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ENTREVISTA ESPECIAL

- Publicada em 07 de Junho de 2020 às 20:16

Para Simone, 2020 é um ano riscado do calendário empresarial

Cerca de 9 mil empresas tiveram de encerrar os negócios nos últimos dois meses, avalia a presidente da Federasul, Simone Leite

Cerca de 9 mil empresas tiveram de encerrar os negócios nos últimos dois meses, avalia a presidente da Federasul, Simone Leite


Fotos: ITAMAR AGUIAR/FEDERASUL/DIVULGAÇÃO/JC
A seis meses de encerrar sua gestão à frente da Federação de Entidades Empresariais do Rio Grande do Sul (Federasul), que congrega mais de 90 mil empresas, a presidente Simone Leite tem pela frente o desafio de consolidar uma rede de apoio aos empresários gaúchos, impactados pela crise gerada com as ações de enfrentamento à Covid-19, e auxiliá-los a mitigar as perdas econômicas e sociais que vieram na esteira da pandemia.
A seis meses de encerrar sua gestão à frente da Federação de Entidades Empresariais do Rio Grande do Sul (Federasul), que congrega mais de 90 mil empresas, a presidente Simone Leite tem pela frente o desafio de consolidar uma rede de apoio aos empresários gaúchos, impactados pela crise gerada com as ações de enfrentamento à Covid-19, e auxiliá-los a mitigar as perdas econômicas e sociais que vieram na esteira da pandemia.
Segundo a líder empresarial, em um levantamento extraoficial, cerca de 9 mil empresas tiveram de encerrar os negócios nos últimos dois meses, principalmente diante da falta de reservas e de apoio governamental para enfrentar o inesperado.
Nesta entrevista ao Jornal do Comércio, ela cobra a falta de previsibilidade para a retomada da economia e enfatiza as consequências que a espera de estratégia nesse sentido traz ao meio empresarial. Também defende a necessidade de uma reforma administrativa do Estado e critica a decisão do Piratini de suspender as atividades econômicas ainda no mês de março, ação que considerou prematura.
"A parada se deu muito cedo no Estado, já vão fazer 80 dias, e isso trouxe um agravamento da crise financeira", comenta. Para Simone, 2020 está sendo trágico para os negócios, e suas consequências trarão ainda mais prejuízos aos cofres públicos. No entanto, ela destaca que a força do agronegócio será importante para a retomada que espera ver em 2021, sob a ótica de uma nova forma de prestar serviço, consumir e de se relacionar.
Jornal do Comércio - Qual a sua avaliação sobre a condução do enfrentamento à Covid-19 pelos governos e a atenção dada aos pleitos dos empresários?
Simone Leite - O cenário nacional tem essa tendência de grande instabilidade, até em função dos posicionamentos do próprio presidente (Jair Bolsonaro), e a estabilidade política está muito ligada à estabilidade econômica, à confiança, aos investimentos. A interferência dos outros Poderes também é algo muito maléfico para o Brasil. Na questão estadual, saúdo as iniciativas do governo Eduardo Leite (PSDB), que chamou para si a responsabilidade neste momento de crise da saúde e econômico-financeira. As iniciativas do governo estadual foram muito importantes, mas a parada se deu muito cedo no Estado, já vão fazer 80 dias, e isso trouxe um agravamento da crise financeira do governo. Temos uma arrecadação muito menor agora, que vai impactar no serviço público, que fica comprometido. Acho que o Rio Grande do Sul está dando exemplo para o Brasil e o mundo, a nossa gente está sendo muito mais equilibrada e consciente, com equilíbrio entre economia e saúde. Mas o que está pegando, no momento, é a falta de previsibilidade, por quanto tempo o comércio vai ficar sem reagir, a indústria não vai ter condições de escoar sua produção a pleno? Por quanto tempo teremos aumento no número de desempregados e, com isso, a redução de dinheiro circulando na economia? Essa falta de previsibilidade afeta nas decisões empresariais. Os empresários estão aguardando o que vai acontecer, a maioria sem ter recursos para ficar parada, e aí temos demissões em massa, num momento em que estávamos recém saindo da curva da crise e da recessão. A Federasul, em janeiro, lançou o movimento Decola Rio Grande, tínhamos plena convicção de que seria o ano de retomada do Estado, e tudo isso foi abalado em função da pandemia. Voltamos para um número negativo sem termos uma perspectiva promissora para os próximos meses. É um ano que vamos ter que riscar do calendário empresarial, 2020 foi trágico para os nossos negócios, e isso tudo traz um prejuízo ainda maior para os cofres públicos. Mas tem um aspecto positivo que o Estado vive, em função do agronegócio, que, mesmo com as perdas e a seca, teve ganhos com a alta do dólar, então estamos mantendo um equilíbrio e temos possibilidade de sair mais rápido dessa estagnação em função da agricultura.
JC - E quanto às políticas de apoio às empresas, especialmente na questão do crédito para a retomada, qual a sua avaliação?
Simone - O que esperamos do governo federal é que os recursos que eles estão disponibilizando através do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) cheguem à ponta, as instituições financeiras não estão liberando crédito. Hoje, é fundamental dinheiro para capital de giro para a retomada, que tem de chegar no micro, no pequeno e no médio empresário, e é fundamental para a economia. Mas quem vai carregar essa retomada vai ser a média e a grande empresa. Esse recurso do BNDES é de muita urgência, porque é a partir dele que os investimentos novos vão acontecer. Também no âmbito do governo, precisamos agilizar processos de concessões, para que um dinheiro novo venha para o Estado através de obras públicas, com as quais enxergamos uma possibilidade real a curto prazo, de obras de infraestrutura da iniciativa privada, isso é ponto pacífico. Outro detalhe muito importante para a retomada é a desoneração da folha de pagamento, para poder trazer novas pessoas e recontratar sem o custo dos encargos.
JC - Como avalia a retomada de setores como comércio e serviços? E como a Federasul tem trabalhado para auxiliar os empresários a mitigar os efeitos da paralisação?
Simone - A Federasul está, desde o dia 20 de março, fazendo reuniões virtuais, aprendemos uma nova forma de nos relacionarmos. Criamos uma rede de solidariedade empresarial, nos encontramos todas as semanas, desde o final de março, em reunião de duas horas, com um apoiando o outro, são iniciativas de uns que beneficiam ou trazem alento para quem tem o mesmo problema. Essa situação de poder desabafar e entender que todos estão passando pela mesma dificuldade foi fundamental. O grande legado da Federasul neste momento é essa rede de apoio ao empreendedor, porque foi uma situação muito imediata. Fizemos todo um trabalho com o governo do Estado, foram muito receptivos, e, hoje, chegamos nessa flexibilização, com um Estado que está em movimento, mas com uma consciência de que não está vivendo dias normais. A Federasul criou, também, um curso de prevenção à Covid-19 on-line, que disponibilizamos gratuitamente às empresas. Também acompanhamos as medidas que o governo foi adotando, questões trabalhistas e econômicas, e traduzimos isso para a realidade dos micro e pequenos empresários.
JC - Temos visto muitos negócios antigos e tradicionais fecharem as portas durante a pandemia. A entidade já tem algum levantamento sobre essa situação entre as empresas gaúchas?
Simone - Estamos por concluir com a Universidade Católica de Pelotas, uma pesquisa para justamente ter esse número, mas, dentro dos nossos associados, mais de 10% fecharam as portas, estamos falando de cerca de 9 mil empresas, isso tudo fazendo pesquisas caseiras.
JC - A senhora tem cobrado ações para que o RS retome a competitividade diante de outros estados. Pode falar um pouco sobre isso?
Simone - Temos que fazer mais e melhor, então, quando se percebe que vai chegar dinheiro do governo federal para estados e municípios, ele tem que ser usado para fomentar nossa economia, desenvolver nossas empresas e torná-las competitivas para concorrer com outros estados, porque já temos essa questão de estar no último estado na questão de deslocamento, de logística, longe de outros centros, e já temos uma carga tributária maior, então, se não dá para abrir mão da carga tributária neste momento, que tenhamos outras formas de tornar o Rio Grande do Sul mais atrativo, porque precisamos acreditar que o Estado vai sair fortalecido desta situação, assim como as empresas, e isso não pode levar dois anos, tem que levar seis meses, temos que enxergar 2021 como o ano da retomada.
JC - A senhora também tem defendido uma profunda reforma administrativa do Estado e já falou em "necessidade de cortar feudos".
Simone - O principal ponto é que tenhamos no poder público, assim como as empresas fizeram, redução de salário para manutenção de postos de trabalho. Não estou falando de professor, que ganha R$ 3 mil, mas de quem ganha acima de R$ 10 mil, tem que ter uma redução imediata nos próximos 90 dias, para contribuir com essa questão da Covid-19. É a sociedade brasileira fazendo sacrifícios, o trabalhador da iniciativa privada está fazendo sacrifício, o empresário está fazendo sacrifícios, o servidor público faz parte da mesma sociedade e também precisa fazer sacrifícios. Reduz a carga do servidor e o salário nos próximos 90 dias e já vai ter uma economia importante. O segundo ponto é acabar com a estabilidade, um câncer no Brasil. Temos formas de medir produtividade, de buscar excelência, na iniciativa privada se consegue isso, por que o setor público tem que ser essa máquina inchada, burocrática, que não entrega resultado eficaz para a sociedade? Esse é um peso muito grande para uma sociedade que já tem uma conta que não cabe no bolso, então acho que algumas funções exigem estabilidade - um juiz, por exemplo -, agora, a secretária do juiz não precisa ter estabilidade, precisa ter eficiência, precisamos colocar a sociedade de forma equânime, e tem que ter um equilíbrio entre o público e privado. A segunda reforma necessária é a tributária, temos que reduzir a burocracia, fazer com que seja mais fácil apurar a carga tributária.
JC - Passado o período inicial da pandemia e com a reabertura gradual das atividades, qual será o grande desafio de 2020-2021?
Simone - Justamente fazer a retomada perante uma sociedade que aprendeu a conviver com o pouco. Temos o consumo, hoje, muito mais restrito, e as pessoas estão qualificando seus gastos, conseguimos viver 60 dias de moletom, 60 dias sem ir ao restaurante, ao salão de beleza, e nos demos conta de que vivemos bem, que dá para viver assim. Conseguimos fazer grandes reuniões e tomar grandes decisões sem todo mundo se deslocar, fazer uma reunião presencial para tomar uma decisão já está completamente ultrapassado. E isso é interessante, nunca trabalhei tanto nestes meus 20 anos de atividade como agora, porque saio de uma reunião e entro em outra, sempre conectada. Acho que esse é o desafio, o consumo será reinventado, é uma nova forma de as pessoas se relacionarem, e a produção, o prestador de serviços vai ter que se reinventar a partir dessa experiência de home office que tivemos.
JC - E como a Federasul pretende trabalhar com seus associados a retomada pós-pandemia?
Simone - O que temos feito são justamente essas discussões e agora, a partir de junho, estamos trazendo especialistas que vão poder, dentro da indústria, do comércio e dos serviços, mostrar o que está sendo feito em outros países, como China, Estados Unidos e países da Europa, porque eles vivenciaram isso antes, então vamos trazer essa prática dos outros países para ver uma forma de nos reinventarmos. Com vendas on-line, serviços que se pode fazer tendo um cuidado para estar dentro das casas, coisas que não imaginamos vivenciar e estamos vendo que funciona. A questão é como as empresas vão pensar o dia seguinte, o meu jeito de agir vai ter que mudar, porque as pessoas mudaram, a busca por consumo mudou, essa própria questão de delivery de bares e restaurantes é fundamental. Os conceitos mudaram, então nisso estamos auxiliando os empresários, promovendo essas discussões. O nosso desafio, hoje, é mostrar que essa realidade veio para ficar, é uma mudança de paradigmas, e estamos auxiliando nesse sentido, porque são muitos empreendedores tradicionais, pessoas que têm mais de 50 anos e até com a tecnologia tiveram que se adaptar, então cabe a nós mostrar a eles o que vivenciamos agora, se adaptar, evoluir.
JC - A senhora, que já disputou o Senado - em 2014 -, manifestou disposição de concorrer à prefeitura de Canoas. Já está decidida a entrar na disputa?
Simone - Tenho convicção de que não precisamos ter um mandato para influenciar na política local e na comunidade na qual estamos inseridos. Mesmo antes de concorrer ao Senado, eu já era uma liderança muito ativa, buscando referências, participando efetivamente dos debates e me posicionando de forma muito contundente, isso é uma característica minha e faz com que as pessoas sempre tenham em mim uma referência. Em Canoas, temos uma polarização entre o prefeito (Luís Carlos) Busato (PTB) e o ex-prefeito Jairo Jorge (PSD). O que a sociedade clama é por algo diferente, por uma política verdadeira, de resultado concreto, e entende que eu poderia me candidatar e ser a terceira via. E aí, junto ao meu partido (PP), tenho feito essa construção de um projeto, o que não significa necessariamente que tenha que me candidatar. Colocam-me como candidata, terceira via, mas o que estou fazendo, hoje, é esse debate, pensando a Canoas que queremos.

Perfil

Natural de Estância Velha, cidade da Região Metropolitana de Porto Alegre, Simone Leite tem 42 anos e é administradora de empresas. Diretora administrativo-financeira do Grupo Urano, uma das maiores fabricantes de balanças eletrônicas do Brasil, com sede em Canoas, foi a primeira mulher eleita para presidir a Federasul, cargo que ocupa desde 2016 e para o qual foi reeleita em 2018. Com larga experiência administrativa e vivência do cotidiano das entidades de classe, desde 2003, integra a Câmara da Indústria, Comércio e Serviços de Canoas (CICs), entidade que também comandou como pioneira, entre 2012 e 2015. Filiada ao Partido Progressista (PP) desde 2012, foi secretária de Desenvolvimento Econômico de Canoas, de 2009 a 2011, e disputou o Senado na eleição de 2014. Atualmente, é cotada para concorrer à prefeitura de Canoas nas eleições municipais deste ano.