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Entrevista especial

- Publicada em 30 de Maio de 2021 às 11:00

Gustavo Ferenci projeta revolução na transparência de dados de Porto Alegre

'Vai ser uma decepção se, depois de quatro anos, não estivermos entre os três melhores no País'

'Vai ser uma decepção se, depois de quatro anos, não estivermos entre os três melhores no País'


MARIANA ALVES/JC
A inspiração para as mudanças que devem surgir com um salto em tecnologia e abertura de dados para uma maior integração entre serviços da prefeitura de Porto Alegre e os cidadãos vem da Estônia, um pequeno país na borda do mar Báltico, norte europeu. "A Estônia é case mundial e tem 2 milhões de pessoas. Se lá conseguiram, Porto Alegre que tem 1,5 milhão de habitantes também tem de conseguir fazer", acredita o secretário de Transparência e Controladoria da Capital, o jornalista Gustavo Ferenci.
A inspiração para as mudanças que devem surgir com um salto em tecnologia e abertura de dados para uma maior integração entre serviços da prefeitura de Porto Alegre e os cidadãos vem da Estônia, um pequeno país na borda do mar Báltico, norte europeu. "A Estônia é case mundial e tem 2 milhões de pessoas. Se lá conseguiram, Porto Alegre que tem 1,5 milhão de habitantes também tem de conseguir fazer", acredita o secretário de Transparência e Controladoria da Capital, o jornalista Gustavo Ferenci.
"Vai ser uma decepção se, depois de quatro anos, não estivermos entre os três melhores em qualquer ranking", desafia Ferenci, que aponta como vital para isso a integração de plataformas de sistemas de dados - hoje são 80 bases que operam simultaneamente e pouco ou não se falam. O secretário também destaca a adoção de um manual e regras de compliance, comuns no meio corporativo privado, como outra vertente para educar o quadro sobre a conduta em relação ao que é público.
Ao unir diversos braços que dão conta desde controles à comunicação com o cidadão em uma mesma pasta, a Capital começa a chamar a atenção e pode até servir de exemplo no País. Já dentro de casa, Ferenci adianta que mudanças a serem sentidas em 2022 poderão ser uma "pequena revolução". 
Jornal do Comércio - Quando se fala em transparência de dados, o que significa e qual é a obrigação de uma prefeitura?
Gustavo Ferenci - A abertura ou transparência de dados é dar acesso a jornalistas e qualquer cidadão sobre o que está acontecendo. O exemplo mais clássico é o dos salários dos servidores, mas também envolve obras. Hoje é possível acompanhar o andamento, contratações e os valores das intervenções pelo site da prefeitura. Tem uma obra na sua rua e quer saber quanto custou? Cada vez tentamos mostrar mais isso, dando acesso de fato ao que está sendo feito e orientações sobre os serviços. No mundo, a transparência de dados começou há cerca de 20 anos, e no Brasil surge há 10, 11 anos. Todo cidadão tem o direito de questionar o poder público sobre informações, e o governo é obrigado a responder. Isso se chama transparência passiva. Temos um sistema para isso em  Porto Alegre, o Sistema Eletrônico de Informação ao Cidadão (e-SIC), que qualquer cidadão pode entrar. O prazo de resposta é de 20 dias, prorrogáveis por mais 10. Estamos trabalhando para ir além das questões legais. Hoje 30% a 40% das informações no site não são obrigações legais. A ideia é passar da transparência passiva para a ativa, o que gera mais trabalho para as secretarias.
JC - Como Porto Alegre está em rankings de transparência e quanto precisa melhorar?
Ferenci - Porto Alegre está bem, costuma estar entre as cinco capitais melhor colocadas. Só que os rankings trabalham muito com questões legais, como salário e obras. O Brasil é muito acanhado na transparência comparado a países nórdicos, como a Estônia, que é a grande referência em abertura de dados no mundo. O país começou um processo chamado cidadão único há cerca de 10 anos. No momento em que se adiciona tecnologia para melhorar a relação com as pessoas, abrem-se automaticamente os dados do município, do estado e do país. Lá, eles levaram 10 anos para ter todos os dados abertos disponíveis. A Estônia é case mundial e soma 2 milhões de pessoas. Se lá conseguiram, Porto Alegre, que tem 1,5 milhão de habitantes, também tem de conseguir fazer. Vai ser uma decepção se depois de quatro anos não estivermos entre os três melhores em qualquer ranking, seja do Transparência Brasil ou da Controladoria-Geral da União (CGU), por exemplo. Na pandemia, nosso portal da Covid-19 é muito bem recomendado, ficando entre os 10 melhores do País. Existe uma expertise aqui, o que é muito importante. A maioria dos servidores da secretaria é de pessoal do quadro, o que garante memória e continuidade das ações. Nosso objetivo é chegar no nível da Estônia, onde os eleitores votam por meio de aplicativos.
JC - O tema da transparência ainda enfrenta resistência dos governos?
Ferenci - Fazer lei é super tranquilo. O problema é cumprir e fazer com que as pessoas entendam como fazer. É preciso uma mudança cultural, por isso não pode só ser uma questão legal. É necessário vontade política sim. Um exemplo que é interessante: na campanha a prefeito do (Sebastião) Melo (MDB), criamos o programa Vozes da Cidade, que eram reuniões com especialistas sobre 17 temas de Porto Alegre, entre eles transparência como um tópico central. O prefeito eleito e depois empossado manteve essa lógica e ainda a reforçou. O primeiro ato do atual governo, em 2 de janeiro, foi a assinatura de um termo de compliance, apresentado na primeira reunião do secretariado. Alguns (secretários) desconheciam o que era, outros ficaram até chocados. Depois disso, partimos para desenvolver um plano. Até o fim do ano, vamos fazer a formação de 12 mil servidores ativos - do procurador e médico até o gari -, para começar a mudar a cultura. Estamos fazendo isso porque teve a vontade política do prefeito em bancar essa ação. Criamos um conceito único aqui ao juntarmos controladoria, corregedoria, transparência, ouvidoria, atendimento ao cidadão e compliance dentro de uma mesma pasta. 
JC - Como vai ser o compliance no setor público?
Ferenci - O compliance é um programa de integridade, ou seja, como eu trabalho seguindo padrões éticos e morais de conduta. Isso já tem nas empresas e está migrando para o setor público. Um exemplo concreto é o servidor receber um boton de uma empresa. Aí eu coloco. Tem problema isso? Não tem. Mas agora se me convidam para um fim de semana em Gramado. Aí muda o rumo, ou seja, quais são os limites do que se pode ou não aceitar? Sei que são exemplos óbvios, mas, às vezes, precisa ensinar esse óbvio. O programa tem um termo geral e agora estamos trabalhando em um decreto para formalizar as ações. Ao mesmo tempo, montamos um manual de compliance para traduzir o juridiquês para que o servidor lá da ponta entenda. Também faz parte desse movimento de formação os eventos que chamamos de Dia da Transparência, com cada área da gestão. A ideia é melhorar o padrão de conduta dos servidores, mas principalmente de responsabilidade com o cidadão. É engraçado que alguns servidores, é importante frisar que a maioria é muito boa, tratam o cidadão como se estivessem fazendo um favor ao terem de atender às demandas. E não estão. Os salários e os cargos são públicos, por isso temos o dever para com o cidadão. O compliance trabalha isso: tanto na conduta ética como na relação de responsabilidade com os cidadãos. Tem uma música da banda Capital Inicial que fala assim: O que você faz quando ninguém te vê fazendo. Essa é a ideia: quando a chefia não tiver por perto ou vendo, e a pessoa estiver agindo de forma correta, aí a gente vai ter vencido e o compliance vai estar instalado.
JC - Como ter mais controles para impedir condutas lesivas?
Ferenci - Os casos de corrupção chamam mais a atenção, mas eles representam menos de 15% do dinheiro que o governo perde. Em geral, a causa é erro ou desperdício. Temos processos de auditoria interna e prévia. O que a Controladoria faz? Um exemplo é a varrição de rua ou recolhimento de lixo: existe um contrato que quem paga é o Departamento Municipal de Limpeza Urbana. As notas vêm para cá para ver se o que está no contrato foi cumprido. Se foi, passamos para a Secretaria da Fazenda e autorizamos que pague. Quando isso não acontece, devolvemos por alguma incongruência e não autorizamos o pagamento. Essa é a nossa função. Como reduzimos a taxa de devolução? Com formação, pois em geral são erros. Tem casos que já verificamos que é preciso rever processos para reduzir os problemas. Mas também apontamos quando surgem situações de suspeita de corrupção. Em abril, a nossa ação evitou que a prefeitura pagasse mal R$ 800 mil. Não podemos dar detalhes, devido a sigilo contratual, apesar da transparência. As situações envolviam três contratos. Em um de R$ 200 mil, estava sendo pago equivocadamente um serviço que ainda não tinha sido feito. Não nos pareceu que foi um caso de corrupção, mas de equívoco, pois o gestor deixou passar. A Controladoria viu e negou. Essas situações identificadas costumam somar R$ 4 milhões a R$ 5 milhões por ano na prefeitura da Capital.
JC - É possível adotar algum sistema que barre isso no começo do processo?
Ferenci - A gente já usa e temos um projeto, o Trilha de Auditoria, para compra de um sistema para cruzar todos os contratos da prefeitura, que são mais de 10 mil. Mas mesmo com tudo isso, precisamos educação para entender a metodologia. A Controladoria pode indicar que alguma situação pode resultar em apontamento do Tribunal de Contas (TCE), por exemplo, mas quem decide é o ordenador de despesa.
JC - Como o senhor avalia a estrutura de acesso a informações dos canais da prefeitura? 
Ferenci - A gente trabalha com o conceito de que nada pode passar de três cliques para ser acessado. O atual sistema é antigo, tem mais de 10 anos e estamos fazendo algumas melhorias. Vamos trocar o sistema em 2022, construindo um novo Portal da Transparência, com recursos que já temos reservado. Estamos discutindo com diversos segmentos da sociedade para saber o que as pessoas e instituições esperam da plataforma. O edital para contratação deve ser lançado no segundo semestre e será nosso presente nos 250 anos de Porto Alegre. Vai ser um portal mais ágil e transparente. 
JC - A Procempa, a estatal da área de tecnologia da Capital, auxilia nessas soluções?
Ferenci - Em primeiro lugar, a Procempa tem sido uma grande parceira. Um exemplo disso é o aplicativo #EuFaçoPOA. Descobrimos que muita gente não acessava porque precisava ter cadastro no portal Gov.br, que exige vários dados, o que dificultava para as pessoas. Queríamos entrar pela conta Google ou Facebook, por exemplo. Chamamos a Procempa, e resolvemos em um mês. O reflexo disso foi o aumento extraordinário de pessoas que buscam o canal que não precisam mais ter de ligar para o 156 para resolver suas demandas. De janeiro a maio, os acessos subiram 54% no canal do 156 pela web frente ao mesmo período de  2020. Mas a estatal não tem como entregar tudo. Com a quebra do monopólio aprovada pela Câmara Municipal em abril, a Procempa passa a ser concorrente do mercado. Fizemos uma consulta pública,  road show com nove empresas para levantar sugestões e conhecer alternativas de mercado para formatar o termo de referência para as mudanças. Também tivemos rodadas para conhecer as experiências de Curitiba e São José dos Campos, no Brasil, Medelín, na Colômbia, e Barcelona, na Espanha. São cases de sucesso para enterdemos o que se pode fazer aqui. Nem tudo é tecnologia, em geral, é mudança de cultura e procedimentos e metodologia. A Procempa está junto nisso. A licitação que será aberta no segundo semestre vai detalhar exatamente o que queremos.
JC - É posível trazer startups para este processo?
Ferenci - Tivemos empresas, que são startups mais consolidadas, que se increveram no road show para apresentar suas soluções. O Pacto Alegre, que reúne universidades e hubs de inovação, é também parceiro nesta construção e em outras iniciativas envolvendo Tecnologia de Comunicação e Informação (TICs). O maior problema é que os governos contratam para cinco anos, mas as mudanças são mais rápidas. Na licitação que vamos fazer, a ideia é prever atualizações periódicas. Nada impede que a empresa que vencer chame startups para participar do desenvolvimento. Porto Alegre está muito atrasada em termos de sistemas, com problemas de comunicação entre eles. Isso vai mudar. Vamos trabalhar com o conceito de omnichannel.       
JC - Como vai ser isso?
Ferenci - O novo sistema da Central do Cidadão unificará todos os outros. A perspectiva é que em cinco a seis anos - portanto não é um programa de governo, mas de cidade - tenhamos isso. Devemos começar pela saúde, pela relevância. No caso da vacina, as pessoas são chamadas para a segunda dose por telefone. Quando tivermos um chamamento integrado, quem já tem cadastro será avisado quando a dose estiver disponível e onde fazer. Tudo por mensagem. Essa é a pequena revolução que vai começar em 2022. 

Perfil

O secretário municipal de Transparência e Controladoria de Porto Alegre, Gustavo Ferenci, tem 43 anos e nasceu em Viamão, mas cresceu em Passo Fundo, no Planalto gaúcho, onde se graduou em Jornalismo pela Universidade de Passo Fundo (UPF) em 1999. Tem especialização em transparência e abertura de dados em formações no Brasil e no Exterior. Ferenci foi professor da Universidade Paranaense entre 2002 e 2006. Foi jornalista da prefeitura da Capital de 2009 a 2012. Participou da construção da Estratégia de Resiliência, em parceria com a Fundação Rockefeller, lançada em 2016. De 2013 a 2014, foi assessor de comunicação na Câmara Municipal de Porto Alegre. Exerceu a função de chefe de gabinete da Secretaria Estadual de Cultura, Esporte e Turismo durante o governo de José Ivo Sartori (MDB, 2015-2018) e coordenou a Comissão de Economia, Desenvolvimento Sustentável e Turismo da Assembleia Legislativa do RS de 2019 a 2020. Também coordenou o projeto Vozes da Cidade, que serviu de base para o plano de governo do prefeito Sebastião Melo (MDB, 2021-2024).