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Entrevista especial

- Publicada em 13 de Março de 2022 às 15:17

Coibir a desinformação será o maior desafio das eleições de 2022, diz presidente do TRE

Lima da Rosa afirma que Justiça Eleitoral deve contar com apoio para combater notícias falsas

Lima da Rosa afirma que Justiça Eleitoral deve contar com apoio para combater notícias falsas


ANDRESSA PUFAL/JC
Marcus Meneghetti
Para o presidente do Tribunal Regional Eleitoral (TRE) do Rio Grande do Sul, desembargador Arminio José Abreu Lima da Rosa, o principal desafio das eleições de 2022 será o combate à desinformação. Por isso, a Justiça Eleitoral já se prepara para a tarefa: o TRE terá campanhas publicitárias, mecanismos de fiscalização e parcerias com instituições; o Tribunal Superior Eleitoral deve contar com o apoio de grandes empresas de tecnologia, como Google e Meta, para tirar do ar notícias falsas.
Para o presidente do Tribunal Regional Eleitoral (TRE) do Rio Grande do Sul, desembargador Arminio José Abreu Lima da Rosa, o principal desafio das eleições de 2022 será o combate à desinformação. Por isso, a Justiça Eleitoral já se prepara para a tarefa: o TRE terá campanhas publicitárias, mecanismos de fiscalização e parcerias com instituições; o Tribunal Superior Eleitoral deve contar com o apoio de grandes empresas de tecnologia, como Google e Meta, para tirar do ar notícias falsas.
"Nosso maior problema será a desinformação. Será que o voto reflete, efetivamente, a vontade do eleitor? Afinal, a desinformação engana, desvia o eleitor", pondera o desembargador. Por outro lado, ele vê com otimismo a maior preocupação da sociedade com relação às informações falsas. "A sociedade começa a ter consciência da importância de buscar informações em fontes confiáveis, de desconfiar das notícias muito bombásticas."
Mesmo defendendo o combate à disseminação de conteúdos falsos, o presidente do TRE admite que é "delicado" o limite entre censurar a liberdade de expressão dos cidadãos e impedir que esse direito seja usado para incitar crimes. "Em termos de liberdade de expressão, devemos ter muito cuidado para não incidir no campo oposto. Não podemos virar censores. Também não podemos ir ao outro extremo, tolerando toda e qualquer manifestação."
Para ele, combater conteúdos falsos e ofensivos é uma questão de proteger a democracia. "Até que ponto a sociedade pode tolerar que algumas pessoas se valham da liberdade que a democracia permite para aniquilar a própria democracia?"
Nesta entrevista ao Jornal do Comércio, Arminio José Abreu Lima da Rosa também aponta os avanços que as federações, uma novidade das eleições 2022, podem trazer à política brasileira. O desembargador comemorou ainda os 90 anos da Justiça Eleitoral no Brasil, defendendo sua eficiência e imparcialidade.
Jornal do Comércio - Em 2018, a Justiça Eleitoral enfrentou o desafio de coibir as fake news. Quais serão os grandes desafios das eleições de 2022?
Arminio José Abreu Lima da Rosa - Nosso maior problema será a desinformação. Será que o voto reflete, efetivamente, a vontade do eleitor? Afinal, a desinformação engana, desvia o eleitor. Em 2018, tivemos essa questão. Creio que será um problema desse pleito também. Por isso, já na eleição anterior, criamos uma comissão para informar bem. Não gostamos muito da expressão 'fake news', preferimos desinformação. Nessa comissão, divulgamos a informação correta, fidedigna, através de vários caminhos. Fizemos um convênio com a ESPM, que fez uma plataforma para divulgação tanto na internet, como na impressa e demais veículos de comunicação. Alertamos a população sobre as notícias impregnadas de conteúdos falsos. As demais ações correspondem à fiscalização e apuração (da distribuição de conteúdo falso) e, quando surgir algum dado concreto, vamos agir mais incisivamente.
JC - A velocidade é crucial no combate às notícias falsas, porque, muitas vezes, os conteúdos são tirados do ar depois que já interferiram nos rumos da eleição.
Lima da Rosa - Sem dúvida. Mas é importante mencionar que a população está mais alerta para isso. Na eleição de 2018, foi uma realidade que até surpreendeu. Entretanto, já houve uma evolução, em termos de conhecimento e alerta à sociedade, de modo que o alcance (da desinformação) é menos nocivo hoje. A sociedade começa a ter consciência da importância de buscar informações em fontes confiáveis, de desconfiar das notícias muito diferentes, bombásticas. Contudo, é evidente que elas (as notícias falsas) sempre causam estrago. O que podemos fazer é procurar impedir que ocorram e, se ocorrerem, diminuir o dano.
JC - O senhor acredita que a polarização política, que acirrou o ataque aos adversários políticos, contribuiu para a propagação da desinformação?
Lima da Rosa - Na minha visão, isso está relacionado ao desenvolvimento das redes sociais. A permissividade que as redes têm com as notícias falsas é uma realidade que até passa por cima da polarização de A contra B. Isso afeta não só as eleições, mas todas as áreas do conhecimento que trabalham com informação.
JC - No combate à desinformação relacionada à Covid-19, as grandes empresas de tecnologia, como Google e Facebook, que agora se chama Meta, tiveram um papel importante, tirando do ar notícias falsas. Uma parceria com as chamadas Big Techs seria uma solução para o combate à desinformação nas eleições?
Lima da Rosa - O TSE tem atuado nisso firmemente. E tem recebido a devida cooperação de todas essas empresas, praticamente. A única que tem gerado problemas é o Telegram, mas não sei se é possível resolver rapidamente a situação dessa rede específica.
JC - Na eleição de 2018, uma das grandes polêmicas foi o uso das chamadas milícias virtuais e dos robôs para atacar candidatos. Qual a estratégia para conter esse tipo de ação?
Lima da Rosa - O uso de robôs é um mecanismo básico para a desinformação, porque potencializa a transmissão da notícia falsa. O que se tem procurado é tentar localizar as situações e bloqueá-las. Sem falar na responsabilização das mais diversas ordens.
JC - Muitas pessoas, quando são compelidas a retirar do ar conteúdos falsos, argumentam que o direito à liberdade de expressão garante a veiculação daquele tipo de notícia. Qual é o limite entre tolher a liberdade de expressão e combater o conteúdo falso?
Lima da Rosa - A liberdade de manifestação não pode ser levada a extremos. Isto é, não posso me valer da minha liberdade de expressão para incentivar crimes, práticas racistas. Inclusive, tivemos uma série de casos no Supremo Tribunal Federal, sendo um episódio aqui no Rio Grande do Sul, em que um escritor divulgava textos nazistas (pela internet). O Supremo entendeu que a liberdade de expressão não pode ser utilizada para esse tipo de coisa. Não podemos usar a liberdade de expressão para incentivar delitos, preconceitos raciais, sexuais e assim por diante. A história de direitos absolutos, mesmo dessa natureza, não pode ser aceita. Todo direito deve ter um limite.
JC - Ao mesmo tempo, é necessário ter cuidado para não incorrer em censura...
Lima da Rosa - Evidentemente que, em termos de liberdade de expressão, devemos ter muito cuidado para não incidir no campo oposto. Não podemos virar censores. Também não podemos ir ao outro extremo, tolerando toda e qualquer manifestação. É um ponto delicado. Até que ponto estamos exercendo uma censura indevida? E até que ponto estamos impedindo que a liberdade de expressão seja utilizada como incentivo a crimes e preconceitos? Vamos colocar a questão do ponto de vista histórico: aceitaríamos o tipo de manifestação de Joseph Goebbels (ministro da Propaganda nazista) hoje? Deixaríamos ele falando livremente? É para isso, entre outras coisas, que existe o Judiciário: para saber cortar os casos absolutamente indevidos da liberdade de informação.
JC - No início de 2021, vimos protestos pedindo a volta da ditadura militar, fechamento do Congresso Nacional, do STF...
Lima da Rosa - Até que ponto a sociedade pode tolerar que algumas pessoas se valham da liberdade que a democracia permite para aniquilar a própria democracia? Quantos casos tivemos ao longo da história, de pessoas que se valeram da liberdade (para acabar com ela)? O nazismo na Alemanha talvez seja o maior exemplo. Havia a Constituição de Weimar, extremamente liberal, que permitiu a ascensão do nazismo. Quando os nazistas assumiram o poder, liquidaram com a democracia alemã. Agora, é um ponto extremamente sensível diferenciar a censura, que não podemos tolerar, do uso da liberdade para incitar crimes. É um divisor de águas difícil de ser achado. Deve ser praticado com equilíbrio.
JC - Uma das novidades dessa eleição é a possibilidade de os partidos formarem federações. Na sua avaliação, esse formato de alianças é melhor que as coligações?
Lima da Rosa - Desde 2017, as coligações só são permitidas nas eleições majoritárias. Qual é o problema das coligações? É que elas valem só para a eleição. Depois que terminou o pleito, terminou a coligação. Por causa disso, havia alianças de partidos ideologicamente opostos, um estava em um determinado extremo do espectro político; e outro, no extremo oposto. Consequentemente, o eleitor votava em um candidato e, ao mesmo tempo, beneficiava outro, cuja ideologia não lhe agradava. No caso das federações, é diferente. A primeira diferença entre a federação e a coligação é o tempo de duração: a federação é para todo o mandato, de quatro anos ou de oito, no caso do Senado. A segunda diferença é que a federação tem uma estrutura jurídica, o que implica em um estatuto próprio, com registro civil de pessoas jurídicas e no TSE. A federação atua como um partido...
JC - A coligação era uma aliança mais informal, na qual, em geral, os compromissos são firmados verbalmente...
Lima da Rosa - A coligação era extremamente informal, só valia para eleição, depois adeus. A federação, não. Para ela funcionar, é necessário que haja uma sintonia ideológica entre os partidos, porque terão que viver quatro ou oito anos. Se uma legenda sair antes desse prazo, ela perde o acesso ao fundo partidário. E, como disse, ela atua como se fosse um partido: tem a bancada da federação; a liderança da federação; além de ser a federação, e não o partido, a entidade levada em consideração na distribuição proporcional nas comissões do Congresso Nacional. A única coisa que se mantém nos partidos políticos é a prestação de contas.
JC - Quais os avanços no sistema político com as federações?
Lima da Rosa - A federação, se for levada a sério, exigirá afinidade ideológica nas alianças políticas. Essa é a principal finalidade. Inclusive, se analisarmos as negociações entre os partidos, percebemos que algumas federações não se materializaram, porque os partidos estão se dando conta das suas desafinidades ideológicas. Para essa eleição, se admitiu a constituição das federações até 31 de maio. Em princípio, seria até 1 de março. Mas, em 2022, como estava muito em cima das eleições, o prazo foi estendido.
JC - Em fevereiro deste ano, a Justiça Eleitoral brasileira completou 90 anos. O que o senhor destaca nesta trajetória?
Lima da Rosa - Nos orgulhamos não só dos 90 anos da Justiça Eleitoral, mas também do que ela deu à nação durante esse período. Ela é uma criação do Código Eleitoral de 1932, que teve como grande mentor o gaúcho (Joaquim Francisco de) Assis Brasil. Aliás, o código só saiu, porque o ministro da Justiça era outro grande gaúcho, Mauricio Cardoso. O código tem vários fatores positivos. Posso citar quatro, pelo menos. Primeiro, estabeleceu o sigilo no voto. Segundo, garantiu o voto feminino, o que catapultou o Brasil à frente da maioria dos países. Fomos um dos pioneiros nisso. O terceiro avanço foi a proporcionalidade, porque, até então, as minorias não tinham representação (nas casas legislativas). O quarto avanço foi, justamente, a criação da Justiça Eleitoral. O curioso é que o Código de 1932 já falava que a Justiça Eleitoral deveria criar uma máquina de votar. Veja que curioso.
JC - O presidente Jair Bolsonaro (PL) disse que, na opinião dele, a Justiça Eleitoral tem um custo muito alto. Qual a importância dela para as eleições no Brasil?
Lima da Rosa - Todos os anos de eleição, o TSE arregimenta um exército de mesários. Cerca de 500 mil urnas são distribuídas nesse país, transportadas de todos os jeitos, de barco, helicóptero, avião. A Justiça Eleitoral as coloca nas sessões eleitorais com a maior eficiência. A apuração dos votos também é feita com eficiência. Então, ela não é somente eficiente, também é imparcial. Algumas pessoas questionam se a Justiça Eleitoral é custosa. Está certo, ela tem seu custo. Mas a pergunta que eu faço é: será que um órgão do Executivo ou do Legislativo, se fossem criados para prestar esse mesmo serviço, seriam menos custosos do que a Justiça Eleitoral? Segundo, seriam mais eficientes? E, terceiro, a Justiça Eleitoral tem neutralidade, isenção e imparcialidade. O Legislativo e o Executivo estão suscetíveis à influência partidária. O Judiciário, não. Ele é absolutamente indiferente a quem vai ganhar as eleições. A ele, importa que o processo eleitoral seja conduzido de uma forma limpa, segura e transparente. Quem ganhou mais votos será efetivamente o vencedor.
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