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ENTREVISTA ESPECIAL

- Publicada em 31 de Maio de 2020 às 22:02

Sem ajuda, municípios corriam risco de parar, avalia Aroldi

'Sem esse auxílio, corremos o risco de parar nossa máquina administrativa'

'Sem esse auxílio, corremos o risco de parar nossa máquina administrativa'


AGÊNCIA CNM/DIVULGAÇÃO/JC
Há mais de três décadas dedicado à questão municipalista, o presidente da Confederação Nacional de Municípios (CNM), Glademir Aroldi, equilibra, atualmente, o desafio de conciliar a defesa da autonomia e dos interesses das cidades brasileiras com o enfrentamento à pandemia do coronavírus. As necessidades dos municípios diante da crise econômica e das demandas sanitárias e de saúde geradas pela Covid-19 estão em total desarmonia com a realidade orçamentária das prefeituras, que têm dependido dos repasses governamentais e de medidas emergenciais para garantir o atendimento mínimo à população.
Há mais de três décadas dedicado à questão municipalista, o presidente da Confederação Nacional de Municípios (CNM), Glademir Aroldi, equilibra, atualmente, o desafio de conciliar a defesa da autonomia e dos interesses das cidades brasileiras com o enfrentamento à pandemia do coronavírus. As necessidades dos municípios diante da crise econômica e das demandas sanitárias e de saúde geradas pela Covid-19 estão em total desarmonia com a realidade orçamentária das prefeituras, que têm dependido dos repasses governamentais e de medidas emergenciais para garantir o atendimento mínimo à população.
Nesta entrevista ao Jornal do Comércio, Aroldi fala de como a sanção do presidente Jair Bolsonaro ao projeto que garante ajuda financeira de R$ 60 bilhões a estados e municípios é bem-vinda e comenta que, apesar de o repasse de R$ 23 bilhões que chega às cidades representar a recomposição de apenas 30% das perdas arrecadatórias das prefeituras neste ano, será fundamental para a manutenção de serviços essenciais à população, principalmente os ligados à saúde.
"Sem esse auxílio, corremos o risco de parar nossa máquina administrativa e a prestação de serviços à população, o que seria o caos instalado no Brasil neste momento em que a sociedade mais precisa do poder público."
Ele defende, ainda, o adiamento das eleições municipais de outubro e a unificação dos mandatos até as eleições gerais de 2022 - o que geraria economia aos cofres públicos e proteção à população, que não teria de enfrentar as filas de votação.
Jornal do Comércio - Na semana passada, houve a tão aguardada sanção presidencial da ajuda emergencial a estados e municípios. O que ela representa para as cidades brasileiras em termos de recursos, já que essa demora reflete diretamente na queda de arrecadação?
Glademir Aroldi - Os serviços de saúde, neste momento, consomem recursos bem vultosos, por isso é necessário o aporte do auxílio emergencial do governo federal, que, embora seja muito bem-vindo, não compensará as perdas que teremos com a baixa atividade econômica. A parte dos municípios é na ordem de R$ 23 bilhões, a projeção da queda de arrecadação dos municípios até o final do ano vai ser algo ao redor de R$ 74 bilhões, então esses R$ 23 bilhões apenas vão recompor 30% do que será a perda de arrecadação até o final deste ano. Evidentemente, isso preocupa muito. Esses recursos chegarão em boa hora aos cofres municipais, esse projeto foi uma grande construção democrática entre municípios, estados, Parlamento e governo federal. Embora todos tenham a clara visão de que não serão suficientes, esses recursos poderão dar um fôlego de caixa aos municípios, para que possam manter suas administrações funcionando. Perderemos muita arrecadação própria e das transferências de estados e da União, portanto, sem esse auxílio, corremos o risco de parar nossa máquina administrativa e de prestação de serviços à população, o que seria o caos instalado no Brasil neste momento em que a sociedade mais precisa do poder público.
JC - Além das dificuldades inerentes ao exercício da municipalidade, as prefeituras estão tendo de lidar com a Covid-19 e com os desafios econômicos e de proteção à população. Que avaliação o senhor faz da condução do enfrentamento ao coronavírus no âmbito das cidades e do apoio do governo federal?
Aroldi - As dificuldades da gestão dos municípios são constantes, sempre enfrentamos restrições orçamentárias e aumento das demandas por parte da população, e, com a pandemia da Covid-19, essas dificuldades só aumentaram. Municípios e gestores estão enfrentando enormes dificuldades no combate ao coronavírus por conta da necessidade de um alinhamento das ações entre os entes da Federação, o que dificulta muito a atuação local. Mas os prefeitos estão, através de decretos municipais baseados nos dos estados, tomando as medidas necessárias. Por conta do apoio financeiro do governo federal aos municípios, tivemos uma reunião com o ministro (da Economia) Paulo Guedes, uma videoconferência com a participação de todos os presidentes das entidades estaduais, com solicitações ao governo federal e ao Congresso Nacional. Muitas coisas andaram, a questão do Fundo de Participação dos Municípios (FPM) e do Fundo de Participação dos Estados (FPE), que o governo já vem recompondo os valores, por exemplo. Ou seja, o que for arrecadado a menos nos meses de março, abril, maio e junho, em relação ao ano passado, o governo vem fazendo a complementação dos valores. Temos a necessidade de buscar mais apoio financeiro junto ao governo federal até o final do ano, sob pena dos gestores locais não conseguirem minimamente atender a população, especialmente na área da saúde e da assistência social, e também os seus compromissos normais, especialmente no que diz respeito ao pagamento da folha.
JC - E como a CNM tem se mobilizado?
Aroldi - Todo o trabalho da CNM é na busca de recursos para amparar os governos locais, ampliar as possibilidades de ação direta e imediata dos sistemas, especialmente de saúde e da assistência social, e isso tem um foco exatamente para atender a população, que é a razão da existência dos governos. É nesse sentido que temos tentado auxiliar os municípios, os gestores locais, para que eles possam continuar atendendo sua população. Estamos fazendo videoconferências com os prefeitos praticamente todos os dias, ouvindo suas dificuldades e tentando encaminhar soluções através do Congresso Nacional e do governo federal, basicamente na busca de recursos para que os gestores locais possam continuar atendendo às necessidades da população. Em março, a CNM apresentou um plano emergencial de enfrentamento à pandemia, no qual sugerimos 17 ações, entre liberação de recursos, novas legislações, revogação de decretos e portarias. Várias foram atendidas e várias ainda estão em processo de negociação.
JC - Antes da crise da Covid-19, as eleições municipais deveriam concentrar as atividades da CNM neste ano. Qual a avaliação da entidade a respeito da viabilidade do pleito de 2020?
Aroldi - Por conta da situação da pandemia, de um decreto de calamidade pública baseado em estudos científicos, entendemos que o País não terá condições de realizar as eleições neste ano. Então emitimos uma nota, em parceria com as entidades estaduais, alertando para essa dificuldade, e a CNM sempre defendeu a unificação dos mandatos. Primeiro, que a realização das eleições neste ano colocaria em risco a própria democracia, estaríamos dificultando ou impedindo a participação de muitos candidatos no pleito. Pior do que realizar a eleição em outubro é realizá-la em dezembro, por vários motivos. Estaríamos impedindo pessoas com mais de 60 anos de participar do pleito como candidatos por conta da pandemia. Temos, hoje, 1.313 prefeitos com mais de 60 anos, e 1.040 deles têm direito a concorrer à reeleição, então como vai ficar essa situação? A CNM sempre defendeu a unificação dos mandatos, por conta do custo de uma eleição no País. O Brasil não tem condições de investir entre US$ 3 bilhões e US$ 4,5 bilhões em uma eleição. Se, em uma situação normal, o País já tem dificuldades, imagina vivendo uma pandemia. A nossa posição é de não realização neste ano por conta da pandemia, e que possamos discutir de uma vez por todas a unificação das eleições no País. É um momento de avaliação, com muita responsabilidade, mas de fazer esse enfrentamento. A CNM sempre se manteve neutra durante as eleições municipais, nosso papel institucional é de representação e defesa incondicional do poder local, mas, neste ano, em virtude da pandemia, apresentou argumentos que indicam a inviabilidade de eleições neste ano. Do nosso ponto de vista, o que sempre defendemos é a unificação dos mandatos, ter eleições gerais seria o ideal para o Brasil.
JC - Empossado na presidência do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), o ministro Luís Roberto Barroso disse que as eleições só devem ser adiadas se houver risco para a saúde pública. Também opinou que a prorrogação de mandato deve ser evitada.
Aroldi - Respeitamos a posição do presidente do TSE, mas discordamos em todos os sentidos de sua manifestação. Em nossa carta à população sobre as eleições, apresentamos argumentos muito bem fundamentados com os motivos pelos quais uma eleição municipal neste ano é inviável. Levando em conta desde a questão sanitária, passando pela questão da campanha e até da restrição da democracia. Portanto, esperamos que o Congresso Nacional e todos os envolvidos e atores das eleições possam travar um debate sobre as consequências destas eleições em 2020.
JC - Como está sendo tratada a questão junto aos parlamentares?
Aroldi - É o Congresso que tem o poder de alterar as eleições, e, por isso, estamos intensificando nossa articulação junto aos parlamentares. Cada um tem o seu entendimento, e a CNM, através das entidades estaduais e microrregionais, está tentando levar sua posição a cada deputado e senador. Então este é o momento de debater a questão, fazer o enfrentamento e, evidentemente, dar oportunidade para que todos possam se manifestar e tentar fazer com que o Congresso possa decidir pelo melhor. No nosso entendimento, baseado em estudos científicos e trabalhando com a vida real de cada município, não tem como realizar uma eleição virtual. Mais de mil municípios no Brasil não possuem internet; em outros tantos, o sinal é de qualidade muito ruim. Existe uma cultura brasileira de pleitos, o contato do candidato com o eleitor, em 80% dos municípios, é de visitas nas residências, na área rural. Então, entendemos que o pleito está comprometido para este ano e vamos tentar discutir com o Congresso Nacional a unificação das eleições, o que traria economia para o País.
JC - E as ações governamentais em atendimento às demandas dos municípios antes da Covid-19, como vinham sendo tratados os pleitos mais urgentes e quais eram as grandes questões da pauta da CNM para este ano?
Aroldi - Vínhamos discutindo questões importantes para o País, como o novo pacto federativo, que precisa ser regulamentado para que as relações entre União, estados e municípios sejam harmoniosas e cooperativas. Infelizmente, isso ainda não é uma realidade, portanto, existe um longo caminho a ser percorrido, e a entidade estará sempre aberta ao diálogo, ao enfrentamento democrático e à defesa incondicional dos interesses do poder local. Há, também, as reformas administrativa e tributária - esta, talvez, das mais importantes e que tem proposta tramitando no Senado e na Câmara -, além de outras questões, como o aumento no FPM, que falta ser votado em segundo turno, novas leis de licitações e de ISS (Imposto sobre Serviços). Não é possível que o Brasil continue com uma carga tributária tão alta, precisamos de uma reforma que possa ter mecanismos para que os entes federados continuem arrecadando, aumentando sua arrecadação e, em uma situação inversa, que possamos diminuir a carga tributária. Esperamos que este momento de pandemia possa ser vencido o mais rápido possível, para que retomemos a discussão desses temas tão importantes para o Brasil. As relações com o governo federal sempre foram boas, com qualquer um dos governos. Em vários momentos há o embate normal de uma disputa por recursos, mas estamos sempre dispostos a discutir e achar alternativas, por isso, temos uma pauta permanente junto ao Congresso e ao governo federal, várias estavam em tramitação e, apesar da pandemia, continuamos com reuniões permanentes.
JC - Uma importante vitória para a municipalidade foi a homologação, pela Suprema Corte, das compensações da Lei Kandir, que será estendida a estados e municípios, pleito antigo da CNM. Como avalia o andamento da questão?
Aroldi - A questão da compensação pela desoneração dos impostos dos produtos primários e semielaborados é uma reivindicação antiga do movimento municipalista. A denominada Lei Kandir, que compensava essa desoneração, estava judicializada, portanto, esse acordo celebrado trouxe maior estabilidade e garantia aos gestores, embora algumas condições ainda precisem ser cumpridas pelo governo federal e pelo Congresso Nacional. Os recursos só poderão ser distribuídos após o envio de uma lei complementar por parte do governo ao Parlamento. Também há um compromisso de se votar a PEC (Proposta de Emenda à Constituição) 188, que tem alguns artigos que somos radicalmente contrários, como a extinção sumária de mais de 1,2 mil cidades. Teremos ainda muitas discussões sobre a regulamentação deste acordo no Congresso.

Perfil

À frente da Confederação Nacional de Municípios (CNM) desde 2018, Glademir Aroldi tem 59 anos e é ex-prefeito da cidade gaúcha de Saldanha Marinho, na qual exerceu três mandatos (1993-1997, 2002-2004 e 2005-2008). Graduado em Gestão Pública, foi também vereador do município entre 1989 e 1992, e presidente da Associação dos Municípios do Alto Jacuí (Amaja) e do Consórcio de Desenvolvimento Intermunicipal dos Municípios do Alto Jacuí e da Serra do Botucaraí (Comaja). Essa ampla vivência municipalista ainda garantiu a Aroldi o comando da Federação das Associações dos Municípios do Rio Grande do Sul (Famurs) entre 2006 e 2007, período em que liderou importantes mobilizações de prefeitos, principalmente a que resultou na liberação de mais recursos do Estado para as demandas do transporte escolar das cidades. No comando da CNM até 2021, ele foi também 1º vice-presidente da entidade, tesoureiro e representante da Região Sul.