Corrigir texto

Se você encontrou algum erro nesta notícia, por favor preencha o formulário abaixo e clique em enviar. Este formulário destina-se somente à comunicação de erros.

Entrevista especial

- Publicada em 08 de Março de 2020 às 20:11

Leite deve liderar frente pela revisão da dívida, sugere Bernardi

"Não tenho a ilusão de que o Estado receberá R$ 60 bi (da Lei Kandir), mas algo tem que ser compensado"

"Não tenho a ilusão de que o Estado receberá R$ 60 bi (da Lei Kandir), mas algo tem que ser compensado"


fotos: LUIZA PRADO/JC
O presidente estadual do PP, Celso Bernardi, defende que o governador Eduardo Leite (PSDB) lidere o movimento pela revisão da dívida do Estado com a União. Leite se reúne amanhã com os líderes dos principais partidos gaúchos - que, no mês passado, uniram forças em um movimento que busca a renegociação da dívida e as compensações da Lei Kandir.
O presidente estadual do PP, Celso Bernardi, defende que o governador Eduardo Leite (PSDB) lidere o movimento pela revisão da dívida do Estado com a União. Leite se reúne amanhã com os líderes dos principais partidos gaúchos - que, no mês passado, uniram forças em um movimento que busca a renegociação da dívida e as compensações da Lei Kandir.
Bernardi concorda com a tese do ex-senador e ex-governador Pedro Simon (MDB) de um encontro de contas entre a União e o Rio Grande do Sul. Entre os créditos do Estado, o presidente do PP não cita apenas as perdas com a Lei Kandir. Lembra também que o Estado tem recursos a receber por conta da estadualização das rodovias federais e as compensações previdenciárias.
A origem das compensações da Previdência é a transferência de servidores federais ao serviço público estadual, por meio do qual acabam se aposentando. Apesar de ter contribuído grande parte da carreira com a Previdência federal, é o sistema gaúcho que paga a aposentadoria desses servidores.
Nesta entrevista ao Jornal do Comércio, Bernardi também comenta as perspectivas do PP para as eleições municipais de 2020. O partido espera manter os 144 prefeitos entre os 497 municípios gaúchos e aumentar o número de vereadores, de 1.140 para 1,2 mil parlamentares em todo o Estado. Entre as cidades prioritárias estão Novo Hamburgo, Sapucaia do Sul, Santa Cruz do Sul, Cachoeirinha, Bento Gonçalves, Uruguaiana, Canoas, Esteio e, claro, Porto Alegre. Na Capital, o vice-prefeito, Gustavo Paim (PP), deve disputar o Paço Municipal com o prefeito Nelson Marchezan Júnior (PSDB).
Jornal do Comércio - Os líderes de vários partidos formalizaram um movimento para renegociar a dívida do Estado com a União e a Lei Kandir. O presidente da Assembleia Legislativa, Ernani Polo (PP), articulou uma reunião com o governador para amanhã. As lideranças desejam que Leite lidere a mobilização. O que o senhor pensa sobre isso?
Celso Bernardi - O governador tem que liderar, é o seu papel. É lógico que não vai fazer sozinho. Tem que chamar a sociedade e os demais Poderes. O Executivo paga 100% da dívida, só que não detém 100% da receita, porque repassa uma parte para o Legislativo, o Judiciário, o Ministério Público e a Defensoria Pública. Então essa negociação também deve envolver os demais poderes. Quando assumiu, o governador tinha uma missão inicial: fazer as reformas no funcionalismo, buscar as privatizações, as concessões, tudo isso que defendemos. Ele deu prioridade para a aprovação desses projetos na Assembleia. Agora que as medidas foram aprovadas, deve liderar o movimento que envolve o encontro de contas com o governo federal. Mas tem outra coisa: falta os estados exportadores se unirem. Acredito que o governador tem todas as condições para liderar essas questões.
JC - Concorda com a tese de um encontro de contas entre a União e o Rio Grande do Sul?
Bernardi - Esse encontro de contas tem que ser muito transparente. Temos que saber quanto vai ser arbitrado da Lei Kandir. O valor que temos para receber é enorme. Não tenho a ilusão de que o Estado receberá mais de R$ 60 bilhões (relativo ao passivo acumulado desde que a lei foi sancionada, em 1996), mas algo tem que ser compensado. Pode ser um abatimento da nossa dívida. Além disso, existem outras pendências que devem entrar no cálculo. Por exemplo, as famosas estadualizações das estradas federais, quando a gestão das rodovias passou ao Estado, gerou um crédito ao Rio Grande do Sul. O último governador que recebeu recursos desses créditos foi Olívio Dutra (PT, 1999-2002), que recebeu R$ 250 milhões, usados para pagar o 13º salário dos servidores públicos no último ano do seu governo. O crédito das estradas deixou de ser pago, e nunca mais se falou no assunto. Além disso, temos as compensações previdenciárias. Esse é um crédito expressivo, não é pouca coisa.
JC - O movimento pela revisão da dívida decidiu, em um primeiro momento, buscar a aprovação do projeto do senador Wellington Fagundes (PL-MT), que regulamenta o pagamento das compensações da Lei Kandir. O que pensa dessa estratégia? O projeto é bom?
Bernardi - O projeto prevê o pagamento de muito menos do que temos de crédito, muito menos. O texto propõe o pagamento de quase R$ 4 bilhões (por ano) ao Rio Grande do Sul. Mas não mexe no que deixou de ser pago ao Estado, que, segundo a Receita Estadual, é algo em torno de R$ 67 bilhões. Então tem que ser resolvido alguma coisa do passado também. A Lei Kandir previa o pagamento de uma pequena compensação. A partir de 2003, esse valor foi revogado e, agora, não se repassa absolutamente nada.
JC - Há líderes - como o ex-chefe da Casa Civil e agora ministro da Cidadania, Onyx Lorenzoni (DEM) - que já falaram até em acabar com a Lei Kandir. O que pensa dessa hipótese?
Bernardi - Essa é a maneira mais fácil, mais simplista de resolver o problema. Não é assim que funciona, o Estado deve ter benefícios fiscais. Não dá para pensar nisso (na extinção da Lei Kandir) no atual sistema. No meu ponto de vista, não é viável voltar a taxar exportações, a não ser que haja uma mudança no sistema tributário brasileiro, mas, até agora, não sabemos o que vai acontecer com a reforma tributária.
JC - Na sua avaliação, um encontro de contas entre a União e o Rio Grande do Sul não exclui a adesão ao Regime de Recuperação Fiscal (RRF)...
Bernardi - Não. O RRF é uma necessidade. Não tem outra saída. Mas precisamos chegar a uma equação justa. Por isso, o encontro de contas deve ser feito com clareza e transparência, levando em conta, inclusive, o regime. Temos que saber como vai ficar a nossa dívida depois de fechar o RRF. A grande questão, que coloco na mão do governador, é fazer pressão sobre esse assunto e ter transparência para explicar à sociedade como vai ficar o nosso futuro. Como ficará a dívida daqui a seis anos (período de carência no pagamento da dívida, previsto pelo RRF)? Tudo isso tem que ser recomeçado de maneira bem transparente.
JC - O que o PP espera das eleições municipais de 2020?
Bernardi - Em 2016, tivemos 269 candidatos a prefeito no Rio Grande do Sul. Elegemos 144, o que representa mais de 50% de sucesso. Neste pleito, pretendemos ter 280 candidatos. Temos certeza que vamos eleger, no mínimo, 50% dos candidatos. Isso daria, mais ou menos, o mesmo número de prefeitos que temos hoje. O PP é o partido que administra o maior número de prefeituras gaúchas, somando um total de 144 no Estado. Também tivemos 224 candidatos a vice-prefeito em 2016, dos quais elegemos 107.
JC - A ideia é manter o número de prefeitos...
Bernardi - Sim. É importante dizer, também, que, em 2016, tivemos 27 candidatas a prefeita. Também tivemos 28 candidatos jovens, dos quais elegemos 18 em cidades importantes. Pretendemos estimular a candidatura de mulheres e jovens. É uma maneira de garantirmos um bom espaço.
JC - Há cidades estratégicas na disputa pelas prefeituras?
Bernardi - Temos uma lista de 56 municípios com mais de 30 mil eleitores, que pretendemos dar uma atenção especial. Pretendemos ter de 35 a 40 candidatos nessas cidades. Entre os locais em que teremos candidatos, posso citar Novo Hamburgo, Sapucaia do Sul, Santa Cruz do Sul, Cachoeirinha, Bento Gonçalves, Uruguaiana, Canoas, Esteio. E, claro, teremos candidato em Porto Alegre.
JC - Vai ser o vice-prefeito de Porto Alegre, Gustavo Paim?
Bernardi - Sim, o Paim é o nosso candidato. Claro que estamos conversando com outros partidos, de modo especial com o DEM e o PTB. Como estamos em processo de conversação, ainda não fechamos a chapa. Até porque o vice pode ser de outro partido. Os partidos vão esperar o fim de março para tomar decisões mais concretas sobre suas candidaturas próprias, em função da janela (de transferência partidária). Os vereadores podem fazer mudanças (de partidos).
JC - A candidatura do Gustavo Paim à prefeitura tende a aumentar a bancada de vereadores da Capital?
Bernardi - Temos uma boa nominata, bons nomes, bem representativos de vários segmentos. Tenho certeza que vamos aumentar a bancada.
JC - Em Porto Alegre, Paim deve concorrer contra o prefeito Marchezan. Em Santa Maria, o partido cogita lançar o vice, Sérgio Cechin (PP), que, se for candidato, vai disputar contra o prefeito Jorge Pozzobom (PSDB). No âmbito estadual, o PP e o PSDB têm uma aliança antiga, que já venceu várias eleições. O rompimento nos pleitos municipais é uma tendência que deve ser reproduzida no governo do Estado em 2022?
Bernardi - Estamos no mesmo campo ideológico, doutrinário (do PSDB). Nossos partidos também têm as suas doutrinas, seus campos ideológicos, mas não temos nenhuma razão para ter um problema um com o outro. O problema envolve uma questão de gestão pública do Paim com Marchezan. É circunstancial. Não é o caso de Santa Maria. Lá, não temos problemas (com o prefeito), temos uma discussão sobre quem seria o melhor candidato nesse momento, se é o Pozzobom ou o Cechin. Mas não há nada de rompimento. Todos os porto-alegrenses sabem a razão pela qual nos afastamos da prefeitura. O prefeito também não fez nenhuma questão de manter a coligação. Então também não temos razão para mantê-la.
JC - Quais são as metas de vereadores no Estado?
Bernardi - Em 2016, elegemos 1.140 vereadores. Tivemos mais de 4,3 mil candidatos. Em 2020, nossa meta é eleger, no mínimo, 1,2 mil vereadores. Acreditamos que há grande chance de aumentarmos o número de parlamentares nas câmaras municipais, em função das novas regras eleitorais. Teremos um superávit de pessoas migrando para o PP. Neste fim de semana, por exemplo, seis vereadores de Pelotas, Rio Grande, Camaquã e São Leopoldo migraram para o partido. Então temos certeza que vamos aumentar o número de vereadores.
JC - O que pensa do fim das coligações nas chapas proporcionais?
Bernardi - Somos favoráveis ao fim das coligações que vão entrar em vigência agora em 2020. Isso favorece os partidos que têm boa estrutura, os partidos tradicionais, os partidos grandes. Eles terão uma condição melhor de competir. Se vão ter sucesso, aí é outro negócio. Mas terão maior competitividade. Ao mesmo tempo, o fim das coligações nas proporcionais tende a deixar menos competitivos os partidos menores. Esse é um caminho para reduzir o número de partidos nas cidades brasileiras. Temos muitas siglas no Brasil, mas poucas ideias.
JC - O PP é um desses partidos bem estruturados que se tornam mais competitivos com essa norma?
Bernardi - Sim, somos um dos partidos bem estruturados. Temos diretórios em 473 municípios. Só 24 cidades gaúchas apresentam problemas de organização do partido. Mas são dificuldades na prestação de contas, da receita, essas coisas. Não significa que não tenhamos nenhuma liderança ou filiados nessas localidades. É evidente que vamos tentar diminuir o número de municípios sem organização partidária.
JC - E quanto ao fundo eleitoral?
Bernardi - Não vou entrar no mérito da questão. Mas é dinheiro público. Isso nos exige, enquanto líderes partidários, duas coisas. Primeiro, a distribuição deve ser feita com justiça, levando em conta os valores de uma eleição municipal, seja para prefeito, vice ou vereador. Em segundo lugar, deve haver muita transparência na prestação de contas. Um partido que quer administrar um município não pode ter medo de fazer uma prestação de contas transparente. Afinal, se o cara quer gerir as contas municipais, deve ter capacidade de gerir as contas da campanha, que são muito menos complexas.
JC - Diante da polarização política pela qual passa o País, acredita que as pautas nacionais vão fazer parte da campanha das eleições municipais?
Bernardi - Esta eleição está situada entre duas eleições gerais, a de 2018 e a de 2022. Não há como negar que a campanha terá alguns ingredientes do campo ideológico, que já está presente no debate precoce sobre a eleição de 2022. Então vai, sim, haver uma nacionalização da eleição municipal. Talvez não tanto nos pequenos municípios, onde os temas são bem locais. Mas, nos municípios médios e grandes, os temas nacionais devem se fazer presentes.

Perfil

Fotos para a entrevista especial da política do presidente estadual do PP, Celso Bernardi.

Fotos para a entrevista especial da política do presidente estadual do PP, Celso Bernardi.


/fotos: LUIZA PRADO/JC
Celso Bernardi tem 76 anos e é natural de Augusto Pestana. Radicado em Santo Ângelo, formou-se técnico em Contabilidade e depois graduou-se em Direito. Secretário de escola concursado, lecionou geografia e história, e atuou como advogado. Técnico-científico, foi cedido para a Secretaria Estadual da Educação em 1979, quando veio para Porto Alegre. Atuou como chefe de gabinete do secretário até 1986 e retornou ao IPE. No mesmo ano, elegeu-se deputado estadual pelo PDS. Sua vida política começara duas décadas antes, no movimento estudantil. Foi vice-presidente da UGES em 1964, na ditadura militar, e deixou o cargo. Ingressou na Arena nos anos 1970, época em que foi secretário-geral do município em Santo Ângelo. Em 1990, elegeu-se deputado federal. Em 1993, assumiu a presidência da sigla (hoje, PP), cargo que ocupou por 12 anos. Disputou o governo do Estado em 1994 e em 2002. Em 2007, assumiu a Secretaria Estadual de Relações Institucionais e, em 2009, a diretoria de Operações do BRDE, no governo Yeda Crusius (PSDB). É presidente estadual do PP desde 2011.