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Entrevista especial

- Publicada em 10 de Maio de 2020 às 20:35

Proposta de socorro da União tirou recursos do Estado, diz Lasier

Senador diz que atitudes de Bolsonaro dariam elementos para impeachment, mas que não há clima

Senador diz que atitudes de Bolsonaro dariam elementos para impeachment, mas que não há clima


FREDY VIEIRA/ARQUIVO/JC
Apesar de ter votado a favor do projeto do socorro aos estados e municípios, o senador gaúcho Lasier Martins (Pode) discorda de um aspecto do texto final: o critério de distribuição dos recursos, que acabou destinando mais dinheiro para os estados da Região Norte e menos para os da Região Sul. Os critérios foram definidos na semana passada pelo presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), quando ele relatou o substitutivo que modificou o projeto que havia sido aprovado na Câmara dos Deputados. 
Apesar de ter votado a favor do projeto do socorro aos estados e municípios, o senador gaúcho Lasier Martins (Pode) discorda de um aspecto do texto final: o critério de distribuição dos recursos, que acabou destinando mais dinheiro para os estados da Região Norte e menos para os da Região Sul. Os critérios foram definidos na semana passada pelo presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), quando ele relatou o substitutivo que modificou o projeto que havia sido aprovado na Câmara dos Deputados. 
Lasier critica a retirada do texto da regra que previa a recomposição da receita perdida pelos estados e municípios, por conta da crise causada pela pandemia de coronavírus. "Ao desprezar o quesito da diminuição da arrecadação com ICMS, Alcolumbre trouxe um prejuízo para o Rio Grande do Sul e um grande benefício aos estados do Norte, em especial para o Amapá (a base eleitoral do presidente do Senado)."
O senador também considera que o ex-ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta teve uma boa atuação frente à pandemia, ao contrário do atual ministro, Nelson Teich, que "se comunica muito mal". Lasier também apontou um certo embaraço do Supremo Tribunal Federal (STF), que não tem sabido como cobrar do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) que cumpra as decisões da corte, como, por exemplo, a que obrigou Bolsonaro a mostrar o seu exame de Covid-19.
Nesta entrevista ao Jornal do Comércio, Lasier analisou, ainda, a crise política desencadeada pela saída de Sérgio Moro do Ministério da Justiça. Ele também cobra explicações sobre a suposta interferência do presidente na direção da Polícia Federal, especialmente na superintendência do Rio de Janeiro. Apesar disso, Lasier considera que não há clima político para impeachment. 
Jornal do Comércio - O senhor ficou satisfeito com o texto final do socorro aos estados e municípios aprovado no Congresso?
Lasier Martins - Em primeiro lugar, é necessário dizer que o socorro aos estados e municípios era imperioso e já havia sido prometido no ano passado, quando surgiu o Plano Mansueto, cujo objetivo era justamente socorrer os estados em grave situação econômico-financeira. Quando surgiu a pandemia, o Plano Mansueto foi desfigurado na Câmara dos Deputados, sob a liderança do presidente da casa, Rodrigo Maia (DEM-RJ). O texto foi transformado naquele projeto que foi aprovado pelos deputados federais. Só que a proposta comprometia as finanças da União, o que levou o ministro da Economia, Paulo Guedes, a dizer: "querem levar a República à falência". Então, o Paulo Guedes recorreu a um grupo de senadores - o Muda Senado -, do qual faço parte. Fizemos uma videoconferência de três horas com ele. Nós, sensíveis aos argumentos do ministro da Economia, arquivamos o projeto que veio da Câmara e apresentamos o substitutivo.
JC - O relator do substitutivo foi o próprio presidente do Senado. E o texto que ele apresentou foi aprovado com poucas alterações. Essa proposta lhe agradou?
Lasier - Sob um aspecto, não fiquei satisfeito com o texto final. O Davi Alcolumbre adotou um critério (na distribuição dos recursos) discutível sobre certos aspectos. Em vez de ajudar os estados e municípios através da recomposição da arrecadação - ressarcindo a queda de ICMS para os estados e de ISS para os municípios -, ele incluiu critérios mais abrangentes, como o Fundo de Participação dos Estados (FPE) e Municípios (FPM), e outros. Mas o fato é que, ao desprezar o quesito do ICMS, trouxe um prejuízo para o Rio Grande do Sul e um grande benefício aos estados do Norte, em especial, para o Amapá. Portanto, conseguiu uma verba superior ao que seria necessário para recompor a perda de imposto no Amapá. Claro que os valores que Alcolumbre previu no substitutivo (R$ 50 bilhões para uso livre e R$ 10 bilhões exclusivos para a saúde) socorrem o Rio Grande do Sul. Mas não precisava ter havido prejuízo no ICMS de Rio Grande do Sul, Paraná, São Paulo etc. Nesse sentido, como gaúcho, não fiquei satisfeito.
JC - Como avalia a atuação do ex-ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta e a substituição dele por Nelson Teich?
Lasier - Bolsonaro tinha um ministro especialista (Mandetta), que estava dando orientação certas ao Brasil, tanto que, agora, suas projeções estão se confirmando. O presidente optou por tentar salvar o seu governo e a atividade econômica, devolvendo as pessoas ao trabalho. Ao contrário do que fizeram países que se preveniram, como Alemanha, Israel e Coreia do Sul, que são três modelos do que deu certo no combate ao coronavírus: se preveniram, mantiveram o afastamento social e, agora, estudam reabrir a economia. O presidente quis valorizar mais a atividade econômica do que a vida dos cidadãos. Esse foi o motivo do rompimento com Mandetta, e o que levou muita gente a se decepcionar com Bolsonaro, e até a abandoná-lo. Além disso, ele perdeu um excelente ministro, que era muito humano, muito comunicativo. Bolsonaro colocou outro ministro que é um estranho no ninho.
JC - E Teich? Os senadores tiveram a oportunidade de dialogar com ele na semana passada, em uma audiência virtual. O que o senhor achou?
Lasier - Ele se comunica muito mal, não respondeu às perguntas (dos senadores), não está acostumado com a gestão pública, que é muito diferente da gestão privada, onde ele fez carreira. Além disso, Teich não é político e está tendo dificuldades (de articulação). Na audiência, ele foi bombardeado - alguns senadores até o ofenderam -, e ele praticamente não respondeu nada. Só na semana passada, dias e dias depois de assumir o Ministério da Saúde, decidiu fazer uma visita a Manaus, que está vivendo um profundo caos. Chegou atrasado. Também demora a tomar decisões.
JC - O presidente tem sido criticado por desafiar as medidas de isolamento social, participando, inclusive, de aglomerações. Também se recusa a mostrar o exame de Covid-19, mesmo com a decisão do STF que o obriga a fornecer essa informação. Como avalia a atuação do presidente frente à pandemia?
Lasier - Bolsonaro é um homem público. E, quando a pessoa se torna pública, perde algumas prerrogativas da vida privada. Eu mesmo fui da atividade privada a vida inteira e, quando entrei na política, percebi que as pessoas revolvem a vida da gente. E não tem como se opor a isso. Como somos representantes do povo, o povo precisa saber tudo a nosso respeito. Então o povo tem o direito de saber da saúde dele, de saber o que ele não quer revelar. É um erro (não mostrar o exame). Por outro lado, há um certo embaraço por parte da Justiça, que não está sabendo como lidar com a negativa dele em cumprir a decisão do STF. Se ele continuar se negando, o que a Justiça vai fazer? Vai processá-lo? Abrir impeachment porque ele não mostra o exame? A Justiça está embaraçada, sem saber o que fazer.
JC - A última baixa no governo Bolsonaro foi a saída de Sérgio Moro da pasta da Justiça. Como avalia o pedido de demissão?
Lasier - O presidente Bolsonaro não demonstra a mesma preocupação com a expansão do coronavírus que demonstra, por exemplo, com a superintendência da Polícia Federal (PF) no Rio de Janeiro. Qual é a causa dessa obstinação curiosa, surpreendente, intrigante de querer nomear o chefe da PF do Rio de Janeiro? Se existem 27 superintendências, por que a insistência com a do Rio de Janeiro? Por que mudar o superintendente? É por ser a terra dele? O que está escondendo lá? Essas são perguntas que o presidente não respondeu até agora, e se tornam cada vez mais intrigantes. (Bolsonaro) chegou a incentivar a saída de Moro do Ministério da Justiça, porque ele pedia apenas uma justificativa para a substituição (na superintendência da PF no Rio), e o presidente não deu nenhuma causa para isso. Depois do depoimento de Moro na PF, ficou claro que ele não quer derrubar o presidente, só quer mostrar que não concordava com a saída, sem justificativa, do diretor-geral (Maurício Valeixo) e também perguntava por que mudar o superintendente do Rio. O caso se resume a isso, não mais que isso.
JC - O senhor acredita que o interesse do presidente pela superintendência do Rio de Janeiro tem relação com as investigações que envolvem pessoas do entorno dele, inclusive os filhos?
Lasier - Não sei se tem, mas desconfio que sim. É a única explicação para essa obstinação de mudar o superintendente do Rio de Janeiro. Agora, em relação ao depoimento de oito horas do ex-ministro Moro na PF, teve pouca novidade (em relação ao que ele tinha declarado durante o anúncio de demissão). Tinha gente que esperava ansiosamente que o depoimento trouxesse elementos novos, que propiciassem uma bomba e abrissem caminho para um impeachment. Mas não, Moro não quis alarmar, se limitou à razão que já havia explicado: a discordância da troca do diretor-geral e do superintendente da PF no Rio de Janeiro.
JC - O ministro Celso de Mello autorizou oitivas no gabinete que, segundo Moro, sabiam da pressão pela troca dos dirigentes da PF: o chefe do Gabinete de Segurança Institucional, general Augusto Heleno; o chefe da Casa Civil, Walter Braga Netto; e o ministro da Secretaria de Governo, general Luiz Eduardo Ramos. Como avalia a atuação do STF?
Lasier - Creio que existem dois interesses em jogo. Um interesse é o do Celso de Mello, que não gosta do Bolsonaro. Ele chegou a declarar que, na opinião dele, Bolsonaro não tem condições de ser presidente da República. Então, ao que tudo indica, Celso de Mello quer criar condições para abrir o processo de impeachment. Já o ministro do STF Alexandre Moraes trabalha em outra linha: quer fazer uma investigação sobre o comportamento antidemocrático do grupo que foi para a frente dos quartéis (em manifestações no mês passado) pedindo o fechamento do STF e do Congresso Nacional. De qualquer maneira, as duas poderiam abrir caminho para o impeachment. Por outro lado, em posição visivelmente antagônica, o procurador-geral da República, Augusto Aras, que é um homem de confiança do presidente, tem pedido outros depoimentos. Acredito que o objetivo é neutralizar as condições para o impeachment e, lá adiante, pedir o arquivamento das investigações.
JC - Apesar de o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, se recusar a dar prosseguimento ao pedido de impeachment apresentado pela bancada do PSOL, o tema já tem sido ventilado. Existe um abaixo-assinado pedindo o impedimento de Bolsonaro, que já passou de 1 milhão de assinaturas. Tem clima para um impeachment?
Lasier - Não, não há clima. Concordo que as atitudes do Bolsonaro, se reunidas em conjunto, dariam elementos para a abertura, mas não há clima. Em plena pandemia, em meio ao desmoronamento da economia do País, seria muito ruim paralisar o Brasil para um processo de impeachment. Rodrigo Maia já demonstrou que não quer falar nisso, até porque está sendo muito antipatizado. Por outro lado, o presidente do Senado está se tornando muito próximo do presidente. Esse cenário dificulta o impeachment, porque, para abrir o processo, é preciso a atuação dos dois parlamentos: a Câmara autoriza a abertura e o Senado dirige o processo.
JC - O desembarque do Moro dividiu a base do presidente Bolsonaro: um grupo ficou do lado do ex-juiz; o outro, ao lado do presidente. Qual o custo político dessa saída para Bolsonaro?
Lasier - Os dois perderam parcelas dos seus adeptos. Quem perdeu mais, eu não sei. Há seis meses, Moro era a personalidade número um do Brasil, o maior representante do combate à corrupção. Com o episódio do conflito de Moro com Bolsonaro, perdeu uma parcela expressiva dos seus apoiadores. Por outro lado, o presidente também perdeu, restando os bolsonaristas fundamentalistas. Não dá para negar que, hoje, existe um grupo que fecha os olhos e os ouvidos para a realidade e segue fielmente tudo o que Bolsonaro diz. São os bolsonaristas fundamentalistas. Mas, como disse, não sei quem perdeu mais.
JC - O senhor apresentou o projeto que prevê o uso dos recursos do fundo eleitoral para o combate à Covid-19. Qual a situação da proposta?
Lasier - Está no Senado. Tenho muitos apoiadores, principalmente no nosso grupo Muda Senado, que conta com 22 senadores. Queremos que os R$ 2 billhões (do fundo) sejam retirados da campanha eleitoral para socorrer as necessidades da pandemia. No Senado, temos quase o apoio suficiente para fazer a proposta tramitar. Mas, na Câmara, não passa. A maioria dos deputados não abre mão desse fundo para as eleições. Querem promover prefeitos, vereadores, há interesses político-partidários superiores.

Perfil

Lasier Martins

Lasier Martins


FREDY VIEIRA/JC
Lasier Costa Martins nasceu no município de General Câmara, em 1942. Aos 16 anos, iniciou sua trajetória no rádio, em Montenegro, e fez carreira na imprensa gaúcha. Já instalado em Porto Alegre, ingressou na equipe de esportes da rádio Difusora, aos 17 anos. A partir de 1961, trabalhou na rádio Guaíba, onde permaneceu por 24 anos. Em 1986, deixou o veículo para entrar no Grupo RBS. Lasier também é advogado, formado em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs). Exerceu a profissão por 20 anos, mas deixou de advogar para dedicar-se exclusivamente ao Jornalismo. Atuou como âncora de telejornal, comentarista e apresentador, com participação na RBS TV e na rádio Gaúcha. Sua entrada na política ocorreu em outubro de 2013, quando se desligou da RBS para se filiar ao PDT, pelo qual se lançou candidato ao Senado. Foi eleito senador em 2014. Em dezembro de 2016, deixou o PDT. Foi para o PSD, chegando a presidir a sigla no Rio Grande do Sul. Em 2019, migrou para o Podemos.