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Política

- Publicada em 14 de Junho de 2020 às 21:13

Para Ciro Gomes, falta ao País reflexão sobre projeto nacional

Ciro Gomes confirma a disposição de voltar à disputa presidencial em 2022

Ciro Gomes confirma a disposição de voltar à disputa presidencial em 2022


/fotos: MARIANA CARLESSO/arquivo/JC
Fernanda Crancio
Político de posições fortes e polêmicas, Ciro Gomes (PDT) inspirou-se em sua terceira disputa à presidência da República, em 2018, para pesquisar ainda mais a fundo sobre a política e a economia brasileiras. Motivado pelas palestras que fez após o pleito, especialmente para grupos de jovens, juntou dados e embasamentos, e lançou, no final de maio, o livro Projeto nacional: o dever da esperança.
Político de posições fortes e polêmicas, Ciro Gomes (PDT) inspirou-se em sua terceira disputa à presidência da República, em 2018, para pesquisar ainda mais a fundo sobre a política e a economia brasileiras. Motivado pelas palestras que fez após o pleito, especialmente para grupos de jovens, juntou dados e embasamentos, e lançou, no final de maio, o livro Projeto nacional: o dever da esperança.
Nesta entrevista ao Jornal do Comércio, o ex-ministro aborda os principais pontos da obra, fala de suas andanças pelo Brasil e faz uma análise crítica e ácida, como de costume, ao atual momento do País. Com o legado de quem recebeu mais de 13 milhões de votos na eleição que levou Jair Bolsonaro (sem partido) ao Palácio do Planalto, Ciro diz que o presidente faz um "governo trágico, sob o ponto de vista econômico e de saúde pública" e que conduziu o Brasil à pior crise de sua história.
Também analisa a relação do atual governo com as demais instituições e defende o impeachment do presidente. "É a única saída, prospectando um futuro próximo do Brasil." Dizendo adotar uma oposição responsável, confirma a disposição de voltar à disputa presidencial em 2022.
Jornal do Comércio - O senhor lançou, recentemente, o livro Projeto nacional: o dever da esperança. Em que contexto surgiu a ideia de escrevê-lo?
Ciro Gomes - Quando acabou a campanha (para presidente da República, em 2018), senti uma necessidade muito grande de continuar lutando, achava que o Brasil iria entrar numa encalacrada grave, conheço o despreparo do Bolsonaro, sabia do tamanho do problema brasileiro, sabia das posições ideológicas do (Paulo) Guedes (ministro da Economia), então comecei, praticamente 100 dias depois da eleição, a rodar o País e a sentir necessidade (de escrever) ao notar a curiosidade dos jovens brasileiros. Fiz um esforço grande, consultei muita gente, qualifiquei com números, atualizei dados, fiz uma espécie de avaliação geral no estrangeiro das relações internacionais do Brasil, e o livro acabou saindo, e é basicamente um grande diagnóstico do que aconteceu e está acontecendo no País. É um diagnóstico muito óbvio, mas muito original. Do ponto de vista da literatura, ninguém tinha ainda sistematizado, pelo menos que eu conheça, essa compreensão. E aí mostra esse repertório de crise política, desmoralização, popularidade que se extingue rapidamente. Tem uma explicação anterior, que é o problema estrutural econômico brasileiro, e seu abatimento na questão da sociedade, e aí proponho um conjunto de sugestões práticas para resolver o problema. O desenho político brasileiro é completamente diferente daquilo que está dominando, hoje, o debate, são muitos ódios, paixões, e poucas reflexões racionais e respeitosas entre ideias diferentes. Vejo a crise da esquerda no mundo, uma reflexão filosófica sobre a busca da felicidade como um grande equívoco. Ao mesmo tempo, é um livro que fala na esperança não como uma coisa fatalista que vai cair do céu, mas como uma construção.
JC - A obra reúne o que o senhor chamou de um "conjunto de ideias capazes de direcionar o Brasil rumo a um futuro desejável". Pode destacar algumas delas?
Ciro - Essa é a minha contribuição pessoal, é um livro para pensar, absolutamente despreocupado com efeitos eleitorais, que é minha outra grande tarefa, mas tem essa franqueza e esse compromisso com a história. Coisas práticas, como a substituição do pensamento revolucionário perdido, uma forma de olhar para as discriminações, mas que não resolve questões estruturais de emprego, salário e renda. Suponho que o Brasil deve estabelecer metas e objetivos, práticas para que cada grupo social se identifique nesse projeto. Faço uma metáfora, digo que o Brasil, sem nenhuma audácia, só com uma reflexão, pode chegar ao padrão de desenvolvimento humano da Espanha, número um em qualidade de vida, expectativa de vida ao nascer, em leitos por habitante, em nível de segurança pública, em matrícula no Ensino Superior e, fundamentalmente, em renda per capita. Estabeleço que o Brasil poderia sair de onde está hoje, a pior crise econômica da nossa história, para chegar aos padrões da Espanha em 30 anos. Estimo os custos disso e digo de onde viria o dinheiro, fazendo uma proposta de reforma previdenciária, tributária, do papel do Brasil nos esforços de reindustrialização.
JC - O senhor dá o exemplo da Espanha, mas é uma nação que também vem enfrentando uma dinâmica de crise nos últimos anos, por que essa comparação?
Ciro - Não é a Espanha como país conjuntural, porque, inclusive, localizo o pensamento progressista europeu, especialmente na Espanha, uma das razões da tragédia que abateu-se sobre a esquerda tradicional brasileira. Estou falando de indicadores objetivos de desenvolvimento humano. Por que a Espanha? Porque ela não é o país mais rico da Europa nem o mais pobre. O cálculo é que o Brasil tem que ser prático, isso é possível de fazer.
JC - O senhor também comenta sobre a "polarização irracional" da política brasileira. Como fugir dela, tão institucionalizada no jogo político nacional?
Ciro - Não é fácil, mas tem que ser sustentado que precisamos forçar a mão e oferecer uma ideia e exemplos, porque é isso que vai comover as pessoas, o problema é tão grave, tão complexo, que a ilusão de que alguém sozinho pode resolver esse problema, de que existe um salvador da pátria, é mortal e está liquidando o Brasil. Há uma tarefa política, que é a militância. A ideia é aderir ao imaginário popular, porque ela responde às questões do povo, reconhece as questões concretas. Identifico problemas, estabeleço causas, porque tem um nexo histórico que explica o que aconteceu, e as coisas só pioram, revelando que o problema está mais embaixo, é um problema estrutural.
JC - Em meio à crise da Covid-19, intensificou-se ainda mais a crise política no País. Qual a sua avaliação a respeito do atual momento?
Ciro - Sem medo de estar exagerando, é a pior crise da história brasileira, porque, sob o ponto de vista de saúde pública e econômico, já tivemos crises como a Gripe Espanhola, em 1918, que matou 80 mil brasileiros, mas essa crise, pelas estimativas, indicam que o Brasil terá entre 80 mil e 125 mil mortos ali pelo fim de agosto. Então ela terá capacidade de superar e ser o maior colapso, o maior problema de saúde pública da história. Já tivemos crises econômicas graves, mas vamos partir para destruir 1,2 milhão de empregos por mês a partir de maio, junho, julho, isso aproximará o Brasil da maior taxa de desemprego da história. E, já não sendo pouco, o governo não está sabendo o que fazer com isso, não consegue fazer o crédito se viabilizar, o equilíbrio das contas públicas, aumentar os impostos líquidos, então o buraco das contas está quebrando o Brasil. Não estão fazendo nada, e o governo produz crônica e agrava uma crise política com repercussão institucional muito ameaçadora. Demite três ministros da Saúde, ocupa o ministério com 20 militares sem experiência na área, demite o ministro da Justiça em condições escandalosas, abre um conflito com instituições da República ao confraternizar com radicais fascistas que defendem a ditadura, o fechamento do Congresso, do Supremo, intervenção militar, AI-5, censura à imprensa. Portanto, essa é a maior crise da história brasileira.
JC - E como o senhor define esse um ano e meio do governo Bolsonaro? Identifica alguma política positiva?
Ciro - Antes da pandemia, eu vinha fazendo aquilo que chamo de observatório trabalhista, porque faço um tipo de oposição muito responsável, já governei, já fui ministro da Fazenda e tenho horror a demagogos que não conhecem o problema e gostam de falar mal. Não posso fazer isso. Proponho-me a ser presidente do Brasil e gostaria de ser criticado com essa qualidade, então fiz um punhado de indicações e, de três em três meses, divulgo. Nesse observatório tinham saltado duas coisas importantes que Bolsonaro promoveu. Uma é que, pela primeira vez em quase 10 anos, a taxa de homicídio tinha caído antes da pandemia, porque ele fez aquilo que eu reclamava há 10 anos e, estranhamente, nem o PSDB nem o PT fizeram, que foi a transferência dos cabeças de facções criminosas para presídios federais com isolamento. A outra era que ele estava com o menor juro da taxa Selic da história do Brasil, ainda está muito alta, mas é quase um quinto do que a Dilma (Rousseff, PT) cobrava. O resto é tudo um desastre, menor investimento em saúde, segurança, educação e tecnologia, explosão da taxa de câmbio, é um desastre completo.
JC - As manifestações anti e pró-governo têm ganhado espaço, com movimentações nas ruas em um momento de risco para isso. Como o senhor vê o crescimento delas e a importância no contexto democrático?
Ciro - Os movimentos das facções radicalizadas de Bolsonaro estão diminuindo muito e tomando uma qualidade bastante ridícula, para não dizer nazifascistas, há muita boçalidade, de todo gênero. A novidade é a presença de jovens das periferias na confrontação em defesa da democracia, os considero heróis, tenho muito respeito e orgulho de ver os jovens se unindo para constranger fascistas, é assim que se enfrenta a baderna e o fascismo. Porém, neste momento, não é hora, porque tem que ter compromisso com a vida, não podemos repetir práticas que expõem as pessoas à contaminação e à morte.
JC - Parte da sociedade e alguns partidos cobram o impeachment de Bolsonaro. Qual a sua opinião a respeito, e como o PDT, que foi o primeiro partido a apresentar o pedido, está se posicionando?
Ciro - O impeachment é a única saída que a democracia brasileira terá para impedir que a escalada de Bolsonaro se aperfeiçoe. A democracia precisa se preparar, não é porque Bolsonaro faz um governo trágico sob o ponto de vista econômico e de saúde pública, é porque ele está cometendo crime de responsabilidade e tem que ser punido por isso. Os crimes foram tipificados, inibição do livre funcionamento das instituições, constrangimento da autonomia federativa, obstrução da Justiça e disposição do povo ao genocídio em saúde pública, esses quatro crimes ele cometeu, e fizemos a representação. Evidentemente, não é só o aspecto político que está demonstrado, um terço dos brasileiros, especialmente nas regiões Sul, Norte e Centro-Oeste, ainda apoia o Bolsonaro, um quarto no Sudeste. Portanto, é preciso que, com humildade, se faça um esforço para ajudar a população a entender, e acredito que por agosto, setembro isso tem que estar pronto. O encontro da crise econômica com o desastre ele não é capaz de enfrentar, a crise social com a crise de saúde pública, mais a tentativa de golpe, os escândalos dos filhos envolvidos com fake news ou milícias, desvio de dinheiro público, aí estará pronto o consenso público para que as instituições possam agir.
JC - O senhor mantém uma posição atuante na mídia, muitas vezes com posições e falas polêmicas e de enfrentamento. Essa conduta é de quem voltará a ser candidato à presidência em 2022?
Ciro - Quem tem experiência, como eu, sabe que 2022 é quase tão certo quanto apostar no número da loto, ninguém sabe o que vai acontecer. O que posso dizer é que uma pessoa que foi candidata três vezes não pode andar dizendo que não vai ser, não posso mentir. Tenho um chamado do meu partido para ser, desejo ser, mas não sei, de fato, o que vai acontecer.
JC - E como o senhor vê o provável cenário do pleito de 2022, que será marcado pela crise econômica agravada pela Covid-19 e pelo clima bélico entre as instituições?
Ciro - Consigo ver até as preliminares, acho que a sociedade brasileira estará diante de uma encruzilhada com vários caminhos derivados, mas com, basicamente, dois deles. Haverá um apelo à ordem, porque há crise econômica e social, mais a agitação e o esforço do Bolsonaro para criar uma onda de desestabilização ou de populações famintas. Se a democracia não for capaz de puni-lo, 2021 entra, então, com Bolsonaro oferecendo ordem. Uma baderna, anarquia, desarranjo, e vamos entrar para botar ordem, essa é a primeira grande encruzilhada. A disputa, aqui, é pela classe média que está se deteriorando em reconhecimento às tragédias do Bolsonaro. A outra encruzilhada, uma grande parte da população brasileira vai pedir unidade ao redor de uma alternativa, e vou oferecer essa alternativa. Mas a confusão é grande, porque estamos no fim de uma era da polarização PSDB-PT, os dois se desmoralizaram como organização nacional, não há, ainda, uma organização de forma hegemônica e existe uma disputa da esquerda e da direita.
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