uma vez que é difícil monitorar a internet, especialmente as redes sociais, a eliminação das fake news é uma tarefa exequível?
Freitas Xavier - A internet e as redes sociais ocupam espaço cada vez maior no cotidiano da população, para todos os tipos de atividades, inclusive a política. Dependendo da forma como são utilizadas, podem propiciar espaço amplo para debate de ideias e opiniões, o que é visto como algo positivo. Porém, também podem ensejar a equivocada percepção de que as ideias e opiniões de um determinando grupo - as chamadas "bolhas digitais" - reflitam a totalidade do pensamento da sociedade. O ideal seria que o usuário da internet e das redes sociais estivesse aberto a diferentes fontes de informação e opiniões, desenvolvendo juízo crítico para formar sua própria opinião, sempre com respeito às ideias divergentes. Mais do que um desafio à Justiça Eleitoral, essa tarefa é um desafio à sociedade como um todo.
JC - A legislação prevê punição para a desinformação durante a campanha? Que punições podem ser aplicadas a quem distribuir fake news, por exemplo?
Freitas Xavier - O ato de propagar desinformação na propaganda eleitoral dá ensejo ao exercício do direito de resposta previsto no art. 58 da Lei nº 9.504/1997, sem prejuízo de uma eventual responsabilidade penal. Além disso, a divulgação ou compartilhamento de fatos sabidamente inverídicos ou gravemente descontextualizados que atinjam a integridade do processo eleitoral, inclusive os processos de votação, apuração e totalização de votos, podem acarretar cassação de registro e ou do diploma, por eventual abuso de poder e uso indevido dos meios de comunicação.
JC - O presidente da República vem levantando dúvidas sobre a eficácia e a confiabilidade das urnas eletrônicas no Brasil. Como avalia as declarações do presidente?
Freitas Xavier - A segurança e confiabilidade das urnas eletrônica, como outros abordados anteriormente, são um tema recorrente e polêmico. Independentemente de quem suscite a questão, qualquer sistema de votação - urna eletrônica, voto em papel, voto em urna eletrônica com voto impresso - é passível de críticas, o que, muitas vezes, permite esclarecimentos e aprimoramentos. De qualquer forma, o Tribunal Superior Eleitoral, em inúmeras publicações e eventos públicos, demonstrou a integridade, segurança e a auditabilidade das urnas eletrônicas. Esses procedimentos, vale lembrar, são realizados com ampla participação de partidos, candidatos, coligações, Ministério Público, Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), entidades da sociedade civil e dos próprios eleitores.
JC - O Fundo Eleitoral vai destinar cerca de R$ 4,9 bilhões às campanhas para presidente, governador, senador, deputados federal e estadual. Considera razoável o valor destinado para esta finalidade neste ano?
Freitas Xavier - É uma cifra que suscitou questionamentos e divergência de opiniões, sobretudo, em um país com notórias carências e com escassez de recursos. A questão foi resolvida por maioria de votos no Supremo Tribunal Federal, prevalecendo a compreensão de que essa definição cabia ao Congresso Nacional. Superado o questionamento, cumpre zelar pela adequada utilização desses valores, em conformidade com a lei.
JC - Apesar de se tratar de recursos públicos, a distribuição do fundo dentro dos partidos fica a critério dos presidentes, da direção partidária. Considera esse método de destinação adequado? Ou deveriam existir critérios mais objetivos para a distribuição da verba de campanha entre os candidatos?
Freitas Xavier - Como referido na resposta anterior, o valor do fundo e os critérios de distribuição foram objeto de questionamentos e intensas discussões nas instâncias competentes. Em 2020, por exemplo, o Ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ), Herman Benjamin, defendeu, em debate na Câmara dos Deputados, que a legislação fosse aperfeiçoada, com a fixação de critérios mais objetivos, reiterando, porém, a defesa do Fundo Eleitoral em contraste com o sistema de financiamento privado das campanhas. Creio, afora o debate nas esferas apropriadas para deliberar sobre o tema, que a fiscalização da correta aplicação desses valores é um dos melhores caminhos possíveis para aperfeiçoar o sistema.
JC - Deseja acrescentar algo?
Freitas Xavier - Sim. Gostaria de salientar a relevância do trabalho da imprensa no esclarecimento do eleitor, a fim de que possa exercer seu direito ao voto de forma consciente, contribuindo para o aperfeiçoamento do processo eleitoral. Finalmente, cabe destacar a importância do papel de todos os atores do processo político, lembrando que os partidos, candidatos e coligações, inclusive, possuem legitimidade para propor ações eleitorais, presumindo-se que sejam os principais interessados em garantir a lisura do pleito e o pleno exercício da democracia.

Perfil

João Pedro de Freitas Xavier é natural de Porto Alegre. Graduou-se bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, em1989. Dois anos depois, concluiu o Curso Preparatório à Carreira da Magistratura da Associação dos Juízes do Rio Grande do Sul (Ajuris) e o Curso Preparatório à Carreira do Ministério Público da Escola Superior do Ministério Público. Ainda em 1991, se tornou promotor de Justiça no Estado do Rio Grande do Sul. Em 1993, ministrou aulas de Direito Penal na Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos). No Ministério Público (MP) gaúcho, atuou nas comarcas de Guaporé, São Sebastião do Caí, São Borja, Alvorada, Guaíba e Porto Alegre. Na Capital, trabalhou na 2ª Vara do Júri, Promotorias da Fazenda Pública e na Assessoria da Administração Superior do MP. Em julho de 2021, assumiu a coordenação do Gabinete de Assessoramento Eleitoral. Também atua como promotor de Justiça assessor da Procuradoria de Recursos.